Compartilhar
Informação da revista
Vol. 95. Núm. 5.
Páginas 641-644 (1 setembro 2020)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
10658
Vol. 95. Núm. 5.
Páginas 641-644 (1 setembro 2020)
Dermatologia Tropical/Infectoparasitária
Open Access
Aspectos clínicos e epidemiológicos da leishmaniose tegumentar americana com acometimento genital
Visitas
10658
Marcelo Rosandiski Lyraa,
Autor para correspondência
marcelolyradermato@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Alan Bittencourt da Silvab, Cláudia Maria Valete‐Rosalinoa, Maria Inês Fernandes Pimentela
a Laboratório de Pesquisa Clínica e Vigilância em Leishmanioses, Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
b Curso de Graduação em Medicina, Faculdade de Medicina, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (3)
Mostrar maisMostrar menos
Tabelas (1)
Tabela 1. Perfil clínico e epidemiológico dos pacientes com LTA com acometimento genital
Resumo

As lesões genitais constituem apresentação incomum da leishmaniose tegumentar americana. Condições como leishmaniose cutânea disseminada e infecção por HIV podem estar associadas ao acometimento genital. Nosso objetivo é apresentar cinco casos de leishmaniose tegumentar americana com lesões genitais e discutir aspectos clínicos e epidemiológicos observados em nossa casuística.

Palavras‐chave:
Infecções do sistema genital
Leishmania braziliensis
Leishmaniose cutânea
Leishmaniose mucocutânea
Texto Completo
Introdução

A leishmaniose tegumentar americana (LTA) é doença infecciosa causada por protozoários do gênero Leishmania transmitidos pela picada de fêmeas infectadas de insetos flebotomíneos do gênero Lutzomyia.1,2 Clinicamente, a LTA é dividida em leishmaniose cutânea localizada, leishmaniose cutânea disseminada (LD), leishmaniose cutânea difusa e leishmaniose mucosa.1–3A LD constitui até 2% dos casos de LTA e ocorre provavelmente devido à disseminação linfática ou hemática do parasito a partir do local da picada.1 Essa forma clínica caracteriza‐se pela presença de numerosas lesões cutâneas, dez ou mais, distribuídas em dois ou mais segmentos corporais não contíguos.3 As lesões cutâneas são polimórficas e compostas tipicamente por pápulas acneiformes, placas infiltradas ou ulceradas, lesões verrucosas e úlceras com fundo granuloso e bordas elevadas.1,3 Lesões verrucosas e vegetantes são raras.3 Sintomas sistêmicos como febre, mialgia, astenia e emagrecimento ocorrem em 50% a 75% dos casos e o acometimento de mucosas, com predomínio na mucosa nasal, é observado em até 53% dos casos de LD.3,4

As lesões genitais constituem uma apresentação incomum da LTA e sugerem disseminação hemática nos pacientes com LD ou inoculação direta do parasito nos pacientes com lesões genitais isoladas que dormem nus ao ar livre ou fazem necessidades fisiológicas em áreas endêmicas de LTA sem instalações sanitárias.5–7 Pacientes portadores de HIV com LTA apresentaram LD e lesões genitais em 60% e 27% dos casos, respectivamente.8

Relato dos casos

Descrevemos na tabela 1 cinco pacientes com LTA com lesões genitais atendidos entre 2007 e 2019, que perfazem toda a casuística de LTA com acometimento genital observada em nossa instituição durante esse período. A média de idade de nossos pacientes foi de 43 anos. Entre aqueles com LD, observou‐se um grande número de lesões cutâneas com uma média de 51 lesões. O tempo médio de evolução das lesões genitais até o diagnóstico foi de 5,6 meses. O diagnóstico foi confirmado pelo encontro dos parasitos em um ou mais dos seguintes exames: exame direto (imprint ou raspado), exame histopatológico, cultura e/ou reação em cadeia da polimerase (PCR) feitos a partir de biópsias das lesões cutâneas. Todos os pacientes apresentavam acometimento das mucosas das vias aéreas e digestivas superiores (VADS) e foram testados para HIV e sífilis com o intuito de descartar coinfecção. Quatro desses pacientes apresentavam LD e dois eram HIV positivos. A glande foi a topografia mais acometida (fig. 1). Quatro pacientes apresentavam úlceras penianas indolores, exceto o paciente número três, que apresentou edema peniano e múltiplas lesões dolorosas no prepúcio, que impossibilitavam a exposição da glande. Após o tratamento, a retração do prepúcio possibilitou a observação das lesões na glande (fig. 2). O paciente número cinco (fig. 3) apresentou uma ulceração no corpo do pênis e outra na bolsa escrotal.

Tabela 1.

Perfil clínico e epidemiológico dos pacientes com LTA com acometimento genital

Paciente 
Idade em anos  41  47  65  43  27 
HIV  −  −  − 
VDRL  −  −  −  −  − 
Número de lesões cutâneas  54  44  55  52 
Presença de lesões mucosas em VADS  Cavidade nasal, orofaringe  Cavidade nasal, nasofaringe  Cavidade nasal, orofaringe e laringe  Orofaringe, nasofaringe e laringe  Cavidade oral 
Tempo de evolução até o diagnóstico  3 meses  4 meses  6 meses  6 meses  9 meses 
Residência(Município)  Rio de Janeiro  Saquarema  Rio de Janeiro  Rio de Janeiro  Rio de Janeiro 
Tratamento  Antimoniato de meglumina  Antimoniato de meglumina  Anfotericina B lipossomal  Anfotericina B lipossomal  Antimoniato de meglumina 
Figura 1.

Presença de ulceração indolor na glande e sulco balanoprepucial dos pacientes número dois (A) e quatro (B).

(0.09MB).
Figura 2.

(A) Paciente número três com múltiplas úlceras dolorosas distribuídas no prepúcio e corpo do pênis; (B) presença de cicatrizes hipercrômicas na glande após tratamento.

(0.06MB).
Figura 3.

Paciente número cinco com lesões ulceradas indolores na bolsa escrotal e corpo do pênis.

(0.06MB).
Discussão

Embora as doenças sexualmente transmissíveis sejam as principais causas de úlceras penianas, outras condições, como eritema pigmentar fixo, dermatoses bolhosas autoimunes, psoríase, doença de Behçet, síndrome de Reiter, pioderma gangrenoso, líquen plano e carcinoma espinocelular também podem causar úlceras genitais.9 As lesões da LTA estão localizadas geralmente em áreas expostas do corpo e o acometimento genital é raramente observado.5–10 As lesões penianas na LTA são usualmente descritas como úlceras indolores com bordas elevadas e evolução insidiosa, porém ulceração necrótica extensa e placas ceratóticas já foram relatadas.5–8,10 Apesar do pequeno número de pacientes em nossa casuística, observamos que os seguintes fatores podem estar associados ao acometimento genital: lesões mucosas em VADS (100%), LD (80%), especialmente nos casos com grande número de lesões cutâneas, e infecção por HIV (40%). O agente etiológico mais provável de nossa casuística foi Leishmania (Viannia) braziliensis, pois todos os pacientes eram habitantes do estado do Rio de Janeiro sem história de viagem recente.1

A LTA deve ser considerada no diagnóstico diferencial de lesões genitais crônicas em pacientes residentes ou viajantes provenientes de áreas endêmicas, principalmente quando associadas a lesões mucosas em VADS e lesões cutâneas múltiplas e polimórficas. Além disso, a presença de lesões genitais pode auxiliar no diagnóstico diferencial de doenças granulomatosas com apresentação clínica similar como a paracoccidioidomicose, histoplasmose e esporotricose disseminada.

Considerações finais

O acometimento genital na LTA ocorre provavelmente por disseminação hemática em pacientes com LD. Portanto, devemos considerar a LTA em pacientes provenientes de áreas endêmicas com úlceras genitais, especialmente na presença de lesões mucosas em VADS e lesões cutâneas múltiplas.

Suporte financeiro

Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI).

Contribuição dos autores

Marcelo Rosandiski Lyra: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Alan Bittencourt da Silva: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito

Cláudia Maria Valete‐Rosalino: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Maria Inês Fernandes Pimentel: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Conflitos de interesse

Nenhum.

Agradecimentos

À contribuição dos médicos Andréa d’Ávila Freitas, Marcelo Luiz Carvalho Gonçalves e Mayara Secco Torres da Silva.

Referências
[1]
Ministério da Saúde.
Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de vigilância da leishmaniose tegumentar.
Ministério da Saúde, (2017),
[2]
L. Anversa, M.G.S. Tiburcio, V.B. Rochini-Pereira, L.E. Ramirez.
Human leishmaniasis in Brazil: A general review.
Rev Assoc Med Bras., 64 (2018), pp. 281-289
[3]
G.U. Machado, F.V. Prates, P.R.L. Machado.
Disseminated leishmaniasis: clinical, pathogenic, and therapeutic aspects.
An Bras Dermatol., 94 (2019), pp. 9-16
[4]
M.E.A. Rosa, P.R.L. Machado.
Disseminated leishmaniasis: clinical, immunological, and therapeutic aspects.
Drug Dev Res., 72 (2011), pp. 437-441
[5]
I. Cabello, A. Caraballo, Y. Millán.
Leishmaniasis in the genital area.
Rev Inst Med Trop São Paulo., 44 (2002), pp. 105-107
[6]
A. Schubach, T. Cuzzi-Maya, C.S. Gonçalves-Costa, C. Pirmez, M.P. Oliveira-Neto.
Leishmaniasis of glans penis.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 10 (1998), pp. 226-228
[7]
R.C. Osório, D. Barbosa, M. Martins, R. Leal, D. Nascimento, E. Fernandes, et al.
Tegumentary leishmaniasis (TL) caused by Leishmania Viannia braziliensis in genital organs.
Gaz Med Bahia., 79 (2009), pp. 91-94
[8]
J.A. Lindoso, R.N. Barbosa, M.P. Posada-Vergara, M.I. Duarte, L.K. Oyafuso, V.S. Amato, et al.
Unusual manifestations of tegumentary leishmaniasis in AIDS patients from the New World.
Br J Dermatol., 160 (2009), pp. 311-318
[9]
Y. Yesilova, E. Turan, H.A. Sürücü, S. Kocarslan, O. Tanrikulu, N. Eroglu.
Ulcerative penile leishmaniasis in a child.
Indian J Dermatol Venereol Leprol., 80 (2014), pp. 247-249
[10]
M. Gülüm, Y. Yeşilova, M. Savaş, H. Çiftçi, E. Yeni, F.Y. Zeyrek.
A case of giant hyperkeratotic cutaneous leishmaniasis in the penis.
Turkiye Parazitol Derg., 37 (2013), pp. 53-54

Como citar este artigo: Lyra MR, Silva AB, Valete‐Rosalino CM, Pimentel MIF. Clinical and epidemiological aspects of American cutaneous leishmaniasis with genital involvement. An Bras Dermatol. 2020;95:641–4.

Trabalho realizado no Laboratório de Pesquisa Clínica e Vigilância em Leishmanioses, Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Baixar PDF
Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.