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Vol. 97. Núm. 6.
Páginas 783-785 (1 novembro 2022)
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Vol. 97. Núm. 6.
Páginas 783-785 (1 novembro 2022)
Dermatologia Tropical/Infectoparasitária
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Varíola dos macacos de transmissão sexual: relato de dois casos
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Paula Sian Lopesa, Gabriela Roncada Haddadb, Hélio Amante Miotb,
Autor para correspondência
helio.a.miot@unesp.br

Autor para correspondência.
a Clínica Paula Sian Lopes, São Paulo, SP, Brasil
b Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil
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Resumo

Varíola dos macacos é infecção emergente que se disseminou por todos os continentes desde maio de 2022. É causada pelo vírus zoonótico Monkeypox, composto por DNA de fita dupla, pertencente ao gênero Orthopoxvirus da família Poxviridae, e que apresenta alta transmissibilidade, especialmente por contato com a pele, favorecendo sua transmissão sexual. Relatamos um casal homoafetivo, ambos com 28 anos de idade, sem comorbidades. No caso índice, lesões periorais e penianas iniciaram‐se dez dias antes da consulta, com progressão rápida e febre alta de início oito dias após o surgimento das lesões. No segundo caso, as lesões periorais iniciaram‐se três dias depois do parceiro; porém, manteve‐se afebril. Ambos foram isolados, tratados com medidas sintomáticas e, após ulceração, as lesões involuíram completamente em 14 dias. Dermatologistas devem estar atentos para lesões vesicopustulosas em áreas de contato sexual como manifestação da varíola dos macacos, assim como casos oligossintomáticos ou com poucas lesões cutâneas.

Palavras‐chave:
Doenças virais sexualmente transmissíveis
Infecções sexualmente transmissíveis
Varíola dos macacos
Texto Completo

Em julho de 2022, a Organização Mundial da Saúde declarou varíola dos macacos (VM) emergência de saúde pública de importância internacional, visto que casos foram relatados em mais de 80 países, em todos os continentes. No início de agosto de 2022, mais de 2.100 casos, entre adultos e crianças, e um óbito em paciente imunossuprimido, foram confirmados no Brasil.1Monkeypox virus é vírus zoonótico com DNA de fita dupla envelopado, pertencente ao gênero Orthopoxvirus e à família Poxviridae. Surtos esporádicos de VM são relatados na África desde a década de 1970, normalmente originados do contato com reservatórios de vida selvagem, atualmente endêmica em comunidades sub‐Saharianas. Com a erradicação da varíola (1980) e a descontinuação da vacinação, a população mundial tornou‐se suscetível a infecções por poxvírus zoonóticos, e a VM emergiu como problema de saúde pública frente sua alta taxa de contágio.2–4

Em humanos, VM apresenta três estágios: incubação (7‐14 dias), sintomas gerais e erupção cutânea.5,6 Sintomas iniciais incluem febre, cefaleia, astenia, mialgia e linfadenopatia. Após 1‐5 dias, surge erupção cutânea maculopapular, com distribuição centrífuga. As lesões têm 0,5‐1 cm de diâmetro e podem ser desde poucas e locais a milhares, evoluindo sincronicamente em quatro fases (macular, papular, e vesicopustulosa com umbilicação central, antes de se ulcerar e resolver em 14‐21 dias).2

A transmissão da VM pode ocorrer por meio de grandes gotículas respiratórias, contato e, possivelmente, por fômites contaminados. Entretanto, ocorre principalmente pelo contato das lesões com a pele, e a maioria dos casos recentes ocorreu em homens que fazem sexo com homens. Lesões perineais e genitais sugerem transmissão por relações sexuais, e podem ser confundidas com herpes simples, molusco contagioso ou sífilis.2,5 O isolamento dos pacientes deve ser mantido por 14‐21 dias e dos contatos próximos por 14 dias.6 Os fatores de risco para VM incluem ser jovem do sexo masculino e comportamentos de risco, como sexo sem preservativo, com muitos parceiros, além de histórico de infecções sexualmente transmissíveis.4,6,7 Neste manuscrito, apresentamos um casal homoafetivo, com todos esses fatores de risco, que desenvolveu VM de transmissão sexual.

Caso índice

Paciente do sexo masculino, 28 anos, referia “ferida” no canto da boca há 10 dias, com progressão rápida, acompanhada de linfonodomegalia cervical, mialgia, cefaleia e febre (39°C) oito dias após o aparecimento inicial da lesão. Referia relações sexuais com outros parceiros, sem preservativo, e uso regular de profilaxia pré‐exposição para evitar contaminação pelo HIV. Mencionava ainda tratamento efetivo para sífilis latente há dois meses. Ao exame, apresentava‐se prostrado, com lesão úlcero‐crostosa de bordas ativas vesicopustulosas, de 1,5 cm na rima labial, com fundo necrótico, exsudativo e eritema local (fig. 1), linfonodomegalia cervical e supraclavicular dolorosa, com diâmetro de 2 cm e endurecida. Apresentava também três pústulas umbilicadas de 3 mm no corpo do pênis e linfonodomegalia inguinal (fig. 2).

Figura 1.

Varíola dos macacos. Pústulas confluentes esboçando umbilicação central, e área úlcero‐necrótica central, localizada no ângulo labial direito.

(0.58MB).
Figura 2.

Varíola dos macacos. Três pústulas com umbilicação central na haste do pênis.

(0.37MB).
Caso 2

Parceiro em união estável com o caso índice, sexo masculino, assintomático, 28 anos, referia “ferida” no ângulo da boca há uma semana. Foi também tratado para sífilis latente há dois meses, e referia uso regular de profilaxia pré‐exposição para evitar contaminação com HIV. Ao exame físico, encontrava‐se em bom estado geral, com linfonodomegalia submentoniana (2 cm, endurecidos, dolorosos e móveis), sem lesões genitais. Apresentava úlcera de 6 mm na rima labial esquerda de bordas ativas vesicopustulosa, com tecido necrótico central e base eritematosa (fig. 3).

Figura 3.

Varíola dos macacos. Pústula com centro deprimido e necrótico localizado no ângulo labial à esquerda.

(0.61MB).

Foram aventadas as hipóteses de herpes simples e VM. O hemograma apresentou linfocitose, a sorologia para HIV foi negativa e o teste não treponêmico (VDRL) resultou 1/8. O exame de PCR em tempo real (swab das lesões), realizado pelo laboratório Fleury (São Paulo), confirmou o diagnóstico de VM em ambos.

Os pacientes se recusaram à realização da biópsia das lesões por acufobia, e foram tratados com paracetamol, orientados ao isolamento de contato até a cicatrização das lesões, além de limpeza das lesões com antissépticos, que involuíram em 14 dias, deixando discromia residual.

Em série de 528 casos de VM oriundos de 16 países, 98% dos contaminados eram homens que praticavam sexo com homens, com idade mediana de 38 anos. Manifestações cutâneas foram identificadas em 95% dos casos. Área anogenital (73%), tronco e membros (55%) e face (25%) foram as áreas mais afetadas. Lesões nas palmas e plantas foram referidos em apenas 10% dos casos; porém, mucosas foram acometidas em 41%, e proctite isolada (14%) foi também relatada.2 Febre (62%), linfadenopatia dolorosa (56%), cefaleia (27%), prostração (41%) e mialgia (31%) foram os sintomas mais frequentes. Manifestações cutâneas são marcantes na VM, e o papel do dermatologista no diagnóstico precoce das lesões dermatológicas é imprescindível no controle do surto. Contudo, em 47% dos casos as lesões afetam até duas regiões do corpo, o que inflige certa confusão diagnóstica, especialmente com outras doenças sexualmente transmissíveis, em especial em grupo com comportamento de risco para contágio por via sexual.8,9

VM é doença autolimitada cuja mortalidade geral mostrou‐se baixa nesse surto global recente (< 0,1%). Contudo, crianças muito jovens e portadores de imunodeficiências podem apresentar manifestações clínicas mais graves, como encefalite, ceratite, miocardite, epiglotite e pneumonite, ou infecções bacterianas secundárias.2,9,10

O exame de PCR das lesões está se tornando largamente acessível nos laboratórios e hospitais dos maiores centros urbanos. O exame histopatológico das lesões pode sugerir o diagnóstico, além de excluir os demais diferenciais.

Dermatologistas devem estar atentos para possíveis manifestações da VM, como lesões vesicopustulosas em áreas de contato sexual e mucosas (anogenital e oral), assim como casos oligossintomáticos ou com poucas lesões cutâneas.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Paula Sian Lopes: Idealização do estudo, escrita e aprovação do texto final.

Gabriela Roncada Haddad: Idealização do estudo, escrita e aprovação do texto final.

Hélio Amante Miot: Idealização do estudo, escrita e aprovação do texto final.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
CDC – Center for Disease Control and Prevention. 2022 Monkeypox Outbreak Global Map, 2022. Atlanta, USA: 2022. [Acesso em 12 ago. 2022]. Disponível em: https://www.cdc.gov/poxvirus/monkeypox/response/2022/world‐map.html.
[2]
J.P. Thornhill, S. Barkati, S. Walmsley, J. Rockstroh, A. Antinori, L.B. Harrison, et al.
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N Engl J Med., 387 (2022), pp. 679-691
[3]
X. Liu, Z. Zhu, Y. He, J.W. Lim, B. Lane, H. Wang, et al.
Monkeypox claims new victims: the outbreak in men who have sex with men.
Infect Dis Poverty., 11 (2022), pp. 84
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A.J. Rodriguez-Morales, G. Lopardo.
Monkeypox: Another Sexually Transmitted Infection?.
Pathogens., 11 (2022), pp. 713
[5]
F. Zhu, L. Li, D. Che.
Monkeypox virus under COVID‐19: Caution for sexual transmission ‐ Correspondence.
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As monkeypox goes sexual: a public health perspective.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 36 (2022), pp. 1164-1166
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Monkeypox Genital Lesions.
N Engl J Med., 387 (2022), pp. 66
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Català A, Clavo Escribano P, Riera J, Martín‐Ezquerra G, Fernandez‐Gonzalez P, Revelles Peñas L, et al. Monkeypox outbreak in Spain: clinical and epidemiological findings in a prospective cross‐sectional study of 185 cases. Br J Dermatol. Epub 2022 Aug 2. Online ahead of print.
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[10]
Pastula DM, Tyler KL. An overview of monkeypox virus and its neuroinvasive potential. Ann Neurol. Epub 2022 Aug 6. Online ahead of print.

Como citar este artigo: Lopes PS, Haddad GR, Miot HA. Sexually‐transmitted monkeypox: report of two cases. An Bras Dermatol. 2022;97:783–5.

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.

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