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Vol. 99. Núm. 2.
Páginas 312-315 (1 março 2024)
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Carta ‐ Dermatologia Tropical/Infectoparasitária
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Eritema nodoso desencadeado por kerion celsi em crianças: revisão de literatura e relato de caso
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Astrid Herzum
Autor para correspondência
astridherzum@yahoo.it

Autor para correspondência.
, Ehab Garibeh, Lodovica Gariazzo, Corrado Occella, Gianmaria Viglizzo
Departamento de Dermatologia, Giannina Gaslini Institute, GE, Itália
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Tabela 1. Revisão da literatura de casos pediátricos de eritema nodoso ocorridos após kerion celsi relatados na literatura em inglês
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Prezado Editor,

Kerion celsi (KC) é uma tinea capitis (TC) altamente inflamatória que ocorre predominantemente em crianças de áreas rurais e cada vez mais em áreas urbanas, pois os animais de estimação representam importantes reservatórios de infecção.1 Os agentes causadores da tinea capitis abrangem grande variedade de dermatófitos, cuja prevalência é influenciada geograficamente: Microsporum canis representa o agente mais comum na Europa, China e América do Sul; Trichophyton tonsurans na América do Norte e no Reino Unido.2,3

A ocorrência de eritema nodoso (EN), uma paniculite septal incomum em crianças, após KC, pode ser considerada entre as ides por dermatófítos (dermatofitides).4–6 Essa associação foi raramente descrita na literatura, especialmente em crianças, com apenas 17 casos relatados na literatura em inglês nessa faixa etária, principalmente após infecções do couro cabeludo por T. mentagrophytes e principalmente após tratamento antifúngico.7,8 Por outro lado, o aparecimento de EN antes da administração de terapia antifúngica para KC, como no caso apresentado, é incomum, e apenas cinco casos são relatados na literatura (tabela 1).

Tabela 1.

Revisão da literatura de casos pediátricos de eritema nodoso ocorridos após kerion celsi relatados na literatura em inglês

1o autor  Ano de publicação  Sexo  Idade (em anos)  Agente etiológico  Tempo em dias do tratamento até o desenvolvimento  Tratamento  Tempo de cicatrização do EN após tp (semanas) 
Franks  1952  T. sulphureum  Antes do tratamento  Griseofulvina  NR 
Smith  1963  T. mentagrophytes  Antes do tratamento  Griseofulvina+tioconazol tópico  NR 
Stocker  1977  12  T. verrucosum  Antes do tratamento  Griseofulvina  NR 
Martinez‐Roig  1982  T. mentagrophytes  Griseofulvina+solução tópica de permanganato de potássio  NR 
Martinez‐Roig  1982  T. mentagrophytes  Griseofulvina+solução tópica de permanganato de potássio  NR 
Martinez‐Roig  1982  T. mentagrophytes  Griseofulvina+solução tópica de permanganato de potássio  NR 
De las Heras  1991  T. mentagrophytes  Antes do tratamento  Griseofulvina+tioconazol tópico 
Calista  2001  T. mentagrophytes  Antes do tratamento  Griseofulvina+violeta de genciana tópico 
Soria  2008  T. mentagrophytes  16  Griseofulvina  NR 
Soria  2008  11  T. mentagrophytes  26  Griseofulvina+Ibuprofeno  NR 
Bassi  2009  T. mentagrophytes  Griseofulvina 
Zaraa  2012  Parasitismo de grandes esporos  18  Griseofulvina+creme de ciclopirox olamina  12 
Castriota  2013  T. mentagrophytes  14  Griseofulvina+creme tópico de mupirocina e tioconazol+prednisona 1 mg/kg/dia  10 
Romano  2014  T. mentagrophytes  Griseofulvina+imidazol tópico  NR 
Salah  2021  T. mentagrophytes  20  Griseofulvina  Nos dias seguintes 
Salah  2021  T. mentagrophytes  Griseofulvina  Nos dias seguintes 
Salah  2021  14  T. mentagrophytes  14  Griseofulvina  Nos dias seguintes 

O presente relato de caso descreve paciente do sexo masculino, de 7 anos, que apresentava placa eritematosa e dolorosa no couro cabeludo por um mês antes da consulta e nódulos eritematosos dolorosos bilaterais em membros inferiores havia dez dias. Antibióticos tópicos e orais não foram eficazes.

Ao exame clínico, observou‐se placa occipital dolorosa (3×4cm), eritematosa, com pústulas e crostas, além de perda de cabelos na superfície exsudativa associada à linfadenite occipital (fig. 1). Nos membros inferiores foram evidenciados nódulos eritemato‐violáceos dolorosos e quentes, clinicamente sugestivos de EN (fig. 2).

Figura 1.

Kerion celsi eritematoso, purulento e crostoso no couro cabeludo, com perda de cabelos na periferia da lesão.

(0.53MB).
Figura 2.

Nódulos eritematosos dolorosos bilaterais nas extremidades inferiores, clinicamente sugestivos de eritema nodoso.

(0.11MB).

O exame microscópico de raspados de pele e cabelos confirmou o diagnóstico de dermatofitose zoofílica do couro cabeludo por M. canis (fig. 3). Foi tratado com griseofulvina 250mg, 2×/dia (20mg/kg/dia) por oito semanas, obtendo a remissão de ambas manifestações, confirmando assim a natureza dermatofítica reativa do EN das pernas.

Figura 3.

Colônias de Microsporum canis crescendo a partir de cabelos obtidos na periferia da lesão de Kerion, formando colônias planas, de cor marfim a brancas, densas e cotonosas.

(0.3MB).

As ides são reações inflamatórias secundárias que se desenvolvem a partir de um insulto imunológico localizado remoto, como infecções fúngicas.4–6 As ides possivelmente exibem múltiplas apresentações clínicas, incluindo lesões vesiculares localizadas ou generalizadas, erupções maculopapulares ou escarlatiniformes, eritema nodoso, eritema multiforme, eritema anular centrífugo, síndrome de Sweet, psoríase gutata e doença bolhosa autoimune.4,6

Os critérios diagnósticos para a reação dermatofítica compreendem: (I) dermatofitose comprovada, (II) erupção em local distante da infecção fúngica e (III) resolução após tratamento antifúngico.7 Com base nesses critérios clínicos, foi realizado o diagnóstico clínico de uma ide dermatofítica do tipo EN.

As ides dermatofíticas ocorrem em até 17% dos pacientes com infecções por dermatófitos, tipicamente após tinea pedis e, em crianças, após tinea capitis, apresentando‐se principalmente como erupções papulovesiculares em regiões acrais e tronco. Além disso, eritema multiforme, eritema anular centrífugo, manifestações urticariformes e eritema nodoso foram descritos, embora raramente.6

Na literatura, a reação do tipo EN foi descrita principalmente após KC por T. mentagrophytes (82%), enquanto nos casos restantes foram relatados T. sulphureum, T. verrucosum e parasitismo geral por grandes esporos; a idade média de início foi de 8 anos (variação de 4 a 14 anos).7,8

O início das reações do tipo EN após KC é variável; é incomum (30%) antes do tratamento próximo ao clímax da infecção, frequentemente (70%) retardado após a administração de antifúngicos, ocorrendo em média 12 dias (variação de 1 a 26 dias) após o uso de antimicóticos.7‐10 Curiosamente, a correlação temporal entre o pico da inflamação e o EN sugere que uma liberação maciça de autoantígenos induzida pela flogose pode ocorrer, apoiando a hipótese autoimune de células T reativas ativadas por liberação maciça de antígenos, possivelmente fúngica ou induzida pela infecção fúngica.4–6

Possivelmente, células T reativas, que são ativadas pela liberação antigênica de um estímulo primário, causando danos aos queratinócitos, podem induzir fenômenos cutâneos com mediação autoimune contra antígenos de queratinócitos autólogos em locais distantes, após disseminação linfocítica. De fato, as ides dermatofíticas são observadas principalmente após formas altamente inflamatórias de dermatofitose, como no caso apresentado aqui, no qual uma grande quantidade de autoantígenos pode ter sido liberada.4–6

É importante ressaltar que o diagnóstico das ides é essencial para o correto manejo do paciente, pois essas reações autoimunes ocorrem principalmente após o início de terapia com agente antimicótico (70%) e podem ser diagnosticadas erroneamente como reações alérgicas a antifúngicos, levando à descontinuação errônea da terapia.

No presente caso, o EN ocorreu 20 dias após a manifestação clínica da dermatofitose, antes da administração oral dos antifúngicos, evitando erros de diagnóstico.

Griseofulvina foi administrada em todos os casos relatados, incluindo o presente caso. Antimicóticos tópicos foram adicionados em 53%, levando à regressão tanto do EN quanto do KC, enfatizando a importância de reconhecer a ligação entre as duas afecções a fim de possibilitar um diagnóstico combinado correto de ambas dermatoses e abordagem terapêutica única e eficaz.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Astrid Herzum: Concepção e planejamento do estudo; Interpretação dos dados; análise estatística; redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Ehab Garibeh: Concepção e planejamento do estudo; interpretação dos dados; redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Lodovica Gariazzo: Concepção e planejamento do estudo; interpretação dos dados; redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.

Corrado Occella: Concepção e planejamento do estudo; interpretação dos dados; redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.

Gianmaria Viglizzo: Concepção e planejamento do estudo; interpretação dos dados; redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
A.M. John, R.A. Schwartz, C.K. Janniger.
The kerion: an angry tinea capitis.
Int J Dermatol., 57 (2018), pp. 3-9
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J Eur Acad Dermatol Venereol., 32 (2018), pp. 2264-2274
[3]
P. Zhan, D. Li, C. Wang, J. Sun, C. Geng, Z. Xiong.
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Med Mycol., 53 (2015), pp. 691-698
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S. Trapani, C. Rubino, L. Lodi, M. Resti, G. Indolfi.
Erythema nodosum in children: A narrative review and a practical approach.
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[5]
M. Ilkit, M. Durdu, M. Karakaş.
Cutaneous id reactions: a comprehensive review of clinical manifestations, epidemiology, etiology, and management.
Crit Rev Microbiol., 38 (2012), pp. 191-202
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C. Romano, E.M. Gaviria, L. Feci, M. Fimiani.
Erythema nodosum complicating kerion of the scalp caused by Trichophyton mentagrophytes.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 30 (2016), pp. 357-359
[7]
D. Calista, S. Schianchi, M. Morri.
Erythema nodosum induced by kerion celsi of the scalp.
Pediatr Dermatol., 18 (2001), pp. 114-116
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Erythema nodosum complicating a case of kerion celsi of the scalp due to Trichophyton mentagrophytes.
Clin Exp Dermatol., 34 (2009), pp. 621-622
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Erythema nodosum in patients with kerion of scalp.
Clin Exp Dermatol., 46 (2021), pp. 1577-1578
[10]
Castriota M, Ricci F, Paradisi A, Fossati B, de Simone C, Capizzi R. Erythema nodosum induced by kerion celsi of the scalp in a child: a case report and mini‐review of literature. 2013; 56:200‐3.

Como citar este artigo: Herzum A, Garibeh E, Gariazzo L, Occella C, Viglizzo G. Erythema Nodosum triggered by Kerion Celsi in pediatrics: literature review and case report. An Bras Dermatol. 2024;99:312–5.

Trabalho realizado no Giannina Gaslini Institute, GE, Itália.

Copyright © 2023. Sociedade Brasileira de Dermatologia
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