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Vol. 100. Núm. 5.
(setembro - outubro 2025)
Cartas ‐ Caso investigação
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Perfil epidemiológico e principais alérgenos identificados em casos de queilite alérgica de contato
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Bruna Cavaleiro de Macedo Souzaa,
, Laiza Bertolucci Ferrerob, Mariana de Figueiredo Silva Hafnera, Rosana Lazzarinib
a Clínica de Dermatologia, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Distribuição das substâncias positivas nos testes de contato nos casos de dermatite alérgica de contato (DAC) dos lábios
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Prezador Editor,

As queilites alérgicas de contato (QAC) são reações inflamatórias nos lábios, decorrentes de reação de hipersensibilidade tipo 4.1 Podem ocorrer isoladamente ou associadas a eczema perioral, estomatite, dermatite de contato, dermatite atópica e outras doenças.1,2 Dentre as principais etiologias descritas estão: instrumentos musicais, produtos de higiene (como creme dental e bastão labial), cosméticos (aplicados na face ou em outras áreas), medicamentos tópicos, materiais odontológicos ou alérgenos alimentares.3

Foram selecionados os pacientes provenientes dos ambulatórios de um serviço público e um privado com suspeita de QAC, com comprometimento exclusivo dos lábios, atendidos entre janeiro de 2018 e agosto de 2024. Os alérgenos utilizados nos testes foram os presentes nas baterias padrão brasileira (FDA Allergenic/RJ/Brasil), série capilar e latino‐americana (IPI Asac‐SP/Brasil, composta pelas substâncias presentes na série padrão acrescida de galato de propila, disperse blue, dialquil tiureia, metilisotiazolinona (MI), butirato de hidrocortisona, fragrância mix 2, cocoamidopropilbetaina, metildibromo glutaronitrilo [MDBGN], IPPD, sesquiterpeno lactona mix, própolis, budesonida, acetato de hidrocortisona, liral, resina toluenossulfonamida‐formaldeido, diazolinidil ureia e imidazolinidil ureia) além de alérgenos selecionados na literatura comuns para dermatite alérgica de contato (DAC) nessa localização (manipulação magistral). As leituras foram realizadas em 48 e 96 horas, de acordo com critérios já estabelecidos.

Foram realizados 736 testes de contato no serviço público e 250 no setor privado no período analisado, com total de 986 testes. Destes, foram selecionados aqueles com lesões exclusivamente em lábios. Assim, foram oito casos (1%) do serviço público e 13 (5,2%) do privado, com total de 21 casos (2,1%). As idades dos pacientes variaram entre 18 e 78 anos, com média de 35 anos. A maior frequência foi de pacientes do sexo feminino (76%). O tempo médio de surgimento da doença até a realização do teste de contato foi de 12 meses. A substância de maior frequência nos testes foi fragrância mix 1 (FM1, 14,6%), como demonstrado na tabela 1.

Tabela 1.

Distribuição das substâncias positivas nos testes de contato nos casos de dermatite alérgica de contato (DAC) dos lábios

Substância  Número de reações  Porcentagem (%) 
Fragrância mix 1  14,60% 
Galatos  8,20% 
MDBGN  6,60% 
Fragrância mix 2  4,80% 
CAPB  4,80% 
Paladato de sódio  4,80% 
Própolis  4,80% 
Carba mix  3,30% 
Butilfenol‐p‐terciário  3,30% 
Aldeído cinâmico  3,30% 
Lanolina  1,50% 
Bálsamo do Peru  1,50% 
Parabenos  1,50% 
Diazolidinil ureia  1,50% 
Shellac  1,50% 
Liral  1,50% 
Sesquiterpeno lactona mix  1,50% 
Eugenol  1,50% 
Dimeticona  1,50% 
Hidrocortisona  1,50% 
Benzil álcool  1,50% 
Cloroxilenol  1,50% 
Formaldeído  1,50% 
Benzofenona 3  1,50% 
BHT  1,50% 
Propilenoglicol  1,50% 
MI  1,50% 
Cinamato de benzila  1,50% 
Citronelol  1,50% 
Total  62  100% 

*Alguns pacientes tiveram mais de um teste positivo.

BHT, butil‐hidroxitolueno; CAPB, cocamidopropilbetaina; MDBGN, metildibromoglutaronitrila; MI, metilisotiazolinona.

Foram avaliados 21 casos suspeitos de QAC, com lesões exclusivamente dos lábios (2,1%) entre os submetidos aos testes de contato, mostrando baixa frequência da dermatose nessa localização, o que está de acordo com resultados da literatura, que mostram frequência de 1% a 3,4%.4 A média de idade dos pacientes foi de 35 anos, variando entre 18 e 78 anos, semelhante a de alguns estudos, que mostraram idades entre 41 e 47 anos. O grupo foi composto em sua maioria por mulheres (16/76%), dado compatível com outros trabalhos, possivelmente pelo maior uso de cosméticos por essa população.4,5 Os alérgenos mais comuns observados foram as fragrâncias, respectivamente FM1 (9/14,6%) e FM2 (3/4,8%), presentes em cremes dentais, medicamentos tópicos, cosméticos labiais e perfumes. Sua relevância para os casos de queilite na literatura variou entre 5,4% e 38%, compatível com o achado neste estudo.6,7 O bálsamo do Peru, também considerado marcador de alergia a fragrâncias, foi positivo em um caso (1,5%), que estava associado à positividade ao citronelal (1,5%). A cocoamidopropilbetaína (CAPB) foi positiva em três casos (4,8%) (figs. 1 e 2). CAPB é um alérgeno comum para os lábios, classificado como surfactante, muitas vezes diluído no óleo de hortelã, ingrediente comum nos cremes dentais.8 Os galatos são antioxidantes presentes em cosméticos, medicamentos tópicos e alimentos e comumente empregados nos batons labiais; foram positivos em cinco casos (8,2%) neste estudo, prevalência menor do que os 36% encontrada no estudo de Loidi‐Pascual et al.4 O MDBGN é um conservante utilizado em sabonetes líquidos, xampus, hidratantes, géis vaginais, lenços removedores de maquiagem, colas, adesivos, absorventes higiênicos e medicamentos tópicos; foi positivo em 6,6% dos casos e esteve relacionado em nossos pacientes ao uso de hidratante labial.5,7 Já o própolis é um alérgeno pouco comum para os lábios e geralmente presente como contaminante na cera de abelhas, componente comum nos balms e batons, tendo sido observado em um caso (1,5%), mas o estudo de Nyman et al. mostrou 19% de frequência entre 95 pacientes com suspeita de queilite de contato, DC da face e região perioral.5 Alguns conservantes, como parabenos, diazolinidil ureia e butil‐hidroxitolueno (BHT), são utilizados principalmente em medicamentos tópicos e considerados o segundo grupo de alérgenos mais presentes nos cosméticos após as fragrâncias, com prevalências de até 32%.7 Entre os casos avaliados, foram positivos em um caso cada (1,5%). O shellac ou lacca é uma resina natural proveniente de um inseto (Laccifer lacca), utilizada nas indústrias de alimentos, medicamentos e cosméticos por suas características emolientes e formadoras de película e encontrada em sprays de cabelo, loções, xampus, delineadores, rímel, esmaltes, batons e fragrâncias; foi positivo em um caso (1,5%) e estava relacionado ao uso de batom.3 Por fim, a benzofenona‐3 é um componente de filtro solares, também presente em outros cosméticos com a função de proteção do produto contra a deterioração pela ação da radiação ultravioleta; dentre os pacientes do estudo, foi positiva em um caso (1,5%), relacionado ao uso de brilho labial.

Figura 1.

Paciente com queilite alérgica de contato (QAC) em lábio com sensibilidade ao cocoamidopropilbetaína (CAPB). À esquerda: paciente na primeira consulta. À direita: paciente após suspensão do contato com CAPB.

Figura 2.

Teste de contato em dorso com positividade ao cocoamidopropilbetaína (CAPB) para o paciente com queilite alérgica de contato (QAC) em lábio.

Apesar de a literatura descrever metais (p. ex., sulfato de níquel e bicromato de potássio) e fármacos (p. ex., neomicina) como alérgenos frequentemente implicados na queilite de contato, esses achados não foram evidenciados no presente estudo, provavelmente por se tratar de amostra pequena.9

Embora os testes de contato deste estudo não tenham sido realizados com os produtos utilizados pelos pacientes, conforme preconizado em alguns estudos, foi realizada anamnese detalhada com o objetivo de garantir que os alérgenos aos quais os pacientes estavam expostos fossem incluídos na bateria de testes aplicada.9 Embora os pacientes sejam orientados a levar os produtos suspeitos no dia do teste, existe uma baixa adesão ao procedimento, muitas vezes com alegações de esquecimento ou inexistência do produto no momento do exame.

Apesar de o grupo ter estudado um pequeno número de pacientes, o trabalho demonstra a importância dos testes de contato nos casos de queilite, de modo a estabelecer o diagnóstico de dermatite alérgica de contato, assim como os agentes causadores mais prevalentes.9

Editor

Luciana P. Fernandes Abbade.

Disponibilidade de dados de pesquisa

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Bruna Cavaleiro de Macedo Souza: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Laiza Bertolucci Ferrero: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Mariana de Figueiredo Silva Hafner: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Rosana Lazzarini: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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M. Tramontana, K. Hansel, L. Bianchi, C. Sensini, N. Malatesta, L. Stingeni.
Advancing the understanding of allergic contact dermatitis: from pathophysiology to novel therapeutic approaches.
Front Med (Lausanne)., 10 (2023), pp. 1184289
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R.C. Melchers, K.D. Quint, E.J. van Zuuren.
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Contact Dermatitis., 86 (2022), pp. 554-556
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Contact dermatitis: Literature review.
Rev Port Imunoalergologia., 24 (2016), pp. 197-209
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L. Loidi-Pascual, M. Hervella-Garcés, M. Larrea-García, R. Santesteban-Muruzábal, A. Agulló-Pérez, I. Yanguas-Bayona.
Lip eczema. Experience in the Contact Dermatitis Unit of a Spanish tertiary hospital.
An Sist Sanit Navar., 38 (2015), pp. 409-416
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G.S.A. Nyman, M. Tang, A. Inerot, A. Osmancevic, P. Malmberg, L. Hagvall.
Contact allergy to beeswax and propolis among patients with cheilitis or facial dermatitis.
Contact Dermatitis., 81 (2019), pp. 110-116
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S. Francalanci, A. Sertoli, S. Giorgini, P. Pigatto, B. Santucci, R. Valsecchi.
Multicentre study of allergic contact cheilitis from toothpastes.
Contact Dermatitis., 43 (2000), pp. 216-222
[7]
Rocha VB. Prevalência de alérgenos nos produtos dermatológicos brasileiros [Dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2014. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/BUBD‐9VZK3E.
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A. Van Baelen, S. Kerre, A. Goossens.
Allergic contact cheilitis and hand dermatitis caused by a toothpaste.
Contact Dermatitis., 74 (2016), pp. 187-189
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D. Narayanan, M. Rogge.
Cheilitis: A diagnostic algorithm and review of underlying etiologies.
Dermatitis., 35 (2024), pp. 431-442

Como citar este artigo: Souza BCM, Ferrero LB, Hafner MFS, Lazzarini R. Epidemiological profile and main allergens identified in cases of allergic contact cheilitis between 2018 and 2024. An Bras Dermatol. 2025;100:501170.

Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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