Anais Brasileiros de Dermatologia (ABD) constituem o principal periódico científico da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). Publicado desde 1925, ABD desempenham papel fundamental na disseminação do conhecimento na área, contribuindo para a formação e atualização dos profissionais, além de fornecer espaço para a divulgação de pesquisas originais, revisões e casos clínicos relevantes.1
Os ABD são indexados nas principais bases de dados internacionais; é o periódico dermatológico mais influente da América Latina e o único indexado na base ISI‐Web of Science, responsável pelo cálculo do fator de impacto dos periódicos.2
Ao longo de um século de publicação, os ABD acumularam mais de 6.000 artigos de autoria de mais de 10 mil pesquisadores. Esses estudos acompanharam as mudanças na prática clínica, a emergência de novas doenças e inovações tecnológicas, consolidando o periódico como referência essencial para dermatologistas e pesquisadores.3 Paralelamente, os ABD sofreram ajustes em sua política editorial para se adaptar às exigências de um periódico moderno, dinâmico, de alcance internacional e com elevado rigor científico.4,5
A análise dos títulos dos artigos publicados nos ABD ao longo do tempo torna possível compreender mudanças na prática dermatológica e refletir tendências epidemiológicas, sociais e avanços científicos de cada período. Este estudo objetivou realizar uma pesquisa bibliométrica qualitativa sobre os temas abordados nos artigos publicados pelos ABD entre 1925 e 2025.
Os títulos dos artigos publicados nos ABD entre 1925 e 1 de abril de 2025 foram extraídos do site http://www.anaisdedermatologia.com.br/edicoes‐anteriores. Os artigos foram agrupados em quatro períodos: 1925–1950, 1951–1975, 1976–2000 e 2001–2025. Os títulos foram normalizados para singularidade gramatical, identificadas, manualmente, as variações ortográficas (como “syphilis” e “sífilis”) e termos afins (como “lepra”, “hanseníase” e “hansênico”). Palavras genéricas (como “paciente”, “dermatose” e “tratamento”), preposições, artigos, conjunções e advérbios foram excluídos utilizando o ChatGPT 4.0®, que também foi empregado na tradução dos títulos disponíveis exclusivamente em inglês. Os grupos de termos foram processados pelo WordArt (http://www.wordart.com/create) para a geração de nuvens de palavras com os (até 100) termos mais frequentes, que foram identificados em mais de 1% dos títulos.6
As frequências das 20 doenças mais identificadas nos títulos foram comparadas entre os quatro períodos pela análise de resíduos corrigida pelo procedimento de Holm‐Bonferroni.7 A significância foi definida como p <0,05.
A distribuição dos 150 temas mais frequentes, em cada período, está representada nas nuvens de palavras da figura 1. No primeiro período (1925–1950), destacaram‐se doenças infecciosas como treponematoses (sífilis, bouba e pinta), linfogranuloma venéreo, hanseníase, paracoccidioidomicose e leishmaniose. A arsenoterapia era utilizada no tratamento de treponematoses e leishmaniose. Pênfigo foliáceo foi a doença inflamatória mais importante.
No segundo período, as doenças infecciosas continuaram predominando, incluindo hanseníase, sífilis, leishmaniose, paracoccidioidomicose, cromomicose, esporotricose, lobomicose e micoses superficiais. A introdução da penicilina modificou o tratamento das treponematoses, enquanto corticosteroides e sulfonas passaram a ser utilizados para doenças inflamatórias e hanseníase. Doenças como eczemas e psoríase passaram a ser mais citadas.
No terceiro período, predominam ainda doenças infecciosas como a hanseníase, leishmaniose e paracoccidioidomicose. A psoríase ganhou protagonismo, assim como o melanoma, carcinomas e escabiose. Destaca‐se a epidemia do HIV, no final do século passado.
No último período, psoríase e as neoplasias ganharam proeminência sobre as doenças infecciosas. Surgem artigos com dermatoscopia, cirurgia micrográfica, alopecia areata e imunobiológicos. Destacam‐se artigos envolvendo o COVID‐19, nos últimos cinco anos.
A tabela 1 apresenta as frequências das 20 doenças mais mencionadas nos títulos dos artigos ao longo do tempo, destacando‐se o vultoso aumento do número de publicações do último período e a variação das frequências das referências a essas doenças ao longo do tempo.
Frequência dos 20 grupos de dermatoses mais comumente identificadas entre os títulos dos artigos dos Anais Brasileiros de Dermatologia (1925–2025)
Doença | 1925 a 1950 (n=250) | 1951 a 1975 (n=468) | 1975 a 2000 (n=1.444) | 2001 a 2025a (n=3.867) |
---|---|---|---|---|
Acne | 1 (0,4%) | 2 (0,4%) | 18 (1,2%) | 60 (1,6%) |
Alopecia areata | 0 (‐) | 0 (‐) | 6 (0,4%) | 32 (0,8%) |
Dermatite atópica | 0 (‐) | 3 (0,6%) | 7 (0,5%) | 61 (1,6%) |
Carcinoma basocelular | 0 (‐) | 3 (0,6%) | 15 (1,0%) | 81 (2,1%) |
Escabiose | 2 (0,8%) | 7 (1,5%) | 18 (1,2%) | 11 (0,3%) |
Esporotricose | 1 (0,4%) | 9 (1,9%) | 11 (0,8%) | 27 (0,7%) |
Hanseníase | 21 (8,4%) | 28 (6,0%) | 64 (4,4%) | 125 (3,2%) |
Herpes simplex | 0 (‐) | 0 (‐) | 6 (0,4%) | 11 (0,3%) |
Leishmaniose | 8 (3,2%) | 15 (3,2%) | 62 (4,3%) | 75 (1,9%) |
Lúpus eritematoso | 2 (0,8%) | 6 (1,3%) | 14 (1,0%) | 42 (1,1%) |
Melanoma | 0 (‐) | 1 (0,2%) | 25 (1,7%) | 160 (4,1%) |
Micose superficial | 5 (2,0%) | 24 (5,1%) | 63 (4,4%) | 47 (1,2%) |
Paracoccidioidomicose | 9 (3,6%) | 8 (1,7%) | 28 (1,9%) | 25 (0,6%) |
Penfigoide bolhoso | 0 (‐) | 1 (0,2%) | 6 (0,4%) | 28 (0,7%) |
Pênfigo foliáceo | 8 (3,2%) | 12 (2,6%) | 22 (1,5%) | 23 (0,6%) |
Psoríase | 5 (2,0%) | 8 (1,7%) | 38 (2,6%) | 197 (5,1%) |
Sífilis | 46 (18,4%) | 14 (3,0%) | 12 (0,8%) | 26 (0,7%) |
Urticária | 0 (‐) | 1 (0,2%) | 3 (0,2%) | 42 (1,1%) |
Vitiligo | 1 (0,4%) | 3 (0,6%) | 9 (0,6%) | 71 (1,8%) |
Zoster | 0 (‐) | 2 (0,4%) | 12 (0,8%) | 5 (0,1%) |
No último século, o Brasil sofreu uma transição epidemiológica marcada pela redução das doenças infectocontagiosas assim como aumento das doenças crônicas não transmissíveis e neoplasias, impulsionadas pelo envelhecimento populacional e mudanças no estilo de vida. Esse processo ocorreu em paralelo a transformações sociais e culturais, como a urbanização acelerada, melhoria das condições sanitárias e o avanço da ciência médica.8
A penicilina chegou ao Brasil na década de 1950, o que pode explicar a redução das publicações sobre treponematoses a partir do terceiro período. Da mesma maneira, a poliquimioterapia da hanseníase foi instituída em 1986, reduzindo drasticamente a sua morbidade e prevalência, refletindo menores números de publicações no último período.
Os imunobiológicos, que revolucionaram a psoríase, foram disponíveis no Brasil a partir da primeira década do milênio, o que pode justificar o aumento recente das publicações sobre a doença. O mesmo pode‐se afirmar dos modernos tratamentos para dermatite atópica, urticária, vitiligo e alopecia areata.
A progressiva maior longevidade da população e o desenvolvimento da cirurgia dermatológica brasileira dos últimos 50 anos podem ser razões para o aumento progressivo da frequência de publicações em oncologia e em penfigoide bolhoso.
Entre as décadas de 1960 e 1980, surgiram casos de esporotricose na região Sudeste, principalmente entre agricultores e trabalhadores que manipulavam vegetais, despertando o interesse dos dermatologistas. A crescente urbanização da população brasileira, associada a disponibilidade de tratamentos ambulatoriais eficazes, pode justificar a recente redução das publicações sobre paracoccidioidomicose, pênfigo foliáceo e leishmaniose.
A menor proeminência das doenças infecciosas, a despeito do maior foco nas dermatoses inflamatórias e neoplasias, reflete não somente as mudanças na epidemiologia das doenças, mas também as prioridades de financiamento da pesquisa.6,9 Ao longo do tempo, a frequência desses temas em periódicos médicos ilustra a natureza dinâmica da Medicina, em que as demandas de saúde pública e os avanços farmacêuticos impulsionam o discurso científico.10
Por fim, as publicações dos ABD acompanharam crises sanitárias mundiais, como a sífilis, AIDS e a pandemia de COVID‐19. Da mesma maneira, refletiram a evolução das terapias para as doenças venéreas, leishmaniose, hanseníase, psoríase, dermatite atópica e alopecia areata.
Este estudo apresenta limitações ligadas à análise individual dos termos sem estimar suas relações semânticas, variações da terminologia médica e das regras editoriais ao longo dos anos. Estudos posteriores devem ser conduzidos a partir da análise de textos completos, considerar seus impactos, citações e tipos de publicação, para um entendimento mais detalhado das variações de práticas editoriais da Dermatologia brasileira.
Diante do cenário de constante evolução científica, compreender as tendências da produção acadêmica possibilita não apenas revisitar a trajetória da Dermatologia brasileira, mas também identificar lacunas de conhecimento e direcionar futuras pesquisas para atender às demandas emergentes da especialidade.
Suporte financeiroCNPq (306358/2022‐0) – Hélio Amante Miot é pesquisador bolsista do CNPq.
Contribuição dos autoresHélio Amante Miot: Concepção e planejamento do estudo; análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo; revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Thays Herbst Carvalho: Coleta de dados; análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo; revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Aluísio José de Oliveira Monteiro Neto: Coleta de dados; análise e interpretação dos dados; redação do artigo; revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Laís Acioli Lins: Coleta de dados; Análise e interpretação dos dados; redação do artigo; revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Milena Aguiar Alencar de Oliveira: Coleta de dados; análise e interpretação dos dados; redação do artigo; revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Mateus Harmad Char: Coleta de dados; Análise e interpretação dos dados; redação do artigo; revisão crítica de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
EditorHiram Larangeira de Almeida Jr.
Disponibilidade de dados de pesquisaTodo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Como citar este artigo: Carvalho TH, Monteiro Neto AJO, Lins LA, de Oliveira MAA, Char MA, Miot HA. Revisiting a century of dermatology: an analysis of the themes in the articles of Anais Brasileiros de Dermatologia (1925–2025). An Bras Dermatol. 2025;100:501197.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.