Compartilhar
Informação da revista
Vol. 97. Núm. 1.
Páginas 49-53 (1 janeiro 2021)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
13931
Vol. 97. Núm. 1.
Páginas 49-53 (1 janeiro 2021)
Caso Clínico
Open Access
Eritema nodoso hansênico recalcitrante crônico: dilema terapêutico e papel da vacina para Mycobacterium indicus pranii
Visitas
13931
Sunil Kumar Gupta
Autor para correspondência
dr.sunil_30@yahoo.co.in

Autor para correspondência.
, Sushantika Kumari
Departamento de Dermatologia, All India Institute of Medical Sciences, Gorakhpur, Índia
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (2)
Tabelas (1)
Tabela 1. Lista de medicamentos experimentados no ENH recalcitrante crônico
Resumo

O eritema nodoso hansênico é uma reação imunológica grave que complica o curso normal da hanseníase multibacilar. Há um aumento da ativação das células T no eritema nodoso hansênico. As modalidades de tratamento disponíveis até o momento para o manejo são esteroides sistêmicos, talidomida, metotrexato, ciclofosfamida, azatioprina, minociclina e apremilaste, mas nenhum deles é promissor e seguro. Mycobacterium indicus pranii é uma micobactéria atípica com fortes propriedades imunomoduladoras. A vacina para esta micobactéria demonstrou ter efeitos imunoterapêuticos e imunoprofiláticos em pacientes com hanseníase multibacilar. Este relato de caso descreve um paciente com eritema nodoso hansênico recalcitrante crônico que respondeu à vacina para Mycobacterium indicus pranii sem quaisquer efeitos adversos, sugerindo seu papel como nova opção terapêutica nessa reação.

Palavras‐chave:
Eritema nodoso
Hanseníase
Infecções por Mycobacterium
Vacinas
Texto Completo
Introdução

A hanseníase é uma doença infecciosa causada por Mycobacterium leprae. A doença afeta os nervos periféricos, a pele, a mucosa do trato respiratório superior e os olhos. O curso indolente da doença é interrompido por surtos agudos denominados reações hansênicas (reação reversa e eritema nodoso hansênico [ENH]). O ENH é caracterizado por conjuntos de pápulas e nódulos doloridos, febre alta e outros sintomas constitucionais. O tratamento do ENH recalcitrante crônico é difícil e geralmente requer agentes sistêmicos como corticosteroides, talidomida, clofazimina, minociclina ou imunomoduladores, sozinhos ou em combinação, por muitos meses.1 A vacina para Mycobacterium indicus pranii (MIP) demonstrou ter efeitos imunoterapêuticos e imunoprofiláticos em pacientes com hanseníase multibacilar.2 Ela também reduziu a carga bacilar, melhorou as lesões a nível imuno‐histológico, levou à eliminação completa do granuloma e reduziu a duração da terapia multidrogas (TMD) em pacientes com hanseníase.

Essa vacina não foi amplamente testada em pacientes com reações hansênicas, pois havia o risco de precipitar uma reação grave após a vacinação. Nesse caso, a vacina foi testada em um paciente com ENH que era dependente de esteroides e refratário à talidomida e outros medicamentos de segunda linha, e um resultado muito satisfatório foi verificado com uma única dose da vacina para MIP.

Relato do caso

Um homem de 55 anos procurou o ambulatório de dermatologia com história de hanseníase, para a qual fazia uso de TMD havia um ano e meio. Nos últimos 8 meses, o paciente vinha desenvolvendo febre com nódulos doloridos e evanescentes por todo o corpo. O exame físico geral também revelou infiltração difusa com madarose supraciliar (fig. 1). O exame sensorial mostrou padrão de hipoestesia com distribuição em luva e meia. O exame neurológico mostrou espessamento leve simétrico bilateral dos nervos ulnar e fibular comum, mas nenhuma sensibilidade, e a força nos músculos das mãos e dos pés estava dentro do limite normal. O paciente foi diagnosticado como um caso de hanseníase virchowiana com ENH. As investigações de rotina estavam dentro dos limites normais, exceto leucocitose e índice bacteriológico (IB) 5+. De acordo com a escala de gravidade do Erythema Nodosum Leprosum International Study (ENLIST), dor=3, febre=3, lesões=2, inflamação=3, extensão da lesão=2, edema periférico=1, dor óssea=1, artrite=1, linfadenopatia=0 e neurite=0, o escore foi 16.3

Figura 1.

Hanseníase virchowiana com ENH mostrando as lesões antes da vacinação.

(0.47MB).

O paciente iniciou tratamento com talidomida 300mg/dia, MB‐TMD com 300mg/dia de clofazimina, metilprednisolona 32mg e analgésicos para alívio da dor. Após duas semanas, o paciente começou a desenvolver neurite ulnar com aumento de dormência tanto nas mãos quanto nos pés. Por isso, a talidomida foi interrompida e minociclina 100mg foi iniciada. Entretanto, não houve melhora no ENH após um mês. Em seguida, o paciente também começou a receber metotrexato oral 15mg/semana. Mesmo após quatro semanas de tratamento com uma combinação de metilprednisolona, metotrexato, minociclina, analgésico e MB‐TMD, a condição do paciente permaneceu a mesma, com o aparecimento frequente de lesões. Em seguida, todos os medicamentos foram interrompidos, exceto a TMD e os analgésicos, e a vacinação MIP foi planejada após obtermos o consentimento. O paciente recebeu a vacina para MIP, 0,1mL por via intradérmica em ambos os braços (ao redor da inserção do músculo deltoide). O paciente não se queixou de nenhum efeito colateral decorrente da vacinação. A condição do paciente melhorou muito após duas semanas (fig. 2). Posteriormente, ele recebeu TMD potencializada com minociclina e analgésicos pelos seis meses seguintes. No seguimento posterior (após duração total do tratamento de dois anos e três meses), o paciente foi avaliado clinicamente e o IB foi reduzido para 4+sem recorrência.

Figura 2.

Hanseníase virchowiana com ENH mostrando a eliminação das lesões após a vacina MIP.

(0.53MB).
Discussão

A OMS lançou uma “Estratégia global para a hanseníase 2016–2020” de 5 anos, em abril de 2016, intitulada “Aceleração rumo a um mundo sem hanseníase”. Com base no total de casos no final de 2018, a taxa de prevalência da hanseníase corresponde a 0,2/10.000, de acordo com a OMS.4 A incidência de ENH em pacientes com hanseníase multibacilar é de até 24%. O ENH pode ocorrer antes, durante ou após o tratamento anti‐hanseníase, mas é mais comum nos primeiros seis meses de tratamento.

O ENH é uma complicação inflamatória imunomediada. Ele ocorre em razão da liberação de mediadores pró‐inflamatórios, como o fator de necrose tumoral (TNF)‐alfa, interferon (IFN)‐gama e interleucinas (IL)‐2, IL‐6 e IL‐12, IL‐17.5 Há um aumento da ativação de células T no ENH não tratado. A proporção de células T regulatórias para células T efetoras de memória diminuiu no ENH em comparação com os controles com hanseníase virchowiana (HV) e mais células T são antígeno‐experientes no ENH.6

Corticosteroide em altas doses são a base do tratamento do ENH, mas seu uso prolongado leva a sérios efeitos adversos e dependência de esteroides. Os medicamentos de segunda linha, como talidomida, clofazimina, pentoxifilina, ciclofosfamida e metotrexato, também são muito eficazes e usados como agentes poupadores de esteroides.1 Às vezes, o ENH crônico torna‐se refratário aos medicamentos de segunda linha e representa um dilema terapêutico. Uma pesquisa bibliográfica no PubMed revelou o papel de azatioprina, inibidores do TNF‐α, minociclina e apremilaste no tratamento do ENH recalcitrante crônico, mas alguns deles estão associados a efeitos adversos inaceitáveis, maior duração e alto custo de tratamento (tabela 1).7–9

Tabela 1.

Lista de medicamentos experimentados no ENH recalcitrante crônico

Medicamento  Referência  Tipo de estudo  Dose e duração  Pacientes  Tipo de hanseníase e duração  ENH refratário a medicamentos  IB‐pré/pós‐tratamento 
InfliximabeFaber WR et al. N Engl J Med. 2006;355:739Relato de caso (letter)300mg i.v. nas semanas 1, 2, e 652 anos, sexo femininoHBV, 8 mesesPrednisolona  5+/não disponível
Talidomida 
Pentoxifilina 
EtanercepteMichele L et al. Clinical Infectious Diseases, 2011;52(5):e133‐5Relato de caso50 mg/semana s.c.×2 anos33 anos sexo feminino  HV, 2 mesesPrednisona  2+a 4+/ não disponível
  Talidomida 
  Clofazimina 
Chowdhry S et al. Int J Mycobacteriol,2016;5(2):223‐5Relato de caso50 mg/semana s.c.×16 semanas49 anos, sexo masculinoHV, 2 mesesPrednisolona  6+/não disponível
Clofazimina 
Talidomida 
Minociclina 
Claritromicina 
Ofloxacina 
Pentoxifilina 
Azatioprina 
Santos JRS et al. An Bras Dermatol. 2017;92(4):575‐7Relato de caso50 mg/semana s.c.×11 meses40 anos, sexo masculinoHV, 1 anoPrednisolona  Não disponível
Talidomida 
MinociclinaNarang T et al JAMA Dermatol. 2015;151(9): 1026‐8Estudo piloto prospectivo100 mg/dia×3 meses10 pacientes8 HV+1 HBV+1 histoide no último anoPrednisolona  2+/ diminuição de 1 log
Clofazimina 
Talidomida 
Pentoxifilina 
Colchicina 
Hidroxicloroquina 
Azatioprina 
AzatioprinaJitendra SSV et al. J Clin Diagn Res. 2017;11(8):FD01‐FD02Relato de caso100 mg/dia×12 meses48 anos, sexo masculinoHV, 4 anosPrednisolona  6+/não disponível
Clofazimina 
Talidomida 
ApremilasteNarang T et al. Br J Dermatol. 2020;182(4):1034‐7Relato de caso30 mg BID 2×/dia seguida do escalonamento da dose padrão na primeira semana×5 meses34 anos, sexo masculinoHV, 8 mesesPrednisolona  Não disponível
Clofazimina 
Colchicina 
31 anos, sexo masculinoHV, 12 mesesMinociclina 
Pentoxifilina 
Talidomida 

HV, hanseníase virchowiana; HBV, hanseníase borderline virchowiana; ENH, eritema nodoso hansênico; IB, índice bacteriológico; i.v., intravenoso; s.c., subcutâneo.

A vacina para MIP é uma suspensão autoclavada de micobactérias não patogênicas. Ela modula a resposta imune celular em direção ao tipo protetor Th1, que converte quase 98% dos contatos saudáveis normais lepromina‐negativos para um estado lepromina‐positivo.2 Anteriormente, a vacina era evitada em reações hansênicas, pois havia a suspeita de que precipitasse as mesmas. Mas a observação do presente estudo sobre o uso de uma única dose da vacina MIP no ENH recalcitrante crônico fornece uma visão sobre como eliminar o estado de reação aguda da doença também. O ENH é desencadeado quando há abundância de bacilos fragmentados ou granulares nos tecidos. Foi postulado, ainda, que há um desequilíbrio de subconjuntos de células T imunorreguladoras no ENH. Isso se manifesta como um aumento da proporção de células T auxiliares (CD4+) para células T‐supressoras/citotóxicas (CD8+) no sangue. Uma diminuição nas células T CD8+pode favorecer a formação e a deposição de complexos imunes. Após a imunização com a vacina para MIP, há uma eliminação bacteriológica acelerada e indução de secreção de IFN‐γ, TNF‐α e IL‐12, maior atividade citotóxica das células NK e células T CD8+e diminuição do recrutamento de células B.10 Essa é a possível explicação do papel da vacina para MIP no ENH.

Como existem opções terapêuticas limitadas no ENH, a utilização dessa vacina em alguns casos resistentes ao tratamento só nos ajudará no futuro. Embora este caso sugira que a vacina para MIP não é apenas uma modalidade preventiva, mas também uma terapia complementar a outros regimes anti‐ENH, serão necessários ensaios clínicos randomizados futuros para explorar mais possibilidades com essa vacina.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuições dos autores

Sunil Kumar Gupta: Concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito.

Sushantika Kumari: Concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
N.H.J. Veen, D.N.J. Lockwood, W.H. Brakel, J. Ramirez Junior, J.H. Richardus.
Interventions for erythema nodosum leprosum.
Cochrane Database Syst Rev., 8 (2009), pp. 6949
[2]
R. Kamal, M. Natrajan, K. Katoch, M. Arora.
Clinical and histopathological evaluation of the effect of addition of immunotherapy with Mw vaccine to standard chemotherapy in borderline leprosy.
Indian J Lepr., 84 (2012), pp. 287-306
[3]
C. Baima de Melo, B.D. Silva de Sá, F.A.C. Costa, E.N. Sarno.
Epidemiological profile and severity of erythema nodosum leprosum in Brazil: a cross‐sectional study.
Int J Dermatol., 59 (2020), pp. 856-861
[4]
P.N. Rao, S. Suneetha.
Current Situation of Leprosy in India and its Future Implications.
Indian Dermatol Online J., 9 (2018), pp. 83-89
[5]
A. Polycarpou, S.L. Walker, D.N.J. Lockwood.
A Systematic Review of Immunological Studies of Erythema Nodosum Leprosum.
Front Immunol., 8 (2017), pp. 233
[6]
E. Negera, K. Bobosha, S.L. Walker, B. Endale, R. Howe, A. Aseffa, et al.
New Insight into the Pathogenesis of Erythema Nodosum Leprosum: The Role of Activated Memory T‐Cells.
Front Immunol., 8 (2017), pp. 1149
[7]
J.R.S. Santos, D.L. Vendramini, J.A.D.C. Nery, J.C.R. Avelleira.
Etanercept in erythema nodosum leprosum.
An Bras Dermatol., 92 (2017), pp. 575-577
[8]
T. Narang, A. Kaushik, S. Dogra.
Apremilast in chronic recalcitrant erythema nodosum leprosum: a report of two cases.
Br J Dermatol., 182 (2020), pp. 1034-1037
[9]
S.S.V. Jitendra, R. Bachaspatimayum, A.S. Devi, S. Rita.
Azathioprine in Chronic Recalcitrant Erythema Nodosum Leprosum: A Case Report.
J Clin Diagn Res., 11 (2017), pp. FD01-FD02
[10]
A. Sharma, M. Saqib, J.A. Sheikh, N.Z. Ehtesham, S. Bhaskar, T.K. Chaudhuri.
Mycobacterium indicus pranii protein MIP_05962 induces Th1 cell mediated immune response in mice.
Int J Med Microbiol., 308 (2018), pp. 1000-1008

Como citar este artigo: Gupta SK, Kumari S. Chronic recalcitrant erythema nodosum leprosum: therapeutic dilemma and role of mycobacterium indicus pranii vaccine. An Bras Dermatol. 2022;97:49–53.

Trabalho realizado no All‐India Institute of Medical Sciences, Gorakhpur, UP, Índia.

Copyright © 2021. Sociedade Brasileira de Dermatologia
Baixar PDF
Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.