Um homem de 76 anos com diagnóstico prévio de diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão veio ao Departamento de Dermatologia com histórico de 20 anos de lesões pruriginosas progressivas. Ele havia sido tratado com antifúngicos tópicos e corticosteroides, sem resposta.
O exame físico revelou placas anulares múltiplas, grandes e bem circunscritas no tronco, região dorsal e braços. As lesões mostravam cicatriz central circundada por zona inflamatória vermelha e borda eritematosa palpável na periferia das placas. Também foi observada hiperpigmentação pós‐inflamatória (fig. 1A e B). A dermatoscopia na periferia das lesões mostrou zonas alaranjadas sem estrutura, sobre fundo eritematoso, com algumas áreas esbranquiçadas e vasos finos na superfície (fig. 1C).
Foi realizada biopsia cutânea da borda da lesão; a análise histopatológica com a coloração Hematoxilina & eosina mostrou múltiplos focos de células gigantes multinucleadas e histiócitos, e áreas de degeneração do colágeno na derme (fig. 2A e B). Não foi observado nenhum aumento na mucina intersticial (fig. 3A). A coloração pelo método de Verhoeff‐Van Gieson mostrou elastoclasia e ausência de fibras elásticas nos focos de infiltrado histiocitário (fig. 3B e C). Diante da apresentação clínica do aspecto histopatológico, foi diagnosticado granuloma anular elastolítico de células gigantes (GAECG).
(A) Histopatologia (Hematoxilina & eosina, 100×); infiltrado perivascular e intersticial com linfócitos e numerosos histiócitos. Áreas de degeneração do colágeno circundadas por múltiplos histiócitos e células gigantes multinucleadas. (B) Coloração de Hematoxilina & eosina (200×); degeneração do colágeno na derme
(A) Coloração azul de Alcian (100×); ausência de mucina. (B) Coloração de Verhoeff‐Van Gieson para fibras elásticas (200×); elastofagocitose e elastoclasia na borda ativa de uma placa. (C) Coloração de Verhoeff‐Van Gieson para fibras elásticas (200×); ausência de fibras elásticas na região central da mesma placa
O GAECG é doença granulomatosa cutânea rara de etiologia desconhecida. Foi descrito pela primeira vez por O’Brien em 1975 como variante do granuloma anular localizado em áreas fotoexpostas.1 Entretanto, atualmente é considerada entidade distinta em virtude de seus achados histopatológicos característicos: granulomas sem paliçada na derme superficial, células gigantes multinucleadas abundantes, elastofagocitose acentuada e ausência de mucina e necrobiose.2
Foi proposto que fatores como radiação ultravioleta, calor e dano vascular poderiam gerar elastólise e alteração antigênica das fibras elásticas, desencadeando uma resposta imune celular e consequente reação granulomatosa.1,3 O GAECG tem sido associado a diabetes mellitus, hiperlipidemia, hipertensão, oclusão vascular, artrite e neoplasias malignas hematológicas e de órgãos sólidos.4
Clinicamente, é caracterizado por pápulas ou placas anulares em áreas fotoexpostas, de crescimento lento com bordas eritematosas e centro levemente hipopigmentado ou atrófico.1 Formas papulares, reticulares e variantes que envolvem áreas não expostas – como no presente caso – foram descritas.3 Dermatoscopicamente, áreas amarelo‐alaranjadas sem estrutura e descamação na periferia foram relatadas, com vasos reticulares homogêneos no centro da lesão.5
O paciente do presente caso foi investigado para outras associações; não foram encontradas comorbidades, e a triagem de câncer apropriada para a idade foi negativa. Como o paciente trabalhou em mineração subterrânea por mais de 30 anos, foi aventada a hipótese de que a distribuição incomum de suas lesões poderia ser explicada pelo calor, e não pela exposição à luz solar.
O diagnóstico diferencial inclui outras doenças granulomatosas e anulares, como tinea corporis, hanseníase, tuberculose, sarcoidose, granuloma anular e necrobiose lipoídica.6 A análise histopatológica é fundamental para obter‐se o diagnóstico correto. Culturas micológicas e micobacterianas também podem ser necessárias para excluir doenças infecciosas.
O presente relato apresenta um caso de GAECG em área não exposta ao sol, que foi diagnosticado e tratado de maneira errônea por décadas. O GAECG é doença rara que deve ser incluída no diagnóstico diferencial de placas anulares, nos quais a histopatologia é fundamental para excluir outras doenças autoimunes e infecciosas.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresClaudia Suárez: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Gonzalo Hevia: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Catalina Silva‐Hirschberg: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Alex Castro: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.