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Celulite dissecante do couro cabeludo: características clínicas e impacto na qualidade de vida de 66 pacientes brasileiros
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Paula Gerlero
Autor para correspondência
gerleropaula@gmail.com

Autor para correspondência.
, Isabela Peron, Isabella Doche, Evelyn Freitas Rodrigues, Thalita Macedo, Maria Cecília Rivitti‐Machado
Departamento de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Recebido 04 Maio 2024. Aceite 27 Junho 2024
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Tabela 1. Características populacionais e qualidade de vida em 66 pacientes com CDCC
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Prezado Editor,

Celulite dissecante do couro cabeludo (CDCC), também conhecida como “perifoliculite capitis abscedens et suffodiens”, é alopecia cicatricial neutrofílica primária rara, com impacto negativo significante na qualidade de vida dos pacientes.1 Junto a hidradenite supurativa (HS), acne conglobata (AC) e cisto pilonidal (CP), a CDCC tem sido considerada parte da tétrade de oclusão folicular, sugerindo mecanismo patogênico comum para essas entidades.2,3

A CDCC afeta principalmente homens afro‐descendentes na 2ª e 3ª décadas de vida; no entanto, também foi descrita em caucasianos3 e em mulheres.4

O vértice e as áreas occipitais do couro cabeludo são predominantemente afetados. As lesões iniciais são estruturas semelhantes a comedões com pústulas, nódulos flutuantes e abscessos estéreis em distribuição focal ou difusa no couro cabeludo. Nesse estágio inicial, as características tricoscópicas podem ser semelhantes às da alopecia areata (AA) com pontos pretos, aberturas foliculares vazias e pontos amarelos 3D de borda dupla. A intervenção precoce nesse estágio pode levar ao crescimento capilar5,6 (fig. 1) Se não forem tratadas, as lesões eventualmente resultam em nódulos dolorosos supurativos inflamatórios e fístulas interconectadas que, em última análise, levam à alopecia cicatricial (fig. 2).

Figura 1.

Celulite dissecante do couro cabeludo: as lesões iniciais são geralmente caracterizadas por nódulos únicos e áreas de alopecia não cicatricial.

(0.28MB).
Figura 2.

Celulite dissecante do couro cabeludo: lesões em estágio avançado apresentam múltiplos nódulos supurativos inflamatórios, abscessos e fístulas interconectadas com áreas de alopecia cicatricial.

(0.26MB).

O diagnóstico depende principalmente de exame clínico e tricoscopia, embora a histopatologia possa ser útil em casos difíceis.

Como a maioria das lesões é crônica e pode resultar em áreas de alopecia permanente, foi relatado comprometimento na qualidade de vida (QV) nesses pacientes.7

No presente estudo, os autores descrevem dados demográficos e impacto na QV de pacientes com CDCC. Este estudo retrospectivo incluiu 66 pacientes (63 homens, três mulheres). Todos os pacientes foram diagnosticados com CDCC no Departamento de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo – Brasil, entre 2015 e 2023. Os dados demográficos dos pacientes foram obtidos dos prontuários médicos. A QV foi avaliada utilizando o questionário Dermatology Life Quality Index (DLQI),8 traduzido e validado para o português do Brasil. Os critérios de exclusão incluíram alopecia associada e imunossupressão.

Os resultados do presente estudo mostraram predominância de indivíduos do gênero masculino (n=63) com tipos de pele III–IV. A média de idade foi de 30 anos (14–62); o índice de massa corporal (IMC) médio foi de 28,40 (n=23). Todos os pacientes apresentaram pelo menos duas dessas características: áreas de alopecia cicatricial, nódulos inflamatórios, abscessos e fístulas no couro cabeludo. Aproximadamente 60% (n=40) dos pacientes foram tratados com isotretinoína oral na dose média de 0,5–1mg/kg/dia e 15% (n=10) foram tratados com adalimumabe 40mg por semana, com resposta parcial discreta em ambos os grupos. Cinquenta e três por cento (n=32/60) dos pacientes com CDCC apresentaram comorbidades relacionadas à tétrade de oclusão folicular; a HS foi a mais frequente (n=27, 45%), seguida por AC (n=21, 34,4%) e CP (n=6, 10,2%; tabela 1). No grupo HS‐CDCC, 44,4% (n=12) foram diagnosticados com ambas as doenças ao mesmo tempo; em 28% (n=7) a CDCC foi diagnosticada primeiro e em 29,6% (n=8) a HS foi diagnosticada primeiro. No grupo com diagnóstico inicial de CDCC, o intervalo de tempo mediano entre os diagnósticos das duas doenças foi de três anos (1–7), e quando o primeiro diagnóstico foi de HS (n=8) esse intervalo foi de 10 anos (2–22). O DLQI foi avaliado em 47% (n=31) dos pacientes. O escore médio do DLQI desses pacientes foi 10, com variação de 0 a 28.

Tabela 1.

Características populacionais e qualidade de vida em 66 pacientes com CDCC

Características clínicas  N/total 
Gênero
Masculino  63/66  95,5 
Feminino  3/66  4,5 
Tipo de pele de Fitzpatrick*
I–II  3/66  4,5 
III–IV  45/66  68,2 
V–VI  18/66  27,3 
Comorbidades associadas
Hidradenite supurativa  27/60  45 
Acne conglobata  21/61  34,4 
Cisto pilonidal  6/59  10,2 
Idadea, anos (média)  14–62 (30)  – 
Escore DLQIa (média)  0–28 (10)  – 
Escore DLQIa (média) – Tétrade de oclusão folicular  10–21 (17,5)  – 

N, número de pacientes.

a

Variação.

No presente estudo, os domínios do DLQI mais afetados foram sintomas e relacionamentos pessoais; nenhum paciente teve impacto negativo relacionado ao tratamento, sugerindo que o comprometimento da autoimagem é mais estressante do que o próprio tratamento para esses pacientes. Além disso, o comprometimento da QV não foi influenciado por esportes ou vida sexual (fig. 3). Os pacientes com a tétrade de oclusão folicular (n=5) mostraram impacto maior na QV com escore médio no DLQI de 17,5, em comparação com pacientes sem tétrade de oclusão folicular.

Figura 3.

Frequência de respostas ao questionário DLQI de acordo com as perguntas. O DLQI consiste em questionário autoadministrado com 10 perguntas sobre a percepção dos pacientes sobre o impacto da doença da pele e cabelos em diferentes domínios de sua QV relacionada à saúde na última semana. Ele abrange seis domínios: sintomas e sentimentos (Q1, Q2), atividades diárias (Q3, Q4), lazer (Q5, Q6), trabalho e escola (Q7), relacionamentos pessoais (Q8, Q9) e tratamento (Q10). DLQI, Dermatology Life Quality Index, QV, qualidade de vida, Q, questão.

(0.21MB).

A patogênese da CDCC permanece pouco compreendida. A predominância em homens jovens aponta para a oclusão folicular como característica fundamental.1,5,6 Entretanto, um estudo multicêntrico relatou predominância de pele clara e cabelo caucasiano em mulheres, sugerindo patomecanismo diverso envolvendo desregulação imunológica.3

A preponderância da doença em pacientes mais jovens e a associação com HS em quase 45% são consistentes com a literatura.1–3,5 Em estudo com mais de 5.000 pacientes com HS, a prevalência de CDCC foi de 9,2%, em comparação com 0,7% em indivíduos de controle pareados, e o risco de CDCC em pacientes com HS foi 13,38 vezes maior. Esses pacientes (CDCC‐HS) mostraram maior impacto na QV em comparação com CDCC isoladamente.9

Estudos anteriores também mostraram que a redução da QV em pacientes com CDCC é ainda mais significante do que em pacientes com outras dermatoses inflamatórias, como psoríase.10

Como a maioria das lesões está localizada em áreas visíveis do couro cabeludo, os pacientes tendem a experimentar sentimentos de rejeição social e estigmatização, com grande comprometimento da QV, destacando a necessidade de diagnóstico e tratamento precoces.10

O tratamento da CDCC pode ser desafiador. A terapia de primeira linha com isotretinoína oral, antibióticos orais e esteroides intralesionais é frequentemente usada para controlar doença limitada em apresentação discreta. O presente estudo corroborou a eficácia da isotretinoína no tratamento de CDCC discreta ou moderada.6 Entretanto, no tratamento de casos refratários ou que apresentam associação com HS, medicamentos biológicos como adalimumabe, infliximabe ou a combinação de biológicos com outros medicamentos parecem ser úteis.11

As limitações do presente estudo incluíram o desenho retrospectivo e, como os resultados se originaram de um único centro acadêmico, os mesmos podem não permitir generalização.

E importante medir a QV em pacientes com CDCC, pois essa doença tem impacto negativo na vida das pessoas por sua cronicidade, recorrência, dor e impacto na imagem corporal. Portanto, é importante aplicar questionários específicos para entender melhor o impacto da CDCC.

Em conclusão, o presente estudo mostra que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem prevenir a progressão da doença, evitar a alopecia cicatricial, melhorar as lesões inflamatórias e ajudar a reduzir o impacto na QV desses pacientes.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Paula Gerlero: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Isabela Peron: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.

Isabella Doche: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Evelyn Freitas Rodrigues: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.

Thalita Macedo: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.

Maria Cecília Rivitti‐Machado: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Os autores Paula Gerlero, Isabela Peron, Thalita Macedo e Evelyn Freitas Rodrigues não têm conflito de interesses a declarar.

Isabella Doche é membro do Conselho de Diretores da American Hair Research Society (2020–2024).

Maria Cecilia Machado‐Rivitti têm conflito de interesses com: Abbvie, Janssen, Novartis, Boehringer‐Ingelheim, Pfizer, Sanofi, UCB, America's Health Foundation e Mantecorp.

Referências
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Como citar este artigo: Gerlero P, Peron I, Doche I, Freitas Rodrigues E, Macedo T, Rivitti‐Machado MC. Dissecting cellulitis of the scalp: clinical characteristics and impact on quality of life of 66 Brazilian patients. An Bras Dermatol. 2025;100. https://doi.org/10.1016/j.abd.2024.06.003

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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