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Vol. 99. Núm. 2.
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Tinea capitis: tratamento em população pediátrica. Observações em 99 casos
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Carolina Gonçalves Contin Proença, Gustavo de Sá Menezes Carvalho
Autor para correspondência
gustavo.carvalho@msn.com

Autor para correspondência.
, Guilherme Camargo Julio Valinoto, Silvia Assumpção Soutto Mayor, John Verrinder Veasey
Clínica de Dermatologia, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Hospital Central, São Paulo, SP, Brasil
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Tabelas (3)
Tabela 1. Frequências absolutas e relativas da forma clínica, exame micológico direto, cultura e tratamento
Tabela 2. Valores descritivos das variáveis do estudo segundo o grupo de forma clínica
Tabela 3. Valores descritivos das variáveis do estudo segundo o grupo de cultura
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Prezado Editor,

Tinha do couro cabeludo, ou Tinea capitis (TC), é dermatofitose que acomete tanto o couro cabeludo quanto a haste capilar.1,2 Os principais agentes causais descritos das TC são dos gêneros Microsporum e Tricophyton, e a frequência de cada patógeno varia de acordo com a localização geográfica, fatores ambientais e culturais de cada região e período estudado.3

A apresentação clínica da TC depende da interação entre o organismo causal e a resposta clínica do hospedeiro, resultando em quadros que variam de leve descamação com discreta perda de cabelo até grandes placas inflamatórias e pustulosas.2,3 A TC pode ser classificada clinicamente como tonsurante ou inflamatória. Enquanto a tonsurante se subdivide em microspórica e tricofítica, a inflamatória é subdividida em supurativa (ou kerion) e fávica2–4 (fig. 1).

Figura 1.

(A) Tinha do couro cabeludo, forma clínica tonsurante tricofítica. (B) Tinha do couro cabeludo, forma clínica inflamatória kerium celsi.

(0.44MB).

O tratamento da TC baseia‐se no uso de terbinafina ou griseofulvina, sem evidências clínicas para o uso de outros antifúngicos orais.1,4,5 A griseofulvina foi o primeiro fármaco eficaz usado no tratamento da TC e ainda é amplamente utilizada em locais com poucos recursos.1,5,6 Até agora, a terbinafina demonstrou bom perfil de segurança, e é considerada boa alternativa para o tratamento da Tinea capitis em crianças.4–7

Frente a essas possibilidades de tratamento da TC, realizou‐se estudo observacional retrospectivo com a análise dos dados obtidos de prontuário de pacientes com TC atendidos no ambulatório de serviço terciário da cidade de São Paulo (Brasil) entre março de 2013 a outubro de 2020.

Os seguintes critérios de inclusão foram utilizados: casos com diagnóstico clínico e laboratorial de TC (exame micológico direto e/ou cultura para fungos positivos); que tenham completado o tratamento até a cura clínica e laboratorial; que tenham assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos os pacientes: acima de 18 anos; com dados de prontuário incompletos; que perderam o seguimento durante o tratamento; que não assinaram o TCLE.

No período determinado foram atendidos 148 pacientes com suspeita clínica de TC. Desses, 99 preencheram os critérios de inclusão. Dos 49 casos excluídos, dois pacientes tinham mais de 18 anos e 47 perderam o seguimento clínico.

A idade dos pacientes variou de 1 a 15 anos, com mediana de 6 anos. Setenta e cinco (75,8%) pacientes eram do sexo masculino e 24 (24,2%) do sexo feminino. O tempo de lesão variou de uma a 192 semanas, com média de 15,06±22,72 e mediana de oito semanas. O tempo de tratamento foi de até 40 semanas, com média de 14,09±6,87 semanas e mediana de 12 semanas (tabela 1).

Tabela 1.

Frequências absolutas e relativas da forma clínica, exame micológico direto, cultura e tratamento

Variável   
Forma clínica  Tricofítica  56  56,5 
  Microspórica  15  15,2 
  Kerion  28  28,3 
Exame micológico direto  Positivo  97  98,0 
  Negativo  2,0 
Cultura  T. tonsurans  39  39,4 
  T. rubrum  2,0 
  T. mentagrophytes  2,0 
  M. canis  34  34,4 
  N. gypseum  3,0 
  Negativa  19  19,2 
Tratamento  Griseofulvina  81  81,8 
  Terbinafina  5,1 
  Griseofulvina + terbinafina  13  13,1 

Ao se dividir o total dos 99 casos em grupos por manifestações clínicas, nota‐se predominância de casos com TC tricofítica com 56 (56,6%) pacientes, seguido da forma de kerion com 28 (28,3%) e, por fim, 15 (15,1%) com apresentação clínica de TC microspórica (tabela 2).

Tabela 2.

Valores descritivos das variáveis do estudo segundo o grupo de forma clínica

  Forma clínica 
Variável  Tricofítica(n=56)  Microspórica(n=15)  Kerion(n=28)  p* 
Idade (em anos)        0,063d 
Média±DP  6,95±2,80  5,33±1,80  5,71±3,39   
Sexo – n (%)        0,028a 
Feminino  8 (14,3)  5 (33,3)  11 (39,3)   
Masculino  48 (85,7)  10 (66,7)  17 (60,7)   
Tempo de lesão (em semanas)      0,078c   
Média±DP  18,60±28,71  14,20±13,25  8,96±9,26   
Mediana  12,00  12,00  8,00   
Exame micológico direto –n (%)        1,000b 
Positivo  55 (98,2)  15 (100,0)  27 (96,4)   
Negativo  15 (1,8)  0 (0,0)  1 (3,6)   
Cultura – n (%)        0,005b 
T. tonsurans  20 (35,7)  4 (26,7)  15 (53,6)   
T. rubrum  1 (1,8)  1 (6,7)  0 (0,0)   
T. mentagrophytes  0 (0,0)  0 (0,0)  2 (7,1)   
M. canis  25 (44,6)  4 (26,7)  5 (17,9)   
N. gypseum  0 (0,0)  0 (0,0)  3 (10,7)   
Negativa  10 (17,9)  6 (40,0)  3 (10,7)   
Tratamento – n (%)        0,118b 
Griseofulvina  44 (78,6)  15 (100,0)  22 (78,6)   
Terbinafina  5 (8,9)  0 (0,0)  0 (0,0)   
Griseofulvina + terbinafina  7 (12,5)  0 (0,0)  6 (21,4)   
Tempo de tratamento (em semanas)      0,165c   
Média±DP  13,71±7,26  16,27±7,05  13,68±5,92   
Mediana  12,00  14,00  12,00   
a

Nível descritivo de probabilidade do teste Qui‐Quadrado.

b

Nível descritivo de probabilidade do teste exato de Fisher.

c

Nível descritivo de probabilidade do teste não paramétrico de Kruskal‐Wallis.

d

Nível descritivo de probabilidade da Análise de Variância a um fator.

A análise dos casos conforme agentes isolados foi realizada em dois grupos: Grupo T, com as espécies antropofílicas T. rubrum, T. mentagrophytes e T. tonsurans, e Grupo M, com as espécies não adaptadas (geofílica e zoofílica) N. gypseum e M. canis. Nota‐se que a maioria dos casos (43) está incluída no primeiro grupo, seguido de 37 no segundo e 19 de culturas negativas (tabela 3).

Tabela 3.

Valores descritivos das variáveis do estudo segundo o grupo de cultura

  Cultura 
Variável  Grupo T(n=43)  Grupo M(n=37)  Negativa(n=19)  p* 
Idade (em anos)        0,325(4) 
Média±DP  6,84±2,93  5,86±2,74  6,21±3,19   
Sexo – n (%)        0,338a 
Feminino  12 (27,9)  6 (16,2)  6 (31,6)   
Masculino  31 (72,1)  31 (83,8)  13 (68,4)   
Tempo de lesão (em semanas)      0,435c   
Média±DP  16,33±31,01  13,65±13,72  15,00±12,00   
Mediana  8,00  12,00  12,00   
Forma clínica – n (%)        0,060a 
Tricofítica  21 (48,8)  25 (67,6)  10 (52,6)   
Microspórica  5 (11,6)  4 (10,8)  6 (31,6)   
Kerion  17 (39,6)  8 (21,6)  3 (15,8)   
Exame micológico direto – n (%)        0,173b 
Positivo  43 (100,0)  35 (94,6)  19 (100,0)   
Negativo  0 (0,0)  2 (5,4)  0 (0,0)   
Tratamento – n (%)        <0,001b 
Griseofulvina  28 (65,1)  35 (94,6)  18 (94,7)   
Terbinafina  3 (7,0)  1 (2,7)  1 (5,3)   
Griseofulvina + Terbinafina  12 (27,9)  1 (2,7)  0 (0,0)   
Tempo de tratamento (em semanas)      0,687c   
Média±DP  11,33±6,26  13,51±6,35  14,68±9,14   
Mediana  12,00  12,00  12,00   
a

Nível descritivo de probabilidade do teste Qui‐Quadrado.

b

Nível descritivo de probabilidade do teste exato de Fisher.

c

Nível descritivo de probabilidade do teste não paramétrico de Kruskal‐Wallis.

dNível descritivo de probabilidade da Análise de Variância a um fator.

Ao analisar esses dois grupos quanto ao tratamento realizado, nota‐se diferença estatisticamente significante (p<0,001) sobre a predominância de casos tratados no grupo M com griseofulvina (94,6%) frente 65,1% do grupo T, e 27,9% de casos do grupo T tratados com griseofulvina + terbinafina frente 2,7% no grupo M. Entretanto, não há diferença entre o tempo de tratamento para os grupos analisados.

A proporção dos agentes isolados em cultura, com predominância de casos relacionados a T. tonsurans, reforça um dado publicado por Peixoto et al.8 que levanta a discussão sobre mudança de predominância de M. canis para T. tonsurans na região Sudeste do Brasil, onde se localiza nosso Serviço de Dermatologia. Outro dado obtido no presente estudo é a falta de relação entre o agente isolado em cultura e o aspecto clínico apresentado pelo paciente.9 Isto até 2021, quando Meneses et al.10 associaram os padrões tricoscópicos da TC aos agentes isolados em cultura. Após essa análise, foi possível determinar com maior precisão qual provável parasita se encontra em cada caso, instituindo tratamento de maior eficácia antes de ter seu isolamento em cultura.

Essa recente descoberta, em conjunto com a percepção de mudança de prevalência de agente etiológico, explicam a desproporção entre os três grupos de tratamento: griseofulvina, terbinafina e griseofulvina + terbinafina. Com isso, a maioria dos casos aqui incluídos pertencem ao grupo tratado com griseofulvina (81,8%), seguido de 13,2% do grupo tratado inicialmente com griseofulvina que tiveram o antifúngico trocado para terbinafina, e apenas 5% de casos que receberam terbinafina desde o início.

Na prática clínica do serviço onde o estudo foi realizado, o uso da griseofulvina sempre foi de predileção para o tratamento da TC. Como apontado, com o passar dos anos, houve aumento dos casos de T. tonsurans, o que levou à mudança de antifúngicos durante o seguimento do paciente, de griseofulvina para terbinafina, após seu isolamento em cultura para fungos. Nos casos em que a tricoscopia evidenciou achados específicos de determinados agentes fúngicos, o antifúngico adequado foi instituído antes mesmo do isolamento em cultura, possibilitando o tratamento precoce mais adequado.

Estudos mundiais constatam que a terbinafina apresenta melhor eficácia nos casos relacionados ao gênero Tricophyton, enquanto a griseofulvina é superior no tratamento de TC causada por fungos do gênero Microsporum.6,7 No presente estudo, não foi possível realizar comparações entre medicamento utilizado e tempo de tratamento de cada espécie fúngica isolada em virtude do pequeno número de casos que fizeram uso de terbinafina isolada. Entretanto, ao agrupar os agentes em grupo M e grupo T, houve diferença estatisticamente significante (p<0,001) com predominância de casos tratados no grupo M com griseofulvina (94,6%) frente a 65,1% do grupo T com esse antifúngico, e de 27,9% de casos do grupo T tratados com griseofulvina + terbinafina frente a 2,7% no grupo M com essa associação. Apesar das ressalvas apresentadas, não houve diferença entre o tempo de tratamento entre os grupos M e T, o que será mais bem investigado nos próximos anos, no presente Serviço.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Carolina Gonçalves Contin Proença: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Gustavo de Sá Menezes Carvalho: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Guilherme Camargo Julio Valinoto: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Silvia Assumpção Soutto Mayor: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

John Verrinder Veasey: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Proença CGC, Carvalho GSM, Valinoto GCJ, Mayor SAS, Veasey JV. Tinea capitis: observations and clinical approach in a pediatric population of 99 cases. An Bras Dermatol. 2024;99:279–83.

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Hospital Central, São Paulo, SP, Brasil.

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