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Vol. 95. Issue 6.
Pages 696-701 (1 November 2020)
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Vol. 95. Issue 6.
Pages 696-701 (1 November 2020)
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Dermatite alérgica de contato a cosméticos: análise retrospectiva de uma população submetida aos testes de contato entre 2004 e 2017
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Mariana de Figueiredo Silva Hafnera,
Corresponding author
mariana@hafner.med.br

Autor para correspondência.
, Ana Carolina Rodriguesb, Rosana Lazzarinia
a Clínica de Dermatologia, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Leitura dos resultados dos testes de contato (critérios do ICDRG)
Tabela 2. Distribuição dos 232 pacientes de acordo com a localização de suas lesões
Tabela 3. Distribuição dos testes de contato positivos, entre os 232 pacientes diagnosticados com DAC por cosméticos
Tabela 4. Cosmético identificado como responsável pela DAC em 154 pacientes
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Resumo
Fundamentos

Os cosméticos fazem parte do cotidiano da população e seu uso pode levar a quadros de dermatite alérgica de contato.

Objetivos

Avaliar o perfil dos pacientes com diagnóstico de dermatite alérgica de contato a cosméticos atendidos em centro de referência por 13 anos, assim como as características do quadro clínico e dos alérgenos envolvidos.

Métodos

Estudo retrospectivo, com análise de prontuários dos pacientes atendidos no serviço. Os indivíduos incluídos tinham hipótese diagnóstica de dermatite alérgica de contato a cosméticos e haviam sido previamente submetidos a testes epicutâneos.

Resultados

Foram analisados 1.405 prontuários, dos quais 403 (28,7%) com suspeita de dermatite alérgica de contato por cosméticos e 232 (16,5%) com tal diagnóstico confirmado. Desses, 208 (89,7%) eram mulheres e a faixa etária de maior acometimento foi de 31‐60 anos. As localizações mais comuns foram face, em 195 casos (25,8%), região cervical, em 116 (15,3%), e tronco, em 96 (12,6%). Os principais alérgenos nos testes de contato foram resina tolueno‐sulfonamida‐formaldeído, em 69 casos (29,7%), parafenilenodiamina, em 54 (26,3%), Kathon CG, em 41 (20,7%) e perfume‐mix 1 em 29 (16,4%). Dos 232 pacientes com diagnóstico de dermatite alérgica de contato por cosméticos confirmado, foi possível especificar, em 154 (66,4%) casos, o produto cosmético responsável pelas lesões.

Limitações do estudo

A ausência de alguns alérgenos considerados importantes no mundo como causadores de dermatite alérgica de contato, cujo acesso em nosso meio ainda é restrito.

Conclusões

Os dados da população analisada (predominância de mulheres jovens), assim como a localização das lesões (face e região cervical) e os principais alérgenos envolvidos, foram condizentes com os dados da literatura mundial.

Palavras‐chave:
Cosméticos
Dermatite alérgica de contato
Testes do emplastro
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Introdução

O termo “cosmético” é definido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como produto para uso externo, destinado à proteção ou ao embelezamento das diferentes partes do corpo. A Food and Drugs Administration (FDA) o define como artigo que pode ser aplicado no corpo humano para limpeza, embelezamento, promoção de atrativos, alteração de aparência ou até mesmo como componente de qualquer desses produtos, com exceção dos sabões.1 Já de acordo com a legislação europeia, o termo é usado para uma substância ou mistura de substâncias destinadas à aplicação nas superfícies externas do corpo (pele, cabelos, unhas, lábios e genitália), dentes e/ou mucosa oral, com a finalidade de limpeza, odorização, modificação da aparência ou correção de odores da região de uso.2 Assim, esse termo é variável segundo a legislação de cada país e engloba maquiagem, itens de cuidado com a pele, perfumes, produtos para unhas e cabelos, géis ou cremes de barbear e quaisquer produtos de higiene pessoal, como creme dental e desodorantes.3 Os cosméticos fazem parte do cotidiano da população e são mais usados pelas mulheres, que em média aplicam 12 produtos por dia, os quais podem conter até 168 componentes diferentes, enquanto os homens usam até seis produtos com média de 85 componentes.4

Embora os efeitos adversos mais comuns causados pelo uso de cosméticos sejam as dermatites irritativas, as dermatites alérgicas de contato (DAC) também ocorrem, correspondem a cerca de 1% das reações. A incidência de DAC varia de acordo com a região, frequência de uso dos cosméticos, poder alergênico dos produtos usados e acessibilidade para testes de contato (que confirmam o diagnóstico). O fator de risco para sua ocorrência é o aumento do uso de cosméticos, de modo que a população mais acometida é a feminina na faixa dos 20 aos 55 anos. É difícil fazer uma estimativa da frequência desse quadro, uma vez que a maior parte dos indivíduos não procura por serviços médicos ao apresentar tais reações e descontinuam o uso do produto por conta própria.1,3

Os artigos destinados para higiene e hidratação são os maiores responsáveis pelos quadros de DAC por cosméticos, seguidos por maquiagem, produtos para cabelos e para unhas.2 Os principais alérgenos associados são as fragrâncias e os conservantes.4

A DAC aos cosméticos ocorre no local de aplicação direta do produto ou para o qual ele possa ser transferido. Essa transmissão pode acontecer pelo contato não intencional por meio de objetos como toalhas e telefones, pelo ar e pelo contato interpessoal.1 O quadro clínico pode ser agudo ou crônico; as manifestações crônicas são as mais comuns, o que se deve ao baixo poder alergênico dos componentes dos cosméticos.3

O diagnóstico é feito com base na anamnese, no exame dermatológico e no teste de contato. É importante investigar os produtos usados pelo paciente, tanto no ambiente doméstico quanto laboral. Após o diagnóstico, é essencial que o paciente entenda que deve evitar o contato com o alérgeno e que o quadro pode retornar com novas exposições.1,3,4

O presente estudo objetivou avaliar o perfil dos pacientes com diagnóstico de DAC a cosméticos atendidos em um centro de referência por 13 anos, assim como as características do quadro clínico apresentado e dos alérgenos envolvidos.

Material e métodos

O estudo foi retrospectivo, com análise de prontuários dos pacientes atendidos em ambulatório de serviço de referência de 2004 a 2017. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos (CAAE 94354218.4.0000.5479).

Os pacientes incluídos no estudo tinham hipótese diagnóstica de DAC a cosméticos e haviam sido previamente submetidos a testes epicutâneos. De acordo com a anamnese, as séries de alérgenos usadas nos testes foram: bateria padrão brasileira (30 substâncias/FDA – Allergenic/RJ, Brasil), de cosméticos (10 substâncias/FDA − Allergenic/RJ, Brasil) e, além disso, quando possível, foram também acrescentados produtos cosméticos do próprio paciente. Em todos os casos, os contensores usados nos testes foram do tipo Finn Chamber (Smart Practice, EUA) ou Allergo Chamber (Neoflex, São Paulo, Brasil). A aplicação e a leitura dos testes foram feitas de acordo com os critérios do International Contact Dermatitis Research Group (ICDRG).

O ICDRG, de modo a padronizar a metodologia e a leitura dos testes de contato e evitar a ocorrência de falsos positivos e falsos negativos, estabeleceu que os testes devem ser aplicados no dorso alto dos pacientes e as leituras devem ser feitas após 48 e 96 horas. A leitura pode apresentar resultados negativo ou positivo (1, 2 ou 3 +), de acordo com a tabela 1.

Tabela 1.

Leitura dos resultados dos testes de contato (critérios do ICDRG)

Intensidade  Morfologia  Interpretação 
−  Sem reação  Negativo 
?+  Leve eritema  Reação duvidosa 
Eritema, infiltração, possivelmente pápulas  Resposta fraca 
++  Eritema, infiltração, pápulas, vesículas  Resposta forte 
+++  Eritema intenso, infiltração, vesículas coalescentes  Resposta muito forte 

Os dados foram coletados segundo uma ficha de atendimento adotada pelo serviço, na qual informações como idade, sexo, profissão, duração do quadro, localização das lesões e resultados dos testes de contato foram registradas. A análise dos dados coletados se deu por meio de uma planilha no programa Excel.

Resultados

Foram analisados 1.405 prontuários, entre os quais 403 (28,7%) tinham suspeita de DAC por cosméticos e 232 (16,5%) tiveram esse diagnóstico confirmado. Nesse grupo, 208 (89,7%) eram do sexo feminino e 24 (10,3%) do masculino. O período de história referida variou de um a 528 meses, com duração média de 32,9.

As idades dos pacientes variou entre 3 e 88 anos – a faixa etária de maior acometimento foi de 31‐60 anos, com média de 44,4.

As localizações mais comuns foram face, em 195 casos (25,8%), região cervical, em 116 (15,3%), e tronco, em 96 (12,6%), como descrito na tabela 2. Alguns pacientes apresentavam mais de uma área acometida.

Tabela 2.

Distribuição dos 232 pacientes de acordo com a localização de suas lesões

Localização  Número de pacientes 
Face  195  25,8 
Cervical  116  15,3 
Tronco (esterno, mamas, escapular)  96  12,6 
Membros superiores  75  9,9 
Mãos  60  7,9 
Membros inferiores  49  6,4 
Couro cabeludo  44  5,8 
Abdome/flancos  44  5,8 
Pés  27  3,5 
Axilas  24  3,1 
Lombar  11  1,4 
Inguinal/genital  10  1,3 
Glúteos  1,2 
Total  760a  100,0 
a

Alguns pacientes apresentaram mais de uma região acometida.

Entre os 232 pacientes com DAC por cosméticos, 82 (35,3%) foram diagnosticados pela bateria de cosméticos, 65 (28%) pela associação entre bateria‐padrão e substâncias extras, 55 (23,7%) pela associação entre baterias de cosméticos e padrão e 30 (12,9%) pela bateria padrão.

Os principais alérgenos com resultados positivos nos testes de contato foram: resina tolueno‐sulfonamida‐formaldeído em 69 casos (29,7%), parafenilenodiamina em 54 (26,3%), Kathon CG em 41 (20,7%) e perfume‐mix 1 em 29 (16,4%), como evidenciado na tabela 3.

Tabela 3.

Distribuição dos testes de contato positivos, entre os 232 pacientes diagnosticados com DAC por cosméticos

Substância positiva  SexoSubstância positiva  Sexo
       
R‐TSFa  29,7  69  Hidroquinona  2,1 
Parafenilenodiamina  26,3  54  Trietanolamina  2,1 
Kathon CGb  20,7  41  BHTd  1,7 
Perfume mix 1  16,4  29  Lanolina  1,7 
Formaldeído  8,2  19  Bronopole  1,7 
Colofônia  7,7  15  Cloracetamida  1,7 
Bálsamo do Peru  6,0  11  Amerchol L 101  1,3 
Parabenos  3,4  Propilenoglicol  1,3 
Irgasanc  3,0  Ácido sórbico  0,9 
Tioglocolato de amonio  3,0  ImUf  0,9 
Quaternium 15  2,6  Clorexidine  0,4 

Alguns pacientes tiveram mais de uma substância positiva no teste de contato.

a

Resina tolueno sulfonamida – formaldeído.

b

Metilisotiazolinona + metilclortiazolinona.

c

Triclosan.

d

Butil‐hidroxitolueno.

e

2‐bromo‐2‐nitropropano‐1,3‐diol.

f

Imidazolinidil ureia.

Dos 232 pacientes com diagnóstico confirmado de DAC por cosméticos, foi possível especificar, em 154 (66,4%) casos, o produto cosmético responsável pelas lesões, como indicado na tabela 4.

Tabela 4.

Cosmético identificado como responsável pela DAC em 154 pacientes

Cosmético  Sexo
   
Esmalte de unhas  32,3  75  − 
Tintura de cabelo  17,2  36 
Fragrâncias/perfume  7,3  15 
Xampu e produtos para cabelos  6,0  12 
Creme/hidratante  4,7 
Desodorante  4,3 
Protetor solar  1,3  − 
Sabonete  0,9 
Escova progressiva  0,4  − 

Alguns pacientes apresentaram mais de um cosmético como etiologia da DAC.

Discussão

Os cosméticos são produtos usados diariamente por grande parcela da população, tornam‐se causas frequentes de dermatite de contato, tanto na forma irritativa quanto na alérgica.

A frequência de DAC por cosméticos no serviço no período avaliado foi de 16,5% entre os pacientes submetidos aos testes de contato. Essa taxa equivale aos dados dos grupos que estudam este assunto, variou entre 1% e 17,8% dos casos de DAC. Esses valores dependem do local do estudo, da frequência de uso dos cosméticos na população avaliada, da disponibilidade de serviços médicos e, principalmente, do acesso aos testes de contato e aos alérgenos causadores da dermatite. Os dados aqui apresentados refletem a frequência de tal diagnóstico em um serviço universitário com acesso aos testes de contato.4

Em relação ao gênero, foram 208 mulheres acometidas (89,7%) e 24 homens (10,3%). Esses dados estão de acordo com os da literatura, corroboram a ideia de que o maior número de cosméticos usados pelas mulheres favorece a maior frequência de sensibilização, embora os homens tenham aumentado seu uso.4,5

O tempo de evolução da dermatose até a chegada ao serviço foi de 44 meses em média, o que reflete o pouco acesso da população aos testes de contato no serviço público, retarda o diagnóstico e implica maior morbidade. Outros estudos mostram variações médias de 23 e 29 meses.5

As duas regiões do corpo mais afetadas foram a face e o pescoço, coincidiram com as áreas de maior contato com cosméticos, tanto por aplicação direta quanto pelo contato indireto.2

As DAC aos cosméticos podem ser causadas por diferentes componentes das formulações, como princípios ativos, conservantes, fragrâncias, emulsificantes e componentes do veículo.

Entre os princípios ativos, a resina tolueno‐sulfonamida‐formaldeído (R‐TSF) foi o mais comum entre todos os alérgenos pesquisados na amostra (29,7%). Os casos diagnosticados foram exclusivos entre mulheres. Essa resina está presente nos esmaltes de unha, confere‐lhes durabilidade após a aplicação. Trata‐se de um alérgeno ainda prevalente em nosso meio, embora menos casos venham sendo observados em nosso serviço.

A parafenilenodiamina (PPDA), presente nas tinturas de cabelo permanentes e semipermanentes, foi o segundo mais frequente entre mulheres e homens. Embora o couro cabeludo seja espesso, esse alérgeno é capaz de causar reações muitas vezes intensas e graves. As lesões podem ainda ocorrer na face, nas sobrancelhas, no pescoço e nas orelhas, sem acometimento do couro cabeludo. Além disso, esse alérgeno é comumente incluído nas tatuagens de henna impuras, causa sensibilização em crianças.4

O tioglicolato de amônio, agente redutor usado nos alisamentos e permanentes dos cabelos, é muito empregado em nosso meio, principalmente em procedimentos feitos no ambiente doméstico. Representou 3% dos casos de DAC por cosméticos. Trata‐se de um alérgeno pouco comum, porém um estudo japonês de 2017 mostrou 4,8% dos pacientes com reações a produtos aplicados nos cabelos com positividade a esse agente.6

Os conservantes apresentaram um número significativo de reações; as isotiazolinonas tiveram as maiores frequências. O Kathon CG® (metilisotiazolinona + metilcloroisotiazolinona) representou 20,7% dos testes positivos. Ele é um conservante comum em produtos de base aquosa, como cremes, loções, xampus e lenços umedecidos. Pode também ser encontrado em produtos de uso industrial, como tintas de parede, óleos de corte, colas, produtos têxteis e couro. A dermatite de contato induzida por esse conservante acomete principalmente a face e as mãos nos adultos. Já nas crianças, as regiões mais afetadas são perioral, genital e nádegas, devido à sua presença nos lenços umedecidos.7

Dados não publicados do nosso serviço mostram frequência de sensibilização na população geral de 17% ao Kathon CG®. O grupo de pacientes aqui estudados tem maior frequência, pois se trata de um grupo específico de DAC por cosméticos (em que esse alérgeno é mais comum). Sua frequência de sensibilização aumentou substancialmente a partir de 2011 nos Estados Unidos e na Europa; em nosso meio, Scherrer e Rocha demonstraram aumento de sensibilização de 3,35% para 11,14% entre 2006 e 2012.8

O formaldeído é um conhecido antisséptico usado como conservante de produtos de limpeza, cosméticos (p.ex., xampus e sabonetes) e medicamentos tópicos. Devido ao seu potencial alergênico e cancerígeno, conservantes liberadores de formaldeído podem ser usados em seu lugar. Em nosso estudo foram observados 8,2% dos casos com sensibilização ao formaldeído, alguns relacionados ao uso de alisantes para cabelos. Embora proibidos pela Anvisa como alisantes, seu uso persiste no mercado de maneira informal em concentrações desconhecidas. As frequências de sensibilização ao formaldeído giram em torno de 2%‐3% na Europa e 8%‐9% nos Estados Unidos. Assim, a frequência obtida neste trabalho é equivalente à que ocorre nos Estados Unidos. Já os agentes liberadores de formaldeído, como quaternium 15 (2,6%), bronopol (1,7%) e imidazolionidil ureia (0,9%), apresentaram baixa frequência de sensibilização.

Os parabenos foram positivos em 3,4% dos pacientes. Embora tenha se tornado centro de controvérsias entre usuários de cosméticos, é o agente conservante mais seguro e barato do mercado desde 1924. Está presente na maior parte de produtos cosméticos, cremes dentais e enxaguatórios bucais, produtos de limpeza e alimentos. A frequência de sensibilização varia entre 0,6%‐2,3% nos estudos do grupo americano.9

O irgasan (triclosan) representou 3% dos testes positivos, frequência mais elevada do que a demonstrada na literatura, em que estão abaixo de 1%. Esse produto é usado como conservante em produtos para cuidado pessoal e esportivos, roupas de cama e brinquedos.10

Os outros conservantes, como BHT (antioxidante), cloracetamida, ácido sórbico e clorexidine, apresentaram frequências baixas e foram considerados como causas incomuns de DAC.

As fragrâncias estão entre os alérgenos mais comuns dos cosméticos e, neste estudo, representaram 16,4% dos testes positivos. Esse valor encontrado foi menor do que o observado na literatura, em que tais substâncias são responsáveis por 30%‐40% dos casos de alergia aos cosméticos. Os mixes de fragrâncias, o bálsamo do Peru (BP) e a colofônia são considerados os marcadores de DAC por fragrâncias em nosso meio.

Dentre os mixes, foi analisado no atual estudo apenas o perfume mix 1 (álcool cinâmico, aldeído cinâmico, hidroxicitronelal, amil‐cinamaldeído, geraniol, (eugenol, isoeugenol e oakmoss absolute), fato que poderia diminuir o diagnóstico de DAC por fragrâncias em 15%‐33% se comparado a estudos estrangeiros nos quais se usa de rotina o perfume mix 2 nos testes de contato.11

O BP é uma resina natural composta por mais de 250 substâncias químicas diferentes e é usado como fixador de fragrância. Sua frequência de sensibilização foi de 6% e relacionou‐se à sensibilização de fragrâncias em seis casos (43%), enquanto os outros oito tiveram positividade isolada. Estima‐se que pelo menos 50% dos casos de alergia a fragrâncias tenham reações positivas ao BP, como ocorreu neste estudo.2

A colofônia é uma resina de origem vegetal composta por uma mistura complexa de resinas ácidas (90%) e neutras (10%). Os ácidos abiético e de‐hidroabiético são os mais importantes; os alérgenos são produtos de sua oxidação. Essa resina tem múltiplas utilidades e seu uso em perfumes é incerto, mas reações cruzadas entre as substâncias são bem descritas e no grupo estudado houve positividade em 18 pacientes (7,7%) e em 17 casos (7,3%) havia reação concomitante com perfume mix 1. Trabalho do mesmo grupo, publicado em 2018 e que estudou a sensibilização às fragrâncias, mostrou 10% de testes positivos concomitantes.12

Os produtos usados como veículos nos cosméticos foram responsáveis por nove casos de DAC (2,8%). Destaca‐se a participação da lanolina (1,7%) e do Amerchol L 101 (1,3%). A primeira é extraída da lã dos carneiros e amplamente usada em cosméticos e medicamentos de uso tópico. Já o Amerchol L 101 é um produto comercial que contém álcoois da lanolina obtidos de sua hidrólise. Embora ambos estejam frequentemente implicados nas DAC dos pacientes portadores de úlceras dos membros inferiores e, mais recentemente, em portadores de dermatite atópica, eles também surgem como alérgenos dos cosméticos, como aqui demonstrado.13 Nos cosméticos, eles podem estar presentes em desodorantes, produtos para os olhos, cremes depilatórios, batons, loções e cremes hidratantes, além de xampus e condicionadores.

O propilenoglicol é um álcool sintético que pode ser usado como emoliente, solvente, conservante e emulsificante; é encontrado em diversos produtos como cosméticos, produtos de higiene pessoal e medicamentos (inclusive os corticoides), alimentos e recentemente nos cigarros eletrônicos. Neste trabalho, foi observada positividade dos testes em 1,3% dos pacientes; o mesmo ocorre na literatura, em que a frequência varia entre 0,8% e 3,5% dos casos.14

Outro alérgeno positivo nos testes foi a trietanolamina, emulsificante usado em cosméticos e medicamentos tópicos, positivo em 2,1% dos casos, valor abaixo do observado por Silva et al. em publicação de 2012.15 Neste trabalho, os autores mostram 9,52% de positividade para essa substância. Os resultados podem variar entre locais diferentes pelo uso de cosméticos variados e até pelo acesso dos pacientes aos testes de contato.

Em 66,4% dos pacientes com diagnóstico de DAC a cosméticos foram identificados os produtos responsáveis pelo quadro (tabela 4). Nesses casos, a relevância atual dos testes de contato feitos foi provável ou de certeza. A relevância provável foi considerada quando os testes foram positivos para alérgenos (e às vezes também para os próprios cosméticos do paciente) e houve comprovação da composição dos produtos em uso (fontes de exposição compatíveis); a relevância foi de certeza quando, além dos critérios mencionados, houve recidiva do quadro após reexposição ao material causador da dermatose. Já nos outros 33,6%, a relevância foi considerada possível, pois, apesar dos testes positivos para alérgenos de cosméticos e da história de exposição a fontes que conhecidamente os contêm, não foi comprovada a composição exata dos produtos em uso.

Os esmaltes de unhas foram os mais comuns, seguidos de tinturas de cabelo, perfumes, xampus e outros produtos capilares, cremes hidratantes corporais, desodorantes, protetores solares, sabonetes e produtos para alisamento, popularmente conhecidos como escova progressiva. Os cosméticos responsáveis variam segundo hábitos de consumo, higiene, tradições culturais e religiosas. Um trabalho feito na Índia com pacientes que apresentaram DAC por cosméticos mostrou os cremes para face, as tinturas de cabelo e os sabonetes como os mais comuns. Em nosso meio, pintar as unhas é um hábito frequente entre as mulheres, torna os esmaltes agentes comuns causadores de DAC.5 Vale ressaltar que nos casos de positividade para R‐TSF de esmaltes e PPDA de tinturas de cabelos é mais fácil se estabelecer o diagnóstico provável ou de certeza, uma vez que se trata de alérgenos específicos desses produtos. Já nos casos positivos para fragrâncias e conservantes, muitas vezes o diagnóstico é possível, não se comprovam com tanta facilidade os cosméticos específicos causadores do quadro, pois as possíveis fontes de exposição são múltiplas.

Uma limitação do presente estudo foi a inclusão apenas de alérgenos das baterias brasileiras padrão e de cosméticos, embora se saiba que há ainda outros sensibilizantes frequentemente encontrados em cosméticos. Atualmente, há séries ampliadas que permitem maior abrangência das substâncias testadas (como perfume mix 2, cocoamidopropilbetaína, metidibromoglutaronitrila, entre outros), porém, como não estavam disponíveis em nosso meio para teste durante a maior parte do período de análise, não foram incluídas no estudo.

Conclusão

A frequência de DAC por cosméticos foi de 16,5% entre os pacientes submetidos aos testes de contato. A população analisada foi predominantemente do gênero feminino, entre 31 e 60 anos, com comprometimento da face e região cervical, em conformidade com os dados da literatura. Os principais alérgenos envolvidos foram resina tolueno‐sulfonamida‐formaldeído, parafenilenodiamina, Kathon CG® e perfume‐mix 1. Entretanto, o estudo apresentou algumas limitações, como ausência de alguns alérgenos para análise, que atualmente são considerados importantes em todo o mundo como causadores de DAC e cujo acesso em nosso meio ainda é restrito. Por outro lado, vale salientar que mesmo na ausência desses alérgenos foi possível traçar um perfil dos cosméticos que causam DAC em uma parcela de nossa população.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Mariana de Figueiredo Silva Hafner: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa.

Ana Carolina Rodrigues: Obtenção, análise e interpretação dos dados.

Rosana Lazzarini: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Conflitos de interesse

Nenhum.

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Como citar este artigo: Hafner MFS, Rodrigues AC, Lazzarini R. Allergic contact dermatitis to cosmetics: retrospective analysis of a population subjected to patch tests between 2004 and 2017. An Bras Dermatol. 2020;95:696–701.

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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