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Vol. 99. Núm. 5.
Páginas 766-768 (1 setembro 2024)
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Vol. 99. Núm. 5.
Páginas 766-768 (1 setembro 2024)
Cartas ‐ Tropical/Infectoparasitária
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Perfil clínico‐epidemiológico dos pacientes com hanseníase submetidos a retratamento em centro de referência da região Sudeste do Brasil
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Guilherme Holanda Bezerraa,
Autor para correspondência
guilherme.h.b@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Paulo Eduardo Neves Ferreira Velhob, Andréa Fernandes Eloy da Costa Françab
a Unidade de Especialidades Clínicas, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
b Departamento de Dermatologia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil
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Tabela 1. Perfil epidemiológico dos pacientes com hanseníase submetidos a retratamento no período de 2010 a 2020
Tabela 2. Classificação dos casos de retratamento da hanseníase segundo critérios do Ministério da Saúde
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Prezado Editor,

A hanseníase é doença infectocontagiosa crônica causada por bacilos álcool‐ácido‐resistentes do complexo Mycobacterium leprae, com predileção por nervos periféricos e pele. A alta incidência e morbidade da doença no Brasil classificam‐na como um problema de saúde pública.1,2 Seu diagnóstico é iminentemente clínico‐epidemiológico, podendo ser complementado pela pesquisa direta do agente, exames laboratoriais e histológicos.3

O tratamento varia, de acordo com a classificação operacional da doença, em paucibacilar (PB) ou multibacilar (MB), por meio da associação das medicações rifampicina, dapsona e clofazimina (multidrogaterapia ou MDT), por seis a 12 meses.1

Os casos que necessitam de retratamento são classificados como recidiva, insuficiência terapêutica, falência terapêutica ou reinfecção, a partir de critérios clínicos e laboratoriais. Em documentos oficiais, a recidiva da hanseníase ocorre em casos tratados regularmente com esquemas oficiais e corretamente indicados que voltam a apresentar doença clínica após alta por cura. Já a insuficiência terapêutica se dá quando o tratamento não foi adequado ou suficiente. A falência terapêutica implica em persistência de sinais e sintomas de hanseníase mesmo após 12 a 24 doses de tratamento ou manutenção de bacilos íntegros.4 Por fim, a reinfecção corresponde à reexposição ao bacilo com doença clínica após alta por cura.5

Procurou‐se caracterizar os pacientes que retrataram hanseníase em um serviço de referência estadual de saúde da região Sudeste do Brasil entre 2010 e 2020, classificando‐os segundo os critérios de recidiva, insuficiência terapêutica, falência terapêutica e reinfecção, por meio de estudo observacional, retrospectivo, não intervencionista, realizado a partir da revisão de prontuários e após aprovação do Comitê de Ética da referida instituição (CAAE 36518420.0.0000.5404).

Com média de 30 a 50 pacientes atendidos por mês, encontrou‐se 18 pacientes que foram submetidos a retratamento para hanseníase no período (tabelas 1 e 2).

Tabela 1.

Perfil epidemiológico dos pacientes com hanseníase submetidos a retratamento no período de 2010 a 2020

Variável  Pacientes (n=18) 
Sexo7 mulheres 
11 homens 
Escolaridade10 Ensino Fundamental 
6 Ensino Médio/Superior 
2 ignorado 
Idade no primeiro tratamento (média)  38,9 anos (15‐75 anos) 
Forma clínica do primeiro tratamento   
HT 
HD  10 
HV 
Índice baciloscópico (IB) no primeiro tratamento   
≤ 3 
>
Desconhecida 
Grau de incapacidade no primeiro tratamento   
13 
Desconhecida 
Número de tratamentos   
2 tratamentos  14 
≥ 3 tratamentos 
Tempo entre o primeiro e o segundo tratamento (média)  6 anos (2‐20 anos) 

HT, hanseníase tuberculoide; HD, hanseníase dimorfica; HV, hanseníase virchowiana.

Fonte: Pesquisa direta.

Tabela 2.

Classificação dos casos de retratamento da hanseníase segundo critérios do Ministério da Saúde

Variável  Pacientes (n=18) 
Recidiva 
Insuficiência terapêutica   
Alta carga bacilar (IB ≥ 3+
Classificação errônea 
Esquema de tratamento 
Falência terapêutica 
Reinfecçãoa 
a

Intervalo entre o primeiro e último tratamento >20 anos e epidemiologia positiva.

IB, índice baciloscópico.

Fonte: Pesquisa direta.

Em oito pacientes (44%) foi feita a pesquisa de resistência bacteriana por biologia molecular, dos quais apenas um apresentou resistência à dapsona (mutação no gene folP1), classificado no retratamento como falência terapêutica. Todos os pacientes evoluíram com reação hansênica entre os tratamentos (83,3% do tipo 2). Seis pacientes foram tratados com poliquimioterapia para multibacilar (PQT‐MB) sem dapsona (tendo ofloxacina como fármaco substitutivo) no primeiro tratamento, e 10 usaram o esquema PQT‐MB padrão por 12 meses.

O esquema terapêutico mais usado no retratamento foi a PQT‐MB padrão, com extensão de uso para 24 meses; porém, em casos selecionados, foi usado minociclina e ofloxacina, adicionalmente.

Os dados descritos estão em concordância com a literatura, que refere ser a recidiva na hanseníase mais comum entre os pacientes multibacilares com 85% e o tempo para retratamento superior a cinco anos.6 No entanto, Brito et al.7 descreveram episódios reacionais em apenas 34% dos pacientes retratados, em contraste com a frequência alta encontrada no presente estudo. As reações hansênicas, sobretudo se crônicas ou subentrantes, podem trazer muitas dúvidas quanto à presença de doença em atividade.8 A persistência da reação hansênica por período igual ou superior a cinco anos em pacientes com alta carga bacilar, assim como a presença de bacilos viáveis (ou em globias) na histologia, foram critérios usados no presente estudo para a indicação de retratamento.

Os diagnósticos de recidiva e resistência bacteriana na hanseníase têm sido uma preocupação mundial crescente. Entre 2017 e 2021, a região Sudeste do Brasil foi a terceira a documentar mais casos de recidiva no país.2

A resistência medicamentosa é causa de falência terapêutica. No Brasil, aponta‐se uma frequência em torno de 10% de resistência à dapsona entre as recidivas, semelhante ao descrito no mundo.9,10 Esforços recentes têm sido despendidos para a melhor investigação dos casos de recidiva, com a inclusão da pesquisa de resistência medicamentosa e mutação em nível nacional.9,10

Mais da metade dos casos revisados no presente estudo foi reposicionada como insuficiência terapêutica. Esses casos apresentaram alto índice baciloscópico (IB), fator de risco para a persistência dos bacilos quando tratados com o esquema convencional de PQT‐MB com 12 doses.9,10 Chama a atenção também o encontro de cinco pacientes (27,8%) que foram tratados com esquemas substitutivos no primeiro tratamento (ofloxacina no lugar da dapsona), podendo‐se gerar dúvidas sobre a real eficácia das medicações alternativas.6

A insuficiência terapêutica é causa frequente de retratamento na hanseníase. É necessária melhor definição dos critérios que posicionam os pacientes retratados. A pesquisa sistemática de resistência medicamentosa e o desenvolvimento de novas e melhores estratégias terapêuticas podem ajudar a diminuir a incidência da doença no Brasil.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Guilherme Holanda Bezerra: Concepção do estudo; análise dos resultados; coleta dos dados; escrita do texto; revisão e aprovação do texto final.

Paulo Eduardo Neves Ferreira Velho: Concepção do estudo; análise dos resultados; escrita do texto; revisão e aprovação do texto final.

Andréa Fernandes Eloy da Costa França: Concepção do estudo; análise dos resultados; coleta dos dados; escrita do texto; revisão e aprovação do texto final.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Hanseníase. Brasília: Ministério da Saúde, 2022.
[2]
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico sobre Hanseníase. Ed. Especial. Brasília: Ministério da Saúde; 2023. [Acesso em 22 ago. 2023]. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt‐br/centrais‐de‐conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/especiais/2023/boletim_hanseniase‐2023_internet_completo.pdf>.
[3]
L.A.R. Froes Junior, M.N. Sotto, M.A.B. Trindade.
Leprosy: clinical and immunopathological characteristics.
An Bras Dermatol., 97 (2022), pp. 338-347
[4]
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Nota informativa n° 51, de 2015 CGHDE/DEVIT/SVS/MS. Brasília, 2015. [Acesso em 28 ago. 2022]. Disponível em: <https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020‐04/notainformativa51recidivaresisteinsuficienciamedicamentosanahanseniase.pdf>.
[5]
A. da Silva Rocha, A.A.C. dos Santos, P. Pignataro, J.A. Nery, A.B. de Miranda, D.F. Soares, et al.
Genotyping of mycobacterium leprae from Brazilian leprosy patients suggests the occurrence of reinfection or of bacterial population shift during disease relapse.
J Med Microbiol., 60 (2011), pp. 1441-1446
[6]
World Health Organization. Report of meeting on sentinel surveillance for drug resistance in leprosy, 22‐23 August 2011, Hyderabad, India. [Acesso em 23 abr. 2022]. Disponível em: <https://www.who.int/publications/i/item/SEA‐GLP‐2012.4>.
[7]
M.F.M. Brito, R.A.A. Ximenes, M.E.N. Gallo.
O Retratamento por recidiva em hanseníase.
An Bras Dermatol., 80 (2005), pp. 255-260
[8]
Oliveira MLWDR. Cura da hanseníase: magnitude das recidivas no Brasil, estudo de coorte de diferentes esquemas terapêuticos e fatores de risco. [Tese de Doutorado] Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.1996. p.113.
[9]
P.S. Rosa.
A questão da recidiva associada à resistência medicamentosa em hanseníase.
Hansen Int., 36 (2011), pp. 7-8
[10]
S.M. Diório, P.S. Rosa, A.F.F. Belone, B.G.C. Sartori, L.M. Trino, I.M.F.D. Baptista, et al.
Recidivas associadas à resistência a drogas na hanseníase.
Hansen Int., 34 (2009), pp. 37-42

Como citar este artigo: Bezerra GH, Ferreira Velho PEN, França AFEC. Clinical‐epidemiological profile of leprosy patients undergoing retreatment at a reference center in southeastern Brazil. An Bras Dermatol. 2024;99:766–8.

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

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