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Vol. 98. Núm. 1.
Páginas 59-67 (1 janeiro 2023)
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Vol. 98. Núm. 1.
Páginas 59-67 (1 janeiro 2023)
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Doença sistêmica na vasculite leucocitoclástica: foco nos achados de imunofluorescência direta
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Sümeyre Seda Ertekinb,
Autor para correspondência
sertekin@ku.edu.tr

Autor para correspondência.
, Ayşe Esra Koku Aksua, Cem Leblebicic, Vefa Aslı Erdemird, Ozan Erdeme, Elif Bal Avcıa, Mehmet Salih Güreld
a Departamento de Dermatologia, Istanbul Training and Research Hospital, Health Science University, Istambul, Turquia
b Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Koç University, Istambul, Turquia
c Departamento de Patologia, Istanbul Training and Research Hospital, Health Science University, Istambul, Turquia
d Departamento de Dermatologia, Göztepe Training and Research Hospital, Istanbul Medeniyet University, Istambul, Turquia
e Departamento de Dermatologia, Başakşehir Çam and Sakura City Hospital, Health Science University, Istambul, Turquia
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Resumo
Fundamentos

Painéis de imunofluorescência direta (IFD) geralmente são solicitados para vasculite cutânea clinicamente suspeita, mas sua taxa de positividade é variável e seu significado prognóstico não é claro até o momento.

Objetivo

O estudo visa investigar a taxa de envolvimento sistêmico em pacientes com vasculite leucocitoclástica (VLC) e as possíveis associações clínicas e laboratoriais com envolvimento sistêmico, incluindo achados de IFD.

Métodos

Foi realizado um estudo retrospectivo de pacientes com VLC cutânea comprovada histopatologicamente atendidos no Departamento de Dermatologia entre 2013 e 2017.

Resultados

Dos 81 pacientes (média de idade de 50,6 anos), 42 (52%) eram do sexo masculino. O tempo médio entre o aparecimento das lesões cutâneas e a biópsia foi de 23,1 dias, variando de 2 a 180 dias. A IFD apresentou positividade geral de 90,1%; C3 foi o imunorreagente mais frequente (82,7%). Algum tipo de envolvimento extracutâneo estava presente em 47 (58%) dos pacientes; o renal foi o mais frequente (53,1%), seguido do articular (18,5%) e gastrintestinal (11,1%). A presença de doença renal foi associada à detecção de IgG (p=0,017) e à ausência de IgM (p=0,032) na lesão da pele. Houve associação significante entre deposição de C3 e acometimento articular (p=0,05).

Limitações do estudo

Este é um estudo de centro único com desenho retrospectivo.

Conclusão

A IFD parece ser ferramenta diagnóstica auxiliar útil na avaliação das vasculites cutâneas, mas a relação entre os achados da IFD e o envolvimento sistêmico precisa ser mais bem elucidada em decorrência dos dados contraditórios da literatura atual.

Palavras‐chave:
Imunoglobulina G
Imunoglobulina M
Técnica direta de fluorescência para anticorpo
Vasculite leucocitoclástica cutânea
Vasculite sistêmica
Texto Completo
Introdução

Vasculite leucocitoclástica (VLC) é termo histopatológico que define vasculite de pequenos vasos na qual o infiltrado inflamatório perivascular é composto por neutrófilos.1 Esse termo é normalmente utilizado para vasculite predominantemente cutânea, que mais comumente se apresenta com púrpura palpável ou não palpável nas extremidades inferiores. A VLC geralmente é de natureza idiopática, mas pode estar associada a algumas condições subjacentes, como infecções, exposição a certos medicamentos, doenças do tecido conjuntivo ou neoplasias.2 A VLC pode estar limitada à pele, mas o envolvimento extracutâneo (renal, gastrintestinal, articular etc.) não é raro e foi relatado como presente em 12,5% a 57% dos pacientes com VLC em diferentes estudos.3‐9

A VLC é frequentemente mediada pela deposição de imunocomplexos nas paredes das vênulas pós‐capilares e pela ativação do sistema complemento, o que resulta no recrutamento de neutrófilos e, finalmente, na destruição da parede do vaso.10 Em razão dessa natureza imunológica de sua fisiopatologia, a VLC tem sido objeto de estudos de imunofluorescência direta (IFD) por muitos anos, e sua realização é recomendada, sempre que possível para sua comprovação diagnóstica.11 A IFD pode auxiliar na determinação de alguns subtipos específicos da VLC (p. ex., vasculite por IgA) e na identificação das possíveis etiologias subjacentes.6,12,13 Além disso, recentemente, alguns estudos tentaram determinar seu possível significado prognóstico na VLC, ao relacionar os resultados da IFD com o envolvimento sistêmico específico. A presença de deposição de IgM nas paredes dos vasos foi associada ao envolvimento renal em alguns estudos,14,15 mas esse achado não foi confirmado por outros estudos.6,7,16–18 O papel prognóstico dos estudos de IFD na VLC ainda é controverso e atualmente carece de especificidade.19

O objetivo do presente estudo foi avaliar a potencial associação entre os resultados de IFD cutânea e o envolvimento extracutâneo em pacientes adultos com VLC.

MétodosSeleção dos pacientes

Foi realizada revisão retrospectiva de pacientes adultos (idade ≥ 16) com VLC cutânea histopatologicamente comprovada examinados no Departamento de Dermatologia entre 2013 e 2017. O diagnóstico histopatológico de VLC foi realizado com base na presença de dois dos três critérios seguintes: (1) necrose fibrinoide, (2) infiltrado neutrofílico perivascular, (3) ruptura e/ou destruição das paredes dos vasos pelo infiltrado inflamatório.12 Todos os pacientes foram submetidos à análise de IFD concomitante, uma vez que o exame de IFD é realizado rotineiramente na clínica para todos os casos com suspeita de vasculite cutânea desde o início de 2013. Todos os pacientes realizaram hemograma completo (HC), nível de creatinina sérica e urina tipo I no momento de sua primeira hospitalização.

Investigações clínicas e laboratoriais

Os dados médicos extraídos dos prontuários dos pacientes incluíram distribuição das lesões, gravidade das lesões, etiologias suspeitas, duração da erupção cutânea, presença ou ausência de qualquer tipo de envolvimento sistêmico, achados laboratoriais e laudos histopatológicos (incluindo achados da IFD). A apresentação grave foi definida como presença de vesículas, bolhas, úlceras e/ou necrose cutânea acompanhadas de lesões purpúricas palpáveis/não palpáveis.

Os critérios utilizados para envolvimento sistêmico foram semelhantes aos usados em estudos anteriores.14–16 O envolvimento renal foi determinado por proteinúria, hematúria microscópica ou macroscópica, elevação da creatinina acima da linha de base e/ou envolvimento renal confirmado por histopatologia. Os pacientes foram considerados como tendo envolvimento do trato gastrintestinal (GI) na presença de dor abdominal tipo cólica, hematoquezia e/ou teste de sangue oculto nas fezes (FOBT, do inglês Fecal Occult Blood Test) positivo. A existência de artrite ou artralgia foi avaliada como envolvimento articular apenas se o início fosse recente e se não houvesse uma explicação alternativa.

As informações referentes aos seguintes exames laboratoriais foram registradas, sempre que disponíveis: determinação sorológica para vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus da hepatite B (VHB), vírus da hepatite C (VHC); velocidade de hemossedimentação (VHS); estudo de complemento (C3, C4); determinações de fator reumatoide, anticorpo antinuclear (ANA), anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCA), crioglobulinas e teste de sangue oculto fecal (FOBT).

Análises estatísticas

As análises estatísticas foram realizadas com o software IBM SPSS Statistics, versão 24.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os dados das variáveis qualitativas foram apresentados como número (porcentagem) e os dados das variáveis quantitativas como média±desvio padrão ou mediana (mínimo‐máximo), como apropriado. O teste Qui‐Quadrado de Pearson foi realizado para comparação das variáveis categóricas; o valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

ResultadosCaracterísticas demográficas e clínicas dos pacientes

De 2013 a 2017, 81 indivíduos consecutivos (39 mulheres, 42 homens) foram diagnosticados com VLC por meio da histopatologia no hospital, e a IFD foi realizada em todos esses pacientes. As características demográficas e clínicas da população estão resumidas na tabela 1. A idade dos pacientes variou de 16 a 90 anos, com média de 50,6 anos. A duração média da erupção desde o início relatado até o momento da biópsia foi de 23,1 dias (intervalo de 2 a 180 dias). O local mais comum foi a extremidade inferior, com envolvimento em todos os pacientes (n=81, 100%). Trinta e sete (45,7%) dos casos apresentavam lesões acima da cintura, distribuídas nas extremidades superiores (n=32; 39,5%), tronco (n=22; 27,2%) e cabeça e pescoço (n=2; 2,5%). Enquanto a maioria dos pacientes apresentava petéquias, púrpura ou máculas, 35 (43,2%) pacientes apresentavam acometimento cutâneo grave na forma de bolhas, úlceras e/ou necrose.

Tabela 1.

Achados demográficos e clínicos dos pacientes

Características  Pacientes (n=81) n (%) 
Idade, média±DP; mediana (mín‐máx), anos  50,6±20,3; 52 (16‐90) 
Sexo
Feminino  39 (48,1) 
Masculino  42 (51,8) 
Tempo da erupção até a biópsia, média±DP; mediana (mín‐máx), dias  23,1±34,4; 10 (2‐180) 
Sítio de envolvimentoa
Cabeça e pescoço  2 (2,5) 
Tronco  22 (27,2) 
Extremidades superiores  32 (39,5) 
Braço  29 (35,8) 
Mão  22 (27,2) 
Extremidades inferiores  81 (100) 
Coxa  40 (49,4) 
Perna  81 (100) 
Pé  76 (93,8) 
Lesões cutâneas acima da cintura  37 (45,7) 
Envolvimento cutâneo grave (bolhas, úlcera, necrose)  35 (43,2) 
Etiologias suspeitadas   
Idiopática  48 (59,3) 
Infecção+uso de antibiótico concomitantes  13 (16) 
Infecção  9 (11,1) 
Neoplasias  6 (7,4) 
Exposição a medicamentos  5 (6,2) 
Envolvimento sistêmico, qualquer um  47 (58) 
Renal  43 (53,1) 
Articular  15 (18,5) 
Gastrointestinal  9 (11,1) 
Nervo periférico  1 (1,2) 
a

A porcentagem total pode exceder 100% em razão do envolvimento múltiplo.

A causa básica mais comum foi infecção e uso de antibiótico sistêmico concomitantes (16%), seguido de infecção (11,1%), neoplasias (7,4%) e exposição a medicamentos (6,2%). Não foi possível identificar associação etiológica ou fatores predisponentes em 48 (56,3%) pacientes classificados como apresentando VLC idiopática.

Algum tipo de envolvimento extracutâneo estava presente em 47 (58,0%) pacientes. O acometimento articular foi observado em 15 pacientes (18,5%), renal em 43 (53,1%) e gastrintestinal em nove (11,1%). Apenas um paciente (1,2%) apresentou envolvimento neurológico na forma de neuropatia periférica.

Achados laboratoriais e de imunofluorescência

A alteração laboratorial mais comum foi VHS elevada, observada em 45 dos 64 pacientes (70,3%). Leucocitose (GB> 11,0×109/L) foi detectada apenas em 24,7% dos pacientes. Os achados laboratoriais e de imunofluorescência estão resumidos na tabela 2. Envolvimento renal foi detectado como proteinúria em 31 dos 81 pacientes (38,3%) e hematúria microscópica ou macroscópica em 42 pacientes (51,9%). Em 30 casos (37%), proteinúria e hematúria foram detectadas conjuntamente. Apenas 11 pacientes (13,6%) apresentaram elevação da creatinina sérica acima da linha basal. Os pacientes com acometimento renal foram encaminhados à nefrologia para seguimento. O envolvimento do trato GI foi detectado como positividade para FOBT em seis de 57 pacientes (10,5%).

Tabela 2.

Dados laboratoriais e características da imunofluorescência direta das lesões cutâneas dos pacientes

Características  Pacientes n/total (%) 
VHS elevada  45/64 (70,3) 
Alteração leucocitária (leucocitose)  20/81 (24,7) 
Disfunção renal  43/81 (53,1) 
Proteinúria  31/81 (38,3) 
Hematúria  42/81 (51,9) 
Hematúria+proteinúria  30/81 (37) 
Elevação da creatinina sérica acima da linha basal  11/81 (13,6) 
Teste positivo de sangue oculto nas fezes  6/57 (10,5) 
ANA positivo  4/50 (8) 
Nível de C3/C4 baixo  4/45 (8,9) 
Fator reumatoide positivo  3/35 (8,6) 
ANCA positivo  1/41 (2,4) 
Crioglobulinemia  2/32 (6,3) 
HIV (+)  1/44 (2,3) 
Hepatite B (+)  1/46 (2,2) 
Hepatite C (+)  0/46 (0) 
Imunorreagente positivo, qualquer um  73/81 (90,1) 
IgA  35/81 (43,2) 
IgG  18/81 (22,2) 
IgM  19/81 (23,5) 
C3  67/81 (82,7) 
Fibrinogênio  59/81 (72,8) 

VHS, velocidade de hemossedimentação; GB, glóbulos brancos; C, complemento, ANA, anticorpo antinuclear; ANCA, anticorpos anticitoplasma de neutrófilos; HIV, vírus da imunodeficiência humana; Ig, imunoglobulina.

A IFD foi positiva em 73 pacientes (90,1%); o C3 foi o imunorreagente mais comumente depositado na parede dos vasos sanguíneos (82,7%), seguido do fibrinogênio (72,8%), IgA (43,2%), IgM (23,5%) e IgG (22,2%). A tabela 3 mostra a relação da positividade da IFD com a duração da erupção desde o início relatado até o momento da biópsia. Embora estatisticamente não significante, a taxa de positividade da IFD foi maior nas biópsias realizadas em até sete dias (95,8%), em comparação às biópsias realizadas entre 7‐28 dias (89,5%) e após 28 dias (84,2%) (p=0,440).

Tabela 3.

Relação entre o tempo até a biópsia e positividade da imunofluorescência direta

Tempo até a biópsia  Positividade da IFDp‐valor 
  Sim, n (%)  Não, n (%)   
<7 dias  23 (95,8%)  1 (4,2%)  0,440 
7‐28 dias  34 (89,5%)  4 (10,5%)   
> 28 dias  16 (84,2%)  3 (15,8%)   
Associação entre alguns parâmetros clínicos, laboratoriais e de imunofluorescência e envolvimento sistêmico

A presença de lesões acima da cintura (membros superiores, tronco, face) foi associada ao acometimento renal (p=0,017) e gastrintestinal (p=0,04), mas não ao acometimento articular. O envolvimento cutâneo grave na forma de bolhas, úlceras e/ou necrose não foi preditor significativo de doença renal, gastrintestinal ou articular. Não foi encontrada relação entre a presença de um fator etiológico (infecção, exposição a medicamento e/ou neoplasia maligna) e algum tipo de envolvimento sistêmico (tabela 4).

Tabela 4.

Associação entre parâmetros clínicos, laboratoriais e de imunofluorescência e envolvimento sistêmico

Características  Envolvimento renalp‐valor  Envolvimento articularp‐valor  Envolvimento do SGIp‐valor 
  Não(n=38)  Sim(n=43)    Não(n=66)  Sim(n=15)    Não(n=72)  Sim(n=9)   
Lesões acima da cintura  12 (31,6)  25 (58,1)  0,017  28 (42,4)  9 (60)  0,217  30 (41,7)  7 (77,8)  0,040 
Envolvimento cutâneo grave (bolhas, úlcera, necrose)  13 (34,2)  22 (51,2)  0,124  29 (43,9)  6 (40)  0,781  30 (41,7)  5 (55,6)  0,428 
Presença de fator etiológico  17 (44,7)  17 (39,5)  0,638  26 (39,4)  8 (53,3)  0,323  30 (41,7)  4 (44,4)  0,874 
Alteração da VHS (n=64)  19/31 (61,3)  25/33 (75,8)  0,212  33/52 (63,5)  11/12 (91,7)  0,057  38/56 (67,9)  6/8 (75)  0,683 
Alteração leucocitária (leucocitose)  6 (15,8)  14 (32,6)  0,081  15 (22,7)  5 (33,3)  0,390  17 (23,6)  3 (33,3)  0,524 
İmunorreagente positivo, qualquer uma  35 (92,1)  38 (88,4)  0,574  58 (87,9)  15 (100)  0,340  67 (93,1)  6 (66,7)  0,041 
IgA  16 (42,1)  19 (44,2)  0,850  29 (43,9)  6 (40)  0,781  33 (45,8)  2 (22,2)  0,178 
IgG  4 (10,5)  14 (32,6)  0,017  12 (18,2)  6 (40)  0,067  17 (23,6)  1 (11,1)  0,395 
IgM  13 (34,2)  6 (14)  0,032  16 (24,2)  3 (20)  0,726  18 (25)  1 (11,1)  0,354 
C3  32 (84,2)  35 (81,4)  0,738  52 (78,8)  15 (100)  0,050  61 (84,7)  6 (66,7)  0,182 
Fibrinogênio  30 (78,9)  29 (67,4)  0,245  47 (71,2)  12 (80)  0,490  53 (73,6)  6 (66,7)  0,659 

SGI, sistema gastrintestinal; VHS, velocidade de hemossedimentação; GB, glóbulos brancos; C, complemento; Ig, imunoglobulina.

a

A porcentagem total pode exceder 100% devido à positividade múltipla.

Não houve relação entre alteração de VHS ou leucocitose e algum tipo de envolvimento sistêmico.

A presença de doença renal foi associada à detecção de IgG (p=0,017), e à ausência de IgM na pele lesionada (p=0,032). Houve associação significante entre deposição de C3 e acometimento articular (p=0,05). Além dessas, não houve outras associações entre a presença ou ausência de qualquer imunorreagente e envolvimento sistêmico (tabela 4).

Discussão

A avaliação do paciente com lesões cutâneas suspeitas de vasculite deve incluir anamnese detalhada e exame físico com alguns exames laboratoriais específicos para não perder a oportunidade de detectar potencial envolvimento sistêmico. A abordagem do tratamento e os cronogramas de seguimento variam dependendo se há envolvimento sistêmico ou não. O presente estudo buscou avaliar retrospectivamente a taxa de envolvimento sistêmico em pacientes com VLC e possíveis associações clínicas e laboratoriais com o envolvimento sistêmico, incluindo achados de IFD.

O envolvimento sistêmico foi documentado em 58% de todos os casos de VLC no presente estudo, que está na faixa superior de relatos anteriores: de 12,5% a 57%, dependendo do desenho do estudo e dos critérios de inclusão dos pacientes.4,6–9 O envolvimento articular é geralmente relatado como o local mais frequentemente afetado, seguido pelo envolvimento renal e gastrintestinal.8,9 Entretanto, o envolvimento renal foi o envolvimento sistêmico mais frequente no presente estudo. As taxas de envolvimento renal relativamente mais baixas em alguns outros estudos podem ser explicadas pelos critérios rigorosos que foram utilizados para definir o envolvimento renal, como a necessidade de nefropatia comprovada histopatologicamente.6

Na maioria dos centros, a análise de IFD é realizada rotineiramente em casos clinicamente suspeitos de vasculite cutânea. A vasculite de pequenos vasos da pele é mediada pela deposição de imunocomplexos nas vênulas pós‐capilares. Antígenos circulantes em decorrência da exposição a medicamentos, agentes infecciosos, doença do tecido conjuntivo ou neoplasia ligam‐se a anticorpos, formando imunocomplexos que podem ser detectados por imunofluorescência direta.20 A taxa geral de positividade de IFD em casos de VLC varia na literatura de 39% a 97%.17,21–24 No presente estudo, resultado positivo de IFD foi encontrado para pelo menos uma das imunoglobulinas e/ou complemento e/ou fibrinogênio em 90,1% dos casos, compatível com os relatos anteriores. O imunorreagente positivo mais comum foi C3, e a imunoglobulina positiva mais comum foi a IgA. Em relação ao padrão de positividade, os achados do presente estudo estão de acordo com a literatura atual, onde C3 é o imunorreagente mais comum em quase todos os estudos.6,17,22,25,26 Embora a razão exata para esse achado não seja conhecida, pode‐se supor que esteja relacionado ao momento da biópsia de pele, pois as imunoglobulinas tendem a desaparecer mais rapidamente em comparação com o complemento, e sabe‐se que C3 é depositado em lesões de vasculite relativamente tardias.9,27

Para uma avaliação ideal das amostras de IFD, aconselha‐se a escolha de uma lesão mais recente, com aparecimento entre 8 horas e 24 horas, para biópsia. Demonstrou‐se que as taxas de positividade de IFD caem de maneira preocupante em lesões mais antigas, especialmente se tiverem aparecido há mais de uma semana. Em um estudo de Nandeesh et al., a taxa de positividade da IFD foi de 85% se a biópsia tivesse sido realizada em uma semana após o início dos sintomas, enquanto foi de apenas 14% se tivesse sido realizada após uma semana.22 No presente estudo, a taxa de positividade de IFD era maior se as amostras tivessem sido coletadas no início da doença (95,8% para <7 dias vs. 84,2% para> 28 dias); entretanto, a diferença não foi tão óbvia quanto no relato de Nandeesh et al. Mas esses resultados devem ser interpretados com cautela, pois no relato de Nandeesh et al., assim como no presente estudo, não foi possível detectar a idade exata de cada lesão individual que foi biopsiada, em razão do desenho retrospectivo de ambos os estudos. Em vez disso, o tempo desde o aparecimento da primeira lesão até o momento da biópsia foi incluído nas análises. Na clínica onde o presente estudo foi realizado, há uma tendência de encontrar lesão cutânea individual recente para biópsia, mesmo no cenário de curso mais longo da doença. Os autores acreditam que os resultados do presente estudo são interessantes, pois mostraram que, mesmo que a erupção cutânea vasculítica esteja presente por um período mais longo, a IFD ainda pode ser positiva e diagnóstica, principalmente se for possível encontrar lesão de aspecto mais recente para a biópsia.

As causas etiológicas mais frequentes de VLC são infecções, exposição a medicamentos, neoplasias e doenças do tecido conjuntivo, enquanto quase metade dos casos são idiopáticos, nos quais nenhuma causa etiológica pode ser determinada.28–30 Consistente com os relatos anteriores, no presente estudo, os casos idiopáticos ficaram no topo, com 59,3%, e infecções e uso de antibióticos concomitantes ficaram em segundo lugar, com 16%.

Os autores investigaram se algumas características clínicas poderiam ser uma pista para o envolvimento sistêmico em pacientes com VLC. Em alguns relatos anteriores, a apresentação de lesões vasculíticas cutâneas acima da cintura apontava para envolvimento renal ou gastrintestinal em pacientes com púrpura de Henoch‐Schönlein (PHS).20,27,31 O envolvimento cutâneo grave com lesões vesiculobolhosas foi considerado indicativo de envolvimento sistêmico em alguns relatos, mas essa correlação não pode ser validada em outros.14,28,32 No presente estudo, a presença de lesões acima da cintura foi associada de maneira significante com envolvimento renal e gastrintestinal, enfatizando assim a importância de um exame clínico detalhado. Entretanto, o envolvimento cutâneo grave (na forma de bolhas, úlceras e/ou necrose) não foi associado ao envolvimento sistêmico. Em outras palavras, no presente estudo, o envolvimento sistêmico não estava relacionado à gravidade ou tipo de lesão cutânea, mas à sua localização.

Para pacientes diagnosticados com VLC, quaisquer alterações laboratoriais que possam indicar envolvimento sistêmico são importantes. Na literatura, VHS alta foi relatada como o achado laboratorial mais frequentemente observado em pacientes com VLC.4,26,28 Em alguns desses estudos, VHS alta foi associada ao envolvimento sistêmico, enquanto nenhuma relação foi encontrada em outros estudos. Do mesmo modo, VHS elevada foi a alteração laboratorial mais comum no presente estudo, presente em 70,3% dos pacientes, e nem ela nem a leucocitose se relacionaram com acometimento sistêmico.

Vários estudos tentaram correlacionar os achados de IFD com doença sistêmica em pacientes com vasculite cutânea. Os achados dos estudos anteriores que relacionaram os achados de IFD na VLC estão resumidos na tabela 5.6,7,9,17,23,26 A presença de IgA na pele lesional de pacientes com VLC foi associada ao envolvimento renal em duas diferentes série de casos. 7,17 Entretanto, Takatu et al. não puderam revalidar esse achado, mas, em vez disso, descobriram que a deposição de C3 na parede do vaso sanguíneo estava relacionada ao envolvimento renal.6 Em alguns outros relatos, nenhuma associação foi encontrada entre qualquer envolvimento extracutâneo e resultados de IFD.9,26 No presente estudo, a presença de IgG na pele lesionada foi associada ao envolvimento renal e à presença de C3 ao envolvimento articular. Além disso, a ausência de IgM foi associada ao envolvimento renal. Ao contrário dos resultados do presente estudo, em alguns estudos que incluíram apenas pacientes com PHS, os autores concluíram que havia correlação positiva entre a deposição de IgM e o envolvimento renal.14,15

Tabela 5.

Achados de estudos anteriores sobre a associação entre os achados de imunofluorescência direta (IFD) e o envolvimento sistêmico em pacientes com vasculite leucocitoclástica (VLC)

  Número de pacientes incluídos  Taxa de envolvimento sistêmico (qualquer tipo)  Taxa de envolvimento renal  Taxa de envolvimento gastrointestinal  Taxa de envolvimento articular  Taxa de positividade na IFD  Imunorreagente positivo mais comum no exame de IFD  Correlação dos achados de IFD com envolvimento sistêmico 
Sais G et al., 199826  160  20%* (*Além do envolvimento articular)  N/D  N/D  N/D  84,3%  C3, seguido por IgA  Não foi encontrada correlação entre IFD e envolvimento sistêmico 
Barnadas MA et al., 200417  50  N/D  50%  N/D  N/D  92%  C3, seguido por IgA  A deposição de IgA foi relacionada ao envolvimento renal 
Alalwani M et al., 20147  88  50,9%  21,7%  15,1%  34,9%  70,5%  IgA foi a imunoglobulina mais comum (sem informações sobre C3)  A deposição de IgA foi relacionada ao envolvimento renal e gastrintestinal 
Takatu CM et al., 20166  282  12,5%  N/D  N/D  N/D  70,2%  C3, seguido por IgA  A deposição de C3 foi relacionada à hematúria e envolvimento renal 
Gülseren D et al., 20209  68  N/D  52%  28%  57%  53%  C3, seguido por IgA  Não foi encontrada associação entre os resultados de IFD e envolvimento extracutâneo 
Lath K et al., 201823  198  29,4%  N/D  10%  18,8%  60%  IgA, seguido por C3  N/D 
Presente estudo, 2021  81  58%  53,1%  11,1%  18,5%  90,1%  C3, seguido por IgA  A deposição de IgG foi associada ao envolvimento renal 
                Ausência de deposição de IgM foi associada com envolvimento renal 
                A deposição de C3 foi associada ao envolvimento articular 

N/D, não disponível: é usado quando informações relacionadas não foram encontradas no estudo.

As limitações do presente estudo incluem o fato de ser um estudo de centro único com tamanho de amostra relativamente pequeno, embora comparável a outros estudos relacionados ao uso de IFD em VLC. Em razão do desenho retrospectivo do estudo, nem todos os pacientes foram submetidos exatamente à mesma investigação, o que pode levar a superestimação de casos idiopáticos na presente série. Outra limitação importante é a falta de informações de seguimento em longo prazo dos pacientes com acometimento sistêmico, de modo que seu prognóstico permanece desconhecido.

Conclusão

A IFD parece ser ferramenta diagnóstica auxiliar útil na avaliação da vasculite cutânea, positiva em mais de 90% de todos os pacientes. O envolvimento sistêmico não foi raro e foi detectado em 58% dos pacientes. A deposição de IgG e ausência de IgM foram associadas ao envolvimento renal, enquanto a deposição de C3 foi associada ao envolvimento articular. À luz dos resultados do presente estudo e dos dados contraditórios da literatura, acredita‐se que a potencial relação entre os achados de IFD e o envolvimento sistêmico precisa ser mais bem elucidada, pois diferenças nos resultados podem gerar interpretações discordantes. A distribuição das lesões cutâneas acima da cintura foi um indicador confiável de doença renal e gastrintestinal em adultos com VLC, enfatizando assim a importância de um exame clínico minucioso.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Sümeyre Seda Ertekin: Concepção e planejamento do estudo; obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Ayşe Esra Koku Aksu: Concepção e planejamento do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.

Cem Leblebici: Concepção e planejamento do estudo; obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.

Vefa Aslı Erdemir: Redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.

Ozan Erdem: Obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Elif Bal Avcı: Obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Mehmet Salih Gürel: Concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

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Como citar este artigo: Ertekin SS, Aksu AE, Leblebici C, Erdemir VA, Erdem O, Avcı EB, et al. Systemic disease in leukocytoclastic vasculitis: A focus on direct immunofluorescence findings. An Bras Dermatol. 2023;98:59–67.

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Istanbul Training and Research Hospital, Health Science University, Istambul, Turquia.

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