Compartilhar
Informação da revista
Vol. 96. Núm. 4.
Páginas 429-435 (1 julho 2021)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
8332
Vol. 96. Núm. 4.
Páginas 429-435 (1 julho 2021)
Artigo original
Open Access
Avaliação das vias de atuação do tacrolimus em pomada na prevenção de cicatrizes hipertróficas no modelo de orelhas de coelhos
Visitas
8332
Mariana Campos Souza Menezesa,
Autor para correspondência
marianacamposmn@gmail.com

Autor para correspondência.
, Marcelo Buzelina, Cristiana Buzelin Nunesb,c,d, Luiz Ronaldo Albertia,e
a Instituto de Ensino e Pesquisa, Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil
b Departamento de Anatomia Patológica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
c Instituto de Ciências Biológicas e Saúde, Curso de Medicina, Centro Universitário de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil
d Serviço de Patologia, Instituto Moacyr Junqueira, Belo Horizonte, MG, Brasil
e Departamento de Cirurgia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (4)
Mostrar maisMostrar menos
Tabelas (2)
Tabela 1. Avaliação microscópica das feridas, colorações especiais – critérios utilizados
Tabela 2. Avaliação imuno‐histoquímica das feridas – critérios utilizados
Mostrar maisMostrar menos
Resumo
Fundamentos

O tacrolimus é utilizado na prevenção de cicatrizes inestéticas devido à sua ação sobre a atividade de fibroblastos e modulação da produção de colágeno.

Objetivos

Avaliar as vias de atuação, do ponto de vista histopatológico e no controle de citocinas, do tacrolimus pomada, na prevenção de cicatrizes hipertróficas.

Métodos

Vinte e dois coelhos foram submetidos à excisão de dois fragmentos de 1cm, em cada orelha, incluindo o pericôndrio. A orelha direita recebeu tacrolimus 0,1% na ferida superior e 0,03% na inferior, em pomada, aplicados duas vezes ao dia. A orelha esquerda, controle, recebeu vaselina na mesma posologia. Após 30 dias, foram avaliadas as fibras colágenas nas cicatrizes, realizadas colorações especiais e imuno‐histoquímica para actina, TGF‐β e VEGF.

Resultados

Feridas tratadas com tacrolimus 0,1% apresentaram marcação fraca e menor percentual de marcação para actina de músculo liso, maior proporção de ausência de mucina, coloração fraca, fibras finas e organizadas na coloração pelo tricrômico de Gomori, coloração forte e fibras organizadas na coloração pelo método de Verhoeff, se comparadas ao controle. As feridas tratadas com tacrolimus 0,03% apresentaram marcação fraca para actina de músculo liso, maior proporção de ausência de mucina, coloração forte pelo Verhoeff, se comparadas ao controle.

Limitações do estudo

Análise realizada por patologista único. Microscopia por geração de segundo harmônico realizada em duas áreas amostrais da cicatriz.

Conclusões

Ambas as concentrações do medicamento se mostraram eficazes na supressão do TGF‐β e actina de músculo liso, redução de mucina, melhora da qualidade das fibras colágenas, densidade das fibras elásticas, mas apenas a maior concentração teve efeito na organização das fibras elásticas.

Palavras‐chave:
Cicatriz hipertrófica
Fator de crescimento do endotélio vascular derivado de glândula endócrina
Queloide
Tacrolimo
Texto Completo
Introdução

O mecanismo de cicatrização, independente do agente causal, é sistêmico e dinâmico, e depende das condições do indivíduo envolvido. Caracteriza‐se por um processo de reorganização e reconstituição tecidual, proveniente da interação de eventos bioquímicos, moleculares e celulares.1 Quando um agente causal, injúria, acarreta uma lesão tecidual e expõe componentes da matriz extracelular em contato com elementos sanguíneos, desencadeia todo o processo denominado de cicatrização, culminando na atração de células inflamatórias para o local do comprometimento.2

A presença de mucina na substância amorfa de uma cicatriz geralmente se associa à má qualidade da mesma. Queloides podem apresentar quantidade significativa de mucina; já em cicatrizes hipertróficas, muitas vezes tal substância não é observada.3

O tacrolimus é um imunossupressor, inicialmente sintetizado para uso sistêmico na prevenção de rejeição em transplante de órgãos sólidos, que atua ligando‐se à calmodulina e inibindo a síntese de calcineurina nos linfócitos, basófilos, células dendríticas e eosinófilos.4,5 Dessa maneira, inibe a transcrição de algumas citocinas inflamatórias, como IL‐2, IL‐3, IL‐4, TNF‐alfa, e a ativação de linfócitos T, reduz a população de células dendríticas, que são apresentadoras de antígenos e podem desencadear resposta inflamatória alérgica, reduz mediadores de mastócitos e basófilos (histamina), reduz prurido pela diminuição na produção de substância P e fator de crescimento neuronal.5,6 Apresenta menor absorção cutânea se comparado aos glicocorticoides, o que aumenta sua segurança de uso, em decorrência do menor potencial de efeitos adversos sistêmicos.7,8

Estudo utilizado por via tópica, nas cicatrizes inestéticas, promoveria a apoptose e supressão da atividade de fibroblastos.6

Métodos

O estudo foi realizado de acordo com U.K. Animals (Scientific Procedures) Act, 1986, National Institutes of Health guide for the care and use of Laboratory animals (1978) e Código Brasileiro de Experimentaçao Animal (1988), e foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal de Minas Gerais, protocolo n°74/2016.9–11

Foram utilizados 22 coelhos machos (Oryctolagus cuniculus), da raça Nova Zelândia brancos, de aproximadamente 2 meses de idade, identificados por números. Os animais foram submetidos à excisão de dois fragmentos de 1cm, na superfície ventral de cada orelha, separados 4cm entre si, até a cartilagem, envolvendo o pericôndrio. A orelha direita dos animais recebeu o tacrolimus: 0,1% em pomada na ferida superior e 0,03% em pomada na ferida inferior, aplicados duas vezes ao dia. A orelha esquerda, controle, recebeu a vaselina na mesma posologia do medicamento estudado (fig. 1).

Figura 1.

Feridas em que foram aplicados vaselina e tacrolimus em pomada a 0,1% e 0,03%.

(0.13MB).

No trigésimo dia pós‐operatório, as feridas foram excisadas e preparadas para análise histopatológica em lâminas corados por hematoxilina e eosina, alcian blue, tricrômico de Gomori e Verhoeff, e preparadas para análise imuno‐histoquímica, com os anticorpos actina de músculo liso, TGF‐β e VEGF. Foram avaliadas algumas variáveis (tabelas 1 e 2).

Tabela 1.

Avaliação microscópica das feridas, colorações especiais – critérios utilizados

  Avaliação microscópia das feridas
  Alcian blue  Verhoeff  Tricrômico de Gomori 
Intensidade da coloração0 – Ausente  1 – Fraca  1 – Fraca 
1 – Fraca  2 – Média  2 – Forte 
2 – Forte  3 – Forte   
Orientação das fibras–  1 – Organizadas  1 – Organizadas 
  2 – Desorganizadas  2 – Desorganizadas 
Espessura das fibras–  –  1 – Finas 
    2 – Espessas 
Tabela 2.

Avaliação imuno‐histoquímica das feridas – critérios utilizados

  Avaliação imuno‐histoquímica das feridas
  Actina de músculo  VEGF  TGF‐β 
Percentual da ferida corada  0%‐100%  0%‐100%  0%‐100% 
Intensidade da coloração  1 – Fraca  0 – Ausente  0 – Ausente 
  2 – Média  1 – Fraca  1 – Fraca 
  3 – Forte  2 – Média  2 – Forte 
    3 – Forte  3 – Forte 

Lâminas coradas para hematoxilina e eosina foram enviadas para análise de imagens por microscopia por geração de segundo harmônico e microscopia de fluorescência por geração de dois fótons, para análise de fibras colágenas, a partir de duas áreas quadradas de 500μm, aleatoriamente determinadas.

O programa PyFibre foi utilizado para realizar análises de imagens e cálculos a fim de gerar algumas métricas acerca das fibras colágenas:

Anisotropia global (0‐1): Quando as fibras estão distribuídas aleatoriamente, o valor da anisotropia é igual a 0; quando as fibras estão orientadas na mesma direção, o valor da anisotropia é igual a 1.

Medida de ondulação das fibras (0‐1): Quanto mais ondulada é a fibra, mais próximo de 0 é o valor

Linearidade dos segmentos de fibras (0‐1): Fibra completamente circular igual a 0; fibra completamente linear igual a 1.

Densidade de fibras e células: intensidade da imagem pela área da imagem, tanto para fibras quanto para células.

Em todos os testes foi utilizado um nível de significância de 5%, portanto diferenças são significativas considerando p ≤ 0,05. O software utilizado para as análises foi o SPSS for Windows, versão 20 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

Nenhum animal envolvido no experimento apresentou alterações na pele à ectoscopia ao longo do experimento. Apresentaram boas condições gerais e a recuperação da intervenção cirúrgica foi favorável e espontânea, em ambiente controlado. Dois coelhos morreram na indução anestésica. Os demais animais sobreviveram aos 30 dias de experimento.

As análises microscópicas foram realizadas sem perdas de fragmentos das feridas e as lâminas foram analisadas em microscópio de luz com aumentos de 20× e 40×. Classificações foram realizadas de acordo com a padronização proposta. Considerando as variáveis para colágeno (anisotropia e densidade de fibras), o grupo que utilizou dosagem superior do tacrolimus apresentou média significativamente menor que o grupo que utilizou a dosagem inferior (p = 0,036 e p = 0,027). Feridas tratadas com tacrolimus em sua maior concentração apresentaram maior proporção de marcação fraca para actina de músculo liso e menor percentual de marcação se comparadas ao seu controle (p = 0,005 e p = 0,034). As feridas nas quais foi utilizado o tacrolimus 0,1% apresentam maior proporção de ausência de mucina (p = 0,029), intensidade de marcação fraca, fibras finas e organizadas para tricrômico de Gomori (p = 0,047, p = 0,025 e p = 0,004), intensidade de marcação forte e fibras organizadas para Verhoeff (fig. 2) (p < 0,001 e p < 0,001) se comparadas aos controles. Maior proporção de ausência de mucina (fig. 3) (p = 0,002) e intensidade de marcação mais forte para Verhoeff (p < 0,001) foram observadas nas feridas tratadas com o medicamento na concentração 0,03% se comparadas ao controle.

Figura 2.

(A), Ferida tratada com tacrolimus 0,1% evidenciando marcação forte e fibras elásticas organizadas (Verhoeff, 20×). (B), Ferida controle evidenciando marcação fraca e fibras elásticas desorganizadas (Verhoeff, 20×).

(0.25MB).
Figura 3.

(A), Ferida tratada com tacrolimus 0,03%, ausência de mucina (Alcian blue, 20×). (B), Ferida controle evidenciando presença de mucina em maior quantidade (Alcian blue, 20×).

(0.35MB).

As feridas tratadas com o tacrolimus 0,03% apresentam maior proporção de marcação fraca para actina de músculo liso se comparadas ao controle (fig. 4) (p = 0,026). As feridas tratadas com tacrolimusa 0,1% apresentaram maior proporção de intensidade de marcação forte e fibras organizadas para Verhoeff se comparadas às feridas tratadas com a medicação a 0,03% (p = 0,040 e p = 0,027).

Figura 4.

Imuno‐histoquímica para actina de músculo liso. (A), Ferida tratada com tacrolimus 0,03%, evidenciando marcação fraca (20×). (B), Ferida controle evidenciando marcação forte (20×).

(0.24MB).
Discussão

O tacrolimus em pomada não é um medicamento formalmente indicado para tratamento de cicatrizes queloidianas e hipertróficas, em razão da quantidade insuficiente de estudos com esse propósito.12

As cicatrizes inestéticas geralmente se apresentam um mês após a injúria causadora, e as alterações histológicas, como neovascularização, deposição aumentada de colágeno e fibroblastos, ocorrem na derme, gerando um processo inflamatório crônico, principalmente na derme reticular.13 Injúrias epidérmicas, superficiais, dificilmente culminam em cicatrizes inestéticas, e tais cicatrizes são mais observadas em áreas mais expostas e que sofrem mais tensão.14

A amostragem foi calculada com base em estudos já publicados, usando o mesmo modelo experimental e levando em conta uma perda de 25%, que é a prevista para tal modelo. Por terem sido adotadas medidas baseadas nas normas e leis de proteção em experimentação animal justifica a perda observada no presente estudo ter sido inferior a 10%.15

Em 2007, Mustoe sugeriu o modelo para reprodução de cicatrizes hipertróficas no dorso de orelhas de coelhos e um período de seguimento e observação de aproximadamente 30 dias, período esse adotado em outros experimentos, baseado na premissa de que cicatrizes inestéticas se manifestam, geralmente, um mês após a agressão.16–19 Tal modelo vem sendo utilizado desde então, inclusive para estudo do tacrolimus, mas em formulação intradérmica injetável, com resultados positivos em cicatrizes inestéticas, o que, acrescido à facilidade de acesso e custo da medicação em pomada nas concentrações 0,1% e 0,03%, impulsionou o presente estudo.15

A utilização do tacrolimus culminou em cicatrizes com maior proporção de fibras de colágeno mais finas e organizadas pela coloração de tricrômico de Gomori. As feridas tratadas com tacrolimus 0,1% apresentaram menor valor médio de densidade de fibras colágenas (p = 0,027) e de anisotropia dessas fibras (p = 0,036), se comparadas às tratadas com o tacrolimus 0,03%, o que indica que as fibras colágenas, além de menos densas, estão distribuídas de forma menos paralela nas feridas tratadas com tacrolimus 0,1%. O uso do tacrolimus a 0,1% acarretou maior proporção de marcação fraca para tricrômico de Gomori, com fibras mais finas e organizadas, se comparado ao controle, o em concordância com os achados da microscopia por geração de segundo harmônico e microscopia de fluorescência por geração de dois fótons. Tais resultados estão de acordo com a literatura, pois em cicatrizes inestéticas as fibras de colágeno se dispõem de forma mais paralela se comparadas à pele normal; os feixes de colágeno são mais grossos, espaçados e os fibroblastos produzem colágeno de maneira excessiva, principalmente colágeno tipo III.20 O queloide apresenta uma grande quantidade de colágeno desorganizado e mucopolissacarídeos na matriz extracelular. Na cicatriz hipertrófica, o colágeno se deposita mais nas camadas superficiais da derme reticular; no queloide, o colágeno se estende por toda a derme reticular.21,22

Quando analisados os resultados da imuno‐histoquímica, as feridas da orelha direita, independente da concentração do medicamento, apresentaram maior proporção de marcação fraca para actina de músculo liso e ausente para TGF‐β, (p < 0,001 e p = 0,030, respectivamente) e menor percentual da lâmina marcada para actina de músculo liso (p = 0,008). As feridas tratadas com o tacrolimus 0,1% e 0,03% também apresentaram maior proporção de marcação fraca para actina de músculo liso, quando comparadas aos respectivos controles (p = 0,005 e p = 0,026), e as tratadas com o medicamento em sua maior concentração apresentaram menor percentual da lâmina marcada para actina de músculo liso se comparadas ao seu controle (p = 0,034) – ou seja, o uso da medicação estudada, em ambas as concentrações, provavelmente causou supressão da expressão de TGF‐β e, consequentemente, da actina de músculo liso. Tais achados se justificam pelo fato de cicatrizes hipertróficas e queloidianas apresentarem um desequilíbrio na liberação de fatores de crescimento locais como o TGF‐β, que estimula a produção de matriz extracelular e tem ação fibrogênica.23–25

Os TGF‐β 1 e 2 estimulam o aparecimento de miofibroblastos ricos em alfa actina de músculo liso e exercem um estímulo poderoso à síntese da alfa actina.26 Os miofibroblastos desempenham uma atividade importante na organogênese, reparo, inflamação e fibrose, por meio da secreção de citocinas inflamatórias, quimiocinas, fatores de crescimento e mediadores inflamatórios. Quando presentes em feridas cicatriciais, os miofibroblastos expressam o fenótipo de músculo liso apenas temporariamente. Esse fenótipo persiste em cicatrizes inestéticas, assim como em doenças fibrocontrteis e condições proliferativas neoplásicas.27

Fibroblastos presentes em cicatrizes inestéticas apresentam sensibilidade aumentada e prejuízo na retroalimentação negativa em relação ao TGF‐β, acarretando maior deposição de colágeno.28,29 O uso do medicamento em sua menor concentração resultou em feridas com maior proporção de marcação forte para VEGF, se comparado ao emprego da substância em sua maior concentração; no entanto, não houve diferença entre grupos controle e tratamento.

A citocina em questão é produzida por fibroblastos e tem sua síntese aumentada no queloide.30 Estudo que utilizou o mesmo modelo de orelhas de coelhos evidenciou que atuar sobre a angiogênese de maneira preventiva em relação a excessos é efetivo para evitar cicatrizes inestéticas.31 Disfunção endotelial, com consequente aumento da permeabilidade vascular e acúmulo de células inflamatórias e fatores inflamatórios na área da injúria, promovendo um aumento de atividade dos fibroblastos, favorecem o surgimento de cicatrizes inestéticas.

A angiogênese é estimulada quando se tem tensão na cicatriz. Fatores sistêmicos que promovem vasodilatação predispõem a cicatrizes desfavoráveis, e sabe‐se que várias terapias para cicatrizes patológicas se baseiam em supressão de vasos sanguíneos.32 Os níveis de VEGF são mais elevados em injúrias mais profundas se comparadas às mais rasas e à pele normal.33 Com base no exposto, a medicação em sua maior concentração obteve feridas com menor expressão de VEGF, apesar de estudo anterior com o medicamento ter evidenciando maior concentração de capilares nas feridas tratadas com essa concentração do medicamento.15

Evidências mostram que capilares formados na fase da angiogênese são essenciais para a regeneração tecidual, mas uma exacerbação em tal fase se associa a cicatrizes fibróticas.34,35 O mais provável é que o maior número de capilares nas feridas tratadas com o tacrolimus a 0,1% não representassem angiogênese exacerbada, mas apenas variações no limite da normalidade.

A mucina é pouco vista em cicatrizes hipertróficas, mas muitas vezes é abundante na matriz extracelular de cicatrizes queloideanas.6 A substância, independente da concentração utilizada, mostrou cicatrizes com maior proporção de ausência de marcação para mucina se comparada ao controle (p = 0,001), assim como as duas concentrações, quando analisadas isoladamente, também evidenciaram maior proporção de ausência de marcação para a mucina se comparadas aos respectivos controles (p = 0,029 e p = 0,002), achados que estão de acordo com a literatura, corroborando com a hipótese de que o medicamento atua na constituição da matriz extracelular visando à prevenção das cicatrizes inestéticas.

O uso do tacrolimus, independente da concentração, mostrou acarretar maior proporção de marcação forte para Verhoeff e maior proporção de fibras elásticas mais organizadas nas cicatrizes (p < 0,001 e p < 0,001). O mesmo pode ser observado ao se analisar o emprego do tacrolimus em sua maior concentração comparado ao seu controle (p < 0,001). Já a utilização da substância em sua menor concentração apresentou feridas com maior proporção de marcação forte para Verhoeff sem alteração na organização das fibras, se comparada ao seu controle (p < 0,001) – ou seja, a utilização da substância aumentou a densidade de fibras elásticas, mas atuou sobre a organização das mesmas apenas em sua maior concentração.

Os achados descritos podem ser justificados pelo fato de as fibras elásticas, quando presentes, densas e bem distribuídas, conferirem qualidade à cicatriz e, em muitos casos, mostram‐se ausentes em queloides e presentes, mas em menor quantidade, em cicatrizes hipertróficas.3 Assim, as duas concentrações da substância estudada têm um efeito favorável sobre as fibras elásticas na cicatrização, ainda que, ao se comparar as feridas tratadas com o tacrolimus 0,1% às tratadas com o tacrolimus 0,03%, tenha havido maior proporção de marcação forte e fibras organizadas na coloração de Verhoeff nas primeiras (p = 0,040 e p = 0,027) – ou seja, a substância em sua maior concentração contribuiria mais para a qualidade das fibras elásticas nas cicatrizes.

Uma maior proporção de distribuição do processo cicatricial nas camadas mais superficiais da pele foi observada nas feridas tratadas com o tacrolimus a 0,03% se comparadas a seu controle (p = 0,007); no entanto, essa diferença ocorreu em função do grupo controle. As cicatrizes inestéticas apresentam a maioria de suas alterações histológicas, composição da matriz extracelular e processo inflamatório localizada nas camadas mais profundas da derme.13,36–39 As incisões feitas no experimento em questão foram todas de mesma dimensão e atingindo uma mesma profundidade, tendo assim um mesmo potencial de cicatrização.

Conclusões

O tacrolimus atuou na via do TGF‐β e actina de músculo liso, reduzindo a expressão de ambos nas feridas tratadas. Melhorou a qualidade das cicatrizes a partir da melhora da composição da matriz extracelular, com redução da mucina e ganho na qualidade das fibras colágenas, que se mostraram mais finas e organizadas, e das fibras elásticas, mais densas e organizadas. A concentração de 0,1% mostrou‐se mais efetiva na supressão da actina de músculo liso, resultando em feridas com colágeno menos denso, mais organizado e com fibras mais finas, assim como fibras elásticas mais organizadas. A medicação a 0,03% apresentou cicatrizes com processo inflamatório mais superficialmente distribuído.

O uso do tacrolimus em pomada na prevenção de cicatrizes hipertróficas mostrou ser uma opção promissora, em modelo experimental. Visto não haver efeitos adversos sistêmicos ou locais observados em nenhuma das duas concentrações utilizadas da medicação, e por haver benefícios comprovados, o próximo passo seria estudo em humanos.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Mariana Campos Souza Menezes: Realização do experimento; desenvolvimento da estrutura da pesquisa; análise dos dados; escrita da pesquisa.

Marcelo Buzelin: Realização da imunohistoquímica e desenvolvimento da estrutura da pesquisa.

Cristiana Buzelin Nunes: Desenvolvimento da estrutura da pesquisa; revisão da escrita e análise de dados.

Luiz Ronaldo Alberti: Desenvolvimento da estrutura da pesquisa; revisão da escrita e Análise de dados.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
G.2nd Broughton, J.E. Janis, C.E. Attinger.
Wound healing: an overview.
Plast Reconstr Surg., 117 (2006),
[2]
M.B. Witte, A. Barbul.
General principles of wound healing.
Surg Clin North Am., 77 (1997), pp. 509-528
[3]
C.M. Ferreira, E.A. D’Assumpção.
Hypertrophic scars and keloids.
Rev Soc Bras Cir Plást., 21 (2006), pp. 40-48
[4]
J.J. Fung.
Tacrolimus and transplantation: a decade in review.
Transplantation., 77 (2004), pp. S41-S43
[5]
A.W. Thomson, C.A. Bonham, A. Zeevi.
Mode of action of tacrolimus (FK506): molecular and cellular mechanisms.
Ther Drug Monit., 17 (1995), pp. 584-591
[6]
A. Wollenberg, S. Sharma, D. Von Bubnoff, E. Geiger, J. Heberstok, T. Bieber.
Topical tacrolimus (FK506) leads to profound phenotypical and functional alterations of epidermal antigenpresenting dendritic cells in atopic dermatitis.
J Allergy Clin Immunol., 107 (2001), pp. 519-525
[7]
A. Paller, L.F. Eichenfield, D.Y. Leung, D. Stewart, M. Appell.
A 12‐week study of tacrolimus ointment for the treatment of atopic dermatitis in pediatric patients.
J Am Acad Dermatol., 44 (2001), pp. S47-S57
[8]
N.A. Soter, A.B. Fleischer Jr., G.F. Webster, E. Monroe, I. Lawrence.
Tacrolimus ointment for the treatment of atopic dermatitis in adult patients: part II, safety.
J Am Acad Dermatol., 44 (2001), pp. S39-S46
[9]
N.M. Fonseca, S. Goldenberg, P.O. Gomes, C.A.P. Lima.
Anesthesia in rabbits.
Acta Cir Bras., 2 (1996), pp. 82-104
[10]
Petroianu A. Pesquisa experimental. In: Petroianu A (ed.). ética, Moral e Deontologia Médicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.185‐90.
[11]
C. Hoff.
Immoral and moral uses of animals.
N Engl J Med., 302 (1980), pp. 115-118
[12]
C.W. Foo, P. Tristani-firouzi.
Topical modalities for treatment and prevention of postsurgical hypertrophic scars.
Facial Plast Surg Clin North Am., 19 (2011), pp. 551-557
[13]
R. Ogawa.
Keloid and Hypertrophic Scars Are the Result of Chronic Inflammation in 59 the Reticular Dermis.
Int J Mol Sci., 18 (2017), pp. 606
[14]
R. Ogawa, K. Okai, F. Tokumura, K. Mori, Y. Ohmori, C. Huang, et al.
The relationship between skin stretching/contraction and pathologic scarring: The important role of mechanical forces in keloid generation.
Wound Repair Regen., 20 (2012), pp. 149-157
[15]
M.C.S. Menezes, L.S. Vasconcellos, C.B. Nunes, L.R. Alberti.
Evaluation of the use of tacrolimus ointment for the prevention of hypertrophic scars in experimental model.
An Bras Dermatol., 94 (2019), pp. 164-171
[16]
K. Zhao, S. Singh, J. Singh.
Efeito do menthone na absorção percutânea in‐vitro do tamoxifeno e reversivilidade da pele.
Int J Pharm., 219 (2001), pp. 177-181
[17]
D. Zhao, Y. Wang, C. Du, S. Shan, Y. Zhang, Z. Du, et al.
Honokiol Alleviates Hypertrophic Scar by Targeting Transforming Growth Factor‐β/Smad2/3 Signaling Pathway.
Front Phamarcol., 8 (2017), pp. 206
[18]
E. Sari, B. Bakar, G.C. Dincel, Y.F.A. Budak.
Effects of DMSO on a rabbit ear hypertrophic scar model: A controlled randomized experimental study.
J Plast Reconstr Aesthet Surg., 70 (2017), pp. 509-517
[19]
L.W. Qian, A.B. Fourcaudot, K.P. Leung.
Silver Sulfadiazine Retards Wound Healing and Increases Hypertrophic Scarring in a Rabbit Ear Excisional Wound Model.
J Burn Care Res., 38 (2017), pp. e418-e442
[20]
F. Syed, E. Ahmadi, S.A. Iqbal, S. Singh, D.A. Mcgrouther, A. Bayat.
Fibro‐ blasts from the growing margin of keloid scars produce higher levels of collagen I and III compared with intralesional and extralesional sites: clinical implications for lesional site‐directed therapy.
Br J Dermatol., 164 (2011), pp. 83-96
[21]
D. Wolfram, A. Tzankov, P. Pülzl, H. Piza-Katzer.
Hypertrophic scars and keloids – a review of their pathophysiology, risk factors, and therapeutic management.
Dermatol Surg., 35 (2009), pp. 171-181
[22]
G.G. Gauglitz, T. Pavicic.
Emerging strategies for the prevention and therapy of excessive scars.
MMW Fortschr Med., 154 (2012), pp. 55-58
[23]
Z. Wang, K.D. Fong, T.T. Phan, I.J. Lim, M.T. Longaker, G.P. Yang.
Increased transcriptional response to mechanical strain in keloid fibroblasts due to increased focal adhesion complex formation.
J Cell Physiol., 206 (2006), pp. 510-517
[24]
R.A. Clark, G.A. Mccoy, J.M. Folkvord, J.M. Mcpherson.
TGF‐beta 1 stimulates cultured human fibroblasts to proliferate and produce tissue‐like fibroplasia: a fibronectin matrix‐ dependent event.
[25]
A.B. Campaner, L.M. Ferreira, A. Gragnani, J.M. Bruder, J.L. Cusick, J.R. Morgan.
Upregulation of TGF‐beta1 expression may be necessary but is not sufficient for excessive scarring.
J Invest Dermatol., 126 (2006), pp. 1168-1176
[26]
V. Bretscher, D. Andreutti, P. Neuville, M. Martin, F. Martin, O. Lefebvre, et al.
GM‐CSF expression by tumor cells correlates with aggressivity and with stroma reaction formation.
J Submicrosc Cytol Pathol., 32 (2000), pp. 525-533
[27]
P.A. Galie, J.P. Stegemann.
Injection of mesenchymal stromal cells into a mechanically stimulated in vitro model of cardiac fibrosis has paracrine effects on resident fibroblasts.
Cytotherapy., 16 (2014), pp. 906-914
[28]
F.B. Niessen, P.H. Spauwen, J. Schalkwijk, M. Kon.
On the nature of hypertrophic scars and keloids: a review.
Plast Reconstr Surg., 104 (1999), pp. 1435-1458
[29]
O. Köse, A. Waseem.
Keloids and hypertrophic scars: are they two different sides of the same coin.
Dermatol Surg., 34 (2008), pp. 336-346
[30]
G. Giugliano, D. Pasquali, A. Notaro, S. Brongo, G. Nicoletti, F. D’Andrea, et al.
Verapamil inhibits interleukin‐6 and vascular endothelial growth factor production in primary cultures of keloid fibroblasts.
Br J Plast Surg., 56 (2003), pp. 804-809
[31]
D.H. Kwak, T.H. Bae, W.S. Kim, H.K. Kim.
Anti‐Vascular Endothelial Growth Factor (Bevacizumab) Therapy Reduces Hypertrophic Scar Formation in a Rabbit Ear Wounding Model.
Arch Plast Surg., 43 (2016), pp. 491-497
[32]
R. Ogawa, S. Akaishi.
Endothelial dysfunction may play a key role in keloid and hypertrophic scar pathogenesis‐Keloids and hypertrophic scars may be vascular disorders.
Med Hypotheses., 96 (2016), pp. 51-60
[33]
K.Q. Zhu, L.H. Engrav, R. Armendariz, P. Muangman, M.B. Klein, G.J. Carrougher, et al.
Changes in VEGF and nitric oxide after deep dermal injury in the female, red Duroc pig‐further similarities between female, Duroc scar and human hyper‐ trophic scar.
[34]
R. Kalluri, V.P. Sukhatme.
Fibrosis and angiogenesis.
Curr Opin Nephrol Hypertens., 9 (2000), pp. 413-418
[35]
T.A. Wynn.
Common and unique mechanisms regulate fibrosis in various fibroproliferative diseases.
J Clin Invest., 117 (2007), pp. 524-529
[36]
M.F. Moustafa, M.A. Abdel-fattah, D.C. Abdel-fattah.
Presumptive evidence of the effect of pregnancy estrogens on keloid growth.
Case report. Plast Reconstr Surg., 56 (1975), pp. 450-453
[37]
M.E. Mendelsohn, R.H. Karas.
Estrogen and the blood vessel wall.
Curr Opin Cardiol., 9 (1994), pp. 619-626
[38]
J. Arima, C. Huang, B. Rosner, S. Akaishi, R. Ogawa.
Hypertension: A systemic key to understanding local keloid severity.
Wound Repair Regen., 23 (2015), pp. 213-221
[39]
S. Akaishi, M. Akimoto, H. Hyakusoku, R. Ogawa.
The tensile reduction effects of silicone gel sheeting.
Plast Reconstr Surg., 126 (2010), pp. 109e-111e

Como citar este artigo: Menezes MCS, Buzelin M, Nunes CB, Alberti LR. Tacrolimus action pathways in an ointment base for hypertrophicscar prevention in a rabbit ear model. An Bras Dermatol. 2021;96:429–35.

Trabalho realizado no Biotério da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Copyright © 2021. Sociedade Brasileira de Dermatologia
Baixar PDF
Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.