Compartilhar
Informação da revista
Vol. 98. Núm. 5.
Páginas 701-703 (1 setembro 2023)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
4429
Vol. 98. Núm. 5.
Páginas 701-703 (1 setembro 2023)
Cartas ‐ Caso clínico
Acesso de texto completo
Melanoníquia longitudinal: rara apresentação da doença de Bowen
Visitas
4429
Guilherme de Medeiros Holandaa, Guilherme Raya Ravellib,
Autor para correspondência
guiholanda@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Bruno de Carvalho Fantinia, Cacilda da Silva Souzaa
a Divisão de Dermatologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
b Departamento de Patologia e Medicina Legal, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
Este item recebeu
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (2)
Texto Completo
Prezado Editor,

Paciente do sexo feminino, 64 anos, queixava‐se de escurecimento e deformidade da unha do terceiro quirodáctilo esquerdo havia dois anos. Ao exame, foram observadas onicodistrofia, discreto espessamento subungueal e melanoníquia longitudinal (ML) de pigmentação irregular de 3mm (fig. 1A). A dermatoscopia da lâmina ungueal evidenciou linhas longitudinais irregulares com multiplicidade de cores (marrom claro e escuro, preto e cinza) e hiperceratose localizada centralmente na borda livre da lâmina ungueal (fig. 1A). A dermatoscopia intraoperatória do leito e da matriz ungueal mostrou pigmentação variável do preto ao marrom, discretamente irregular (fig. 1B), ausência do sinal de Hutchinson e de sinais dermatoscópicos de verrugas virais. Foi realizada biópsia excisional do leito ungueal com margem de 2mm e optou‐se por cicatrização por segunda intenção. O exame histopatológico demonstrou proliferação intraepidérmica de queratinócitos atípicos com perda de polaridade (fig. 2A) e lâmina ungueal com hiperceratose focal. A imuno‐histoquímica evidenciou AE1/AE3 (pan‐citoqueratina) positiva (fig. 2B), e HMB45 e proteína S100 negativas, revelando a natureza epitelial e não melanocítica das células displásicas, compatível com doença de Bowen (DB).

Figura 1.

Melanoníquia longitudinal da placa ungueal: (A) Onicodistrofia associada a pigmentação irregular e heterogênea em faixa de 3mm de largura no terceiro quirodáctilo esquerdo. Dermatoscopia da lâmina com linhas longitudinais irregulares marrom‐claras e escuras, pretas e cinzas (detalhe). (B) Dermatoscopia intraoperatória mostrando variação na pigmentação (marrom, cinza e preto) nas linhas discretamente irregulares

(0.16MB).
Figura 2.

Achados da histopatologia e imuno‐histoquímica. (A) Lesão intraepidérmica com proliferação de queratinócitos atípicos com perda de polaridade (Hematoxilina & eosina, 200×). (B) Positividade da imuno‐histoquímica para AE1/AE3 (Pan‐citoqueratina, 200×)

(0.22MB).

DB ungueal, ou carcinoma espinocelular (CEC) in situ, tem registro variável da sua frequência, possivelmente por falha no reconhecimento ou subnotificação. Em contrapartida, o CEC é a neoplasia mais comum do aparelho ungueal, que frequentemente tem seu diagnóstico tardio. Tipicamente, a DB ungueal se apresenta como hiperceratose subungueal ou lesão verrucosa da placa ou do leito ungueal; com eritema periungueal e paroníquia associados a crostas, ulcerações ou fissuras, onicocriptose e/ou distrofia ungueal, e raramente com ML.1 Sua ocorrência é prevalente em homens de meia‐idade, entre 50 e 69 anos. Em geral, é assintomática e cresce lentamente por anos ou décadas antes de desenvolver CEC invasivo. Exposição à radiação ultravioleta e ao arsênio, imunossupressão e infecção por papilomavírus humano (HPV) são considerados fatores de risco.2,3 Associações, em particular com o HPV‐56,4 ceratose seborreica e lentigo solar, são causas aventadas para a DB pigmentada.5 Dentre 1.712 casos analisados de DB, apenas 90 casos (5,25%) consistiam em DB pigmentada. Desses, 29% ocorreram em sítios não expostos ao sol, como regiões genitais e intertriginosas, indicando que outros fatores, além da radiação ultravioleta, possam influir na patogênese da pigmentação da DB. Nesta série, a maioria ocorreu em pacientes dos fototipos I–III e áreas expostas ao sol, e apenas 19% naqueles com fototipos IV–VI, que apresentaram maior probabilidade de ter DB pigmentada em áreas não expostas.5

Depósito de pigmentos exógenos (sujeira, tabaco), sangue e melanina são agentes frequentes da pigmentação da placa e do leito ungueal; a ativação melanocítica e nevos melanocíticos benignos são as causas mais comuns da ML em adultos e crianças, respectivamente. Entretanto, cerca de 2/3 e dos melanomas ungueais se apresentam clinicamente como ML.2

Alguns critérios clínicos devem elevar o índice de suspeição de melanoma na ML adquirida em adultos: presença de pigmentação heterogênea em faixas ou linhas de cores variáveis, fissuras da lâmina ungueal ou fendas, especialmente da região distal (forma triangular), surgimento súbito de pigmentação da lâmina ungueal e borramento da dobra ungueal lateral.2,3 Na dermatoscopia da lâmina ungueal, os principais critérios de suspeição são: i) distrofia ungueal; ii) presença de cor cinzenta ou preta associada a pigmentação marrom irregular, iii) pigmentação granular; e/ou iv) envolvimento de mais de 2/3da lâmina ungueal.6

A DB pigmentada digital simula o melanoma e pode mostrar padrão caótico na dermatoscopia (padrão paralelo atípico de sulcos e cristas) e padrão caótico com linhas radiais segmentares sugestivo de melanoma, associados a outras características dermatoscópicas sugestivas de DB, como superfície escamosa e arranjo linear de vasos pontilhados.7

A dermatoscopia da ML é limitada à observação da distribuição de pigmentos depositados na lâmina ungueal, e as lesões subjacentes podem ser mal‐interpretadas, razão pela qual a dermatoscopia intraoperatória se torna relevante. Hirata et al. definiram quatro padrões da dermatoscopia intraoperatória da matriz e leito ungueal na ML: cinza regular, marrom regular, marrom regular com glóbulos ou manchas e padrão irregular.8 O padrão irregular foi considerado o mais associado ao melanoma,9 e estava presente em nosso caso.

Dentre os achados na dermatoscopia, a hiperceratose localizada da borda livre da lâmina ungueal foi o critério significantemente associado ao CEC subungueal.10 Já no onicomatricoma, os critérios de bordas não paralelas ou difusas das lesões ungueais parecem favorecer o diagnóstico de CEC subungueal, dentre outros menos específicos como hemorragias em estilhaço, linhas brancas longitudinais paralelas e espessamento ungueal.10

A despeito dos achados clínicos, dermatoscópicos da lâmina ungueal e dermatoscópicos intraoperatórios do leito e da matriz ungueais suspeitos de melanoma, a avaliação histológica não mostrou proliferação de melanócitos atípicos, confirmada pela negatividade do HMB45 e da proteína S100. A positividade para AE1/AE3, um anticorpo contra queratinas epidérmicas humanas (portanto, marcador de células epiteliais normais, carcinomas e outros tumores com diferenciação epitelial como a DB) revelou a natureza epitelial da neoplasia no presente caso.

A DB pigmentada do aparelho ungueal é condição raramente diagnosticada, e deve ser considerada no diagnóstico diferencial de ML, distinguindo‐a principalmente do melanoma ungueal.1–5 As alterações adjacentes à ML, como áreas hiperceratóticas da lâmina ungueal, devem ser observadas com atenção e podem auxiliar na diferenciação das lesões queratinocíticas.

A avaliação cuidadosa e o manejo dos pacientes com pigmentação ungueal, em que se considerem as características clínicas, a dermatoscopia da lâmina ungueal e a intraoperatória da matriz ungueal e do leito ungueal, podem auxiliar a afastar as causas comuns de pigmentação ungueal. No entanto, o exame histopatológico ainda permanece o padrão de ouro para o diagnóstico confirmatório da ML.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Guilherme de Medeiros Holanda: Concepção e planejamento do caso estudado; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; revisão da literatura; elaboração e redação do manuscrito.

Bruno de Carvalho Fantini: Concepção e planejamento do caso estudado; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; aprovação da versão final do manuscrito.

Guilherme Raya Ravelli: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado.

Cacilda da Silva Souza: Concepção e planejamento do caso estudado; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão da literatura; elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
S.W. Park, D.Y. Lee, G.H. Mun.
Longitudinal melanonychia on the lateral side of the nail: a sign of Bowen disease associated with human papillomavirus.
Ann Dermatol., 25 (2013), pp. 378-379
[2]
K. Khan, A.A. Mavanur.
Longitudinal melanonychia.
BMJ Case Rep., 10 (2015),
[3]
U. Sass, J. André, J.J. Stene, J.C. Noel.
Longitudinal melanonychia revealing an intraepidermal carcinoma of the nail apparatus: detection of integrated HPV‐16 DNA.
J Am Acad Dermatol., 39 (1998), pp. 490-493
[4]
A. Shimizu, A. Tamura, M. Abe, H. Amano, S. Motegi, Y. Nakatani, et al.
Human papillomavirus type 56‐associated Bowen disease.
Br J Dermatol., 167 (2012), pp. 1161-1164
[5]
T.J. Stewart, J. Farrell, O. Crainic, R.H. Rosen.
A large series of pigmented Bowen's disease.
Int J Dermatol., 59 (2020), pp. e316-e317
[6]
E. Benati, S. Ribero, C. Longo, S. Piana, S. Puig, C. Carrera, et al.
Clinical and dermoscopic clues to differentiate pigmented nail bands: an International Dermoscopy Society study.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 31 (2017), pp. 732-736
[7]
R. Kurita, Y. Togawa, K. Suehiro, H. Matsue.
A case of pigmented Bowen disease on the finger mimicking melanoma showing a chaos pattern on dermoscopy.
Dermatol Pract Concept., 10 (2020), pp. e2020079
[8]
S.H. Hirata, S. Yamada, M.Y. Enokihara, N. Di Chiacchio, F.A. de Almeida, M.M. Enokihara, et al.
Patterns of nail matrix and bed of longitudinal melanonychia by intraoperative dermatoscopy.
J Am Acad Dermatol., 65 (2011), pp. 297-303
[9]
F. Göktay, P. Güneş, Ş. Yaşar, H. Güder, S. Aytekin.
New observations of intraoperative dermoscopic features of the nail matrix and bed in longitudinal melanonychia.
Int J Dermatol., 54 (2015), pp. 1157-1162
[10]
S. Teysseire, S. Dalle, G. Duru, A. Phan, S. Debarbieux, N. Poulhalon, et al.
Dermoscopic features of subungual squamous cell carcinoma: a study of 44 cases.
Dermatology., 233 (2017), pp. 184-191

Como citar este artigo: Holanda GM, Ravelli GR, Fantini BC, Souza CS. Longitudinal melanonychia: a rare presentation of Bowen's disease. An Bras Dermatol. 2023;98:701–3.

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Baixar PDF
Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.