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Vol. 98. Núm. 2.
Páginas 236-239 (1 março 2023)
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Cartas ‐ Investigação
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Prevalência do polimorfismo do gene filagrina (éxon‐3) em pacientes com dermatite atópica em população brasileira multirracial
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Cristina Marta Maria Laczynskia,
Autor para correspondência
crislacz@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Carlos D’Apparecida Santos Machado Filhoa, Hélio Amante Miotb, Denise Maria Christofolinic, Itatiana Ferreira Rodartc, Paulo Ricardo Criadoa
a Disciplina de Dermatologia, Centro Universitário FMABC, Santo André, SP, Brasil
b Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil
c Departamento de Genética, Centro Universitário FMABC, Santo André, SP, Brasil
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Dermatite atópica (DA) é doença crônica, multifatorial, cujo fenótipo clínico resulta da interação de fatores genéticos e ambientais.1 A desregulação imunológica e a integridade da barreira cutânea determinam sua gravidade, predispondo a infecções e permeabilidade a antígenos.2 É motivo comum de atendimento dermatológico, principalmente na infância (< 12 anos), representando 25,8% das consultas dermatológicas.3

O gene que codifica a filagrina (FLG) é altamente polimórfico, na região do complexo de diferenciação epidérmica (1q21.3), codificando as proteínas mais importantes envolvidas na homeostase da barreira cutânea. FLG é o principal fator genético associado à DA, e seu éxon‐3 transcreve a maior parte da proteína profilagrina. Alterações da barreira cutânea estão presentes em pacientes com DA sem alterações do gene FLG; entretanto, a presença de variantes que levam à perda de função foram associadas a fenótipos clínicos como doença persistente de início precoce, asma e sensibilização alérgica.1,4 Intensa disparidade étnica na frequência de variantes que levam à perda de função do gene FLG associadas à DA tem sido observada.5

Mais de 60 variantes do gene FLG que levam à perda de função do gene FLG foram identificadas em associação com DA; as mais comuns entre os europeus são c.1537C>T:R501X e 2282del4:S761Cfs*36 e, entre os africanos subsaarianos, c.9947C>G:S3316*. Poucos estudos foram realizados em pacientes latino‐americanos com DA. Nosso objetivo foi avaliar a frequência de variantes do gene FLG (no éxon‐3) entre pacientes com DA para comparar populações brasileiras e internacionais e explorar suas características clínicas.

Foi realizado estudo transversal no ambulatório de dermatologia (FMABC; Santo André, São Paulo). Oitenta pacientes com DA (critérios de Hanifin e Rajka) de ambos os sexos foram incluídos e examinados por dermatologista experiente para avaliar a gravidade da doença (SCORAD, EASI) e coletar amostras de sangue venoso para análise laboratorial e da mucosa oral para análise genética. Os participantes/responsáveis assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

A coleta para análise genética foi realizada por swab da mucosa da região bucinadora dos pacientes e colocado num tubo de ensaio estéril (Oragene Collector OG‐500®, DNA Genotek Inc., Kanata, Ontario), que foi submetido ao sequenciamento pelo método de Sanger.

A extração de DNA foi realizada utilizando precipitação com etanol, e um reagente prepIT 2P fornecido pelo kit Oragene.

A reação em cadeia da polimerase (PCR) e a análise de seu sequenciamento foram realizadas com foco no éxon‐3 para identificar as variantes genéticas mais comuns – c.1537C>T:R501X (rs61816761) e c.2282del4:S761Cfs*36 (rs558269137) utilizando primers validados da Thermo Fischer Scientific® (Applied Biosystems, Foster City, CA), (Hs00274028 forward: 5’CTA ACA CTG GAT CCC TGG TTC CTA 3’ e reverse 5’ CTG AGA CAG CAG AGC CAC CAA GA 3’ e Hs00395823, forward: 5’ CAG ACC TAT CTA CCG ATT GCT CGT 3’ e reverse: 5’ AAA TCA GGC ACTCGT CAC ACA CAG AA 3’). Essa estratégia possibilitou investigar outras variantes em áreas vizinhas ao loci alvo, mas não cobriu toda a região de codificação do éxon‐3 (fig. 1). Os produtos de PCR foram purificados com esferas de DNA (Agencourt – AMPure XP‐Beckman Coulter, Brea, CA). As amostras purificadas juntamente com 10 μL desses primers foram utilizadas para a reação de sequenciamento. O ciclo de sequenciamento foi realizado com o kit Big Dye Terminator v3.1 (Thermo Fisher Scientific). Os produtos de sequenciamento foram submetidos à eletroforese capilar no ABI 3500 DNA Analyzer (Applied Biosystems, Foster City, CA). Os dados de sequenciamento foram avaliados com o software Seq A(14) – Applied Biosystems, Foster City, CA. O PROVEAN (Protein Variation Effect Analyzer) v1.1 foi usado para prever se uma variação de sequência de proteína causada por uma substituição missense afetaria a função da proteína (disponível em https://provean.jcvi.org/index.php).

Figura 1.

Gene FLG incluindo distribuição dos éxons, tamanho dos éxons, íntrons, indicação de região de codificação da profilagrina, posição dos primers e eletroferogramas das três mais frequentes variantes patogênicas encontradas em nossa amostra.

(0.24MB).

A prevalência de cada variante identificada foi comparada ao banco de dados público brasileiro de variantes genômicas (ABraOm; hg38 – https://abraom.ib.usp.br/) com 1.171 amostras da população da mesma região e um banco de dados internacional (genomAD; v3.1.2 – https://gnomad.broadinstitute.org/) com 76.156 indivíduos não aparentados de diferentes etnias. A significância estatística foi definida como p ≤ 0,001.6

Dados demográficos principais, gravidade clínica, eosinofilia e níveis de IgE estão na tabela 1. A maioria dos pacientes apresentava DA moderada e grave (79%), níveis elevados de IgE (98%) e eosinofilia (68%).

Tabela 1.

Características principais clínicas, demográficas e laboratoriais da amostragem de DA (n=80)

Variáveis  Valores 
Sexo, n (%)
Feminino  40 (50) 
Masculino  40 (50) 
Idade (anos), média (DP)  16 (12) 
Fototipo, n (%)
I–II  24 (30) 
III–IV  51 (64) 
V–VI  5 (6) 
Etnia, n (%)
Caucasiana  54 (68) 
Asiática  1 (1) 
Africana  25 (31) 
Gravidade da DA, n (%)
Leve  17 (21) 
Moderada  45 (56) 
Grave  18 (23) 
SCORAD, média (DP)  36 (17) 
EASI, média (DP)  13.5 (10.2) 
Níveis elevados de IgEa, n (%)  79 (98) 
Eosinófilos>5%, n (%)  46 (68) 

DA, dermatite atópica; IgE, imunoglobulina sérica E; DP, desvio padrão; SCORAD, Scoring Atopic Dermatitis; EASI, Eczema Area Severity Index.

a

De acordo com os valores de referência para cada faixa etária: 0–1 ano: até 15,0 UI/mL; 1–2 anos: 1,0 a 19,0 UI/mL; 2–3 anos: até 32 UI/mL; 4–9 anos: até 101,0 UI/mL; acima de 15 anos: 1,0 a 183,0 UI/mL; mediana: 98,44.

Os resultados da análise genética da amostra de DA e a comparação com os dois controles populacionais estão na tabela 2. Vinte e seis variantes genéticas do éxon‐3 do gene FLG foram detectadas em 60 pacientes (75%; 95%IC: 65%–85%). Homozigose e heterozigose composta não foram identificadas.

Tabela 2.

Variantes do gene FLG (éxon 3) em 80 pacientes brasileiros com dermatite atópica e sua prevalência de acordo com os bancos de dados populacionais AbraOM (da mesma população brasileira) e com o gnomAD (de populações latinas, afro‐americanas, europeias e internacionais)

Variante  Zigosidade  dbSNP  Consequência proteica  DA, n (%)  AbraOM (Brasil)  gnomAD
            Latina/ miscigenada  Europeia  Afro‐americana  Internacional 
c.1396A>G  HT  rs2011331  T454A  38 (47,50)  33,09%  39,36%  16,02%  47,84%  30,25% 
c.1468C>T  HT  rs11584340  P478S  39 (48,75)  25,06%  35,76%  15,90%  13,81%  20,34% 
c.1476T>C  HT  rs561848191  Sinônimo  2 (2,50)  <0,01%  0,01%  <0,01%  0,53%  0,14% 
c.1521G>A  HT  rs75530805  Sinônimo  1 (1,25)  NA  <0,01%  <0,01%  <0,01%  <0,01% 
c.1521G>C  HT  rs75530805  Sinônimo  21 (26,25)  1,49%  0,60%  <0,01%  5,1%  1,47% 
c.1530G>C  HT  rs13376095  E498D  3 (3,75)  0,05%  0,22%  <0,01%  2,62%  0,74% 
c.1537C>T  HT  rs61816761  R501Xa  3 (3,75)  0,08%  <0,01%  <0,01%  <0,01%  <0,01% 
c.1591C>A  HT  rs12036682  H519N  1 (1,25)  0,03%  0,05%  0,06%  <0,01%  0,58% 
c.1665T>G  HT  rs152285733  Sinônimo  8 (10,00)  NA  NA  NA  NA  NA 
c.1712A>G  HT  rs546475787  H559R  6 (7,50)  <0,01%  <0,01%  <0,01%  <0,01%  <0,01% 
c.1737A>C  HT  rs71625187  Sinônimo  25 (31,25)  NA  <0,01%  <0,01%  <0,01%  <0,01% 
c.1777A>T  HT  rs145627745  T581S  31 (38,75)  0,09%  0,49%  1,37%  0,27%  0,79% 
c.1800T>C  HT  rs152285598  Sinônimo  14 (17,50)  NA  NA  NA  NA  NA 
c.2167C>T  HT  rs115087788  R711C  1 (1,25)  <0,01%  0,20%  <0,01%  0,82%  0,25% 
c.2210C>T  HT  rs3120655  T725I  13 (16,25)  8,07%  3,53%  0,17%  34,83%  9,98% 
c.2217C>A  HT  rs7512779  H727Q  2 (2,50)  1,96%  <0,01%  <0,01%  <0,01%  <0,01% 
c.2261C>A  HT  rs3120654  S742Y  13 (16,25)  8,03%  3,47%  0,13%  34,77%  10,06% 
c.2271T>C  HT  rs150144110  s745=  1 (1,25)  0,01%  <0,01%  <0,01%  0,19%  <0,01% 
c.2299G>A  HT  rs74129461  E755K  23 (28,75)  23,40%  34,96%  15,90%  7,73%  18,57% 
c.2282del4CAGT#  HT  rs558269137  S761Cfs*36#  3 (3,75)  0,06%  <0,01%  2,19%  <0,01%  1,26% 
c.2319A>C  HT  rs11204979  Sinônimo  2 (2,50)  0,82%  0,59%  <0,01%  5,41%  1,57% 
c.2377G>C  HT  rs148739675  D781H  1 (1,25)  0,21%  0,07%  <0,01%  0,66%  0,19% 
c.2396C>T  HT  rs77032592  S787F  1 (1,25)  0,56%  0,28%  <0,01%  3,26%  0,94% 
c.2512C>T  HT  rs115746363  R826Xa  2 (2,50)  0,13%  <0,01%  <0,01%  0,72%  0,21% 
c.2544T>C  HM  rs3120653  Sinônimo  37(46,25)  33,60%  <0,01%  <0,01%  0,02%  <0,01% 

dbSNP (rs), referência SNP número nas bases de dados internacionais (posição cromossômica); HT, heterozigose; HM, homozigose; DA, dermatite atópica; NA, não achada.

a

Mutação com perda de função (patogênica).

Variantes do gene FLG com perda de função da filagrina foram observadas em oito pacientes com DA (10%; 95% IC 3%–17%). Duas variantes prevalentes no mundo (c.1537C>T:R501X e 2282delCAGT:S761Cfs*36) foram observadas em seis pacientes (7,5%). Outra variante patogênica (c.2512C>T:R826X) foi identificada em dois pacientes (2,5%). Essas três variantes patogênicas foram mais prevalentes na amostra de DA que nos controles brasileiros (p<0,001). A variante 2282delCAGT:S761Cfs*36 é comum em europeus, enquanto c.2512C>T:R826X é comum entre afro‐americanos.

Foram encontradas oito variantes sinônimas do gene FLG, quatro delas amplamente distribuídas no Brasil e no mundo. Entretanto, quatro delas (c.1665T>G:rs152285733, c.1737A>C: sinônimo, c.1521G>A: sinônimo e c.1800T>C: sinônimo) foram observadas como mais comuns na amostra de DA do que no mundo (p <0,001). A variante c.1476T>C: sinônimo, rara na população brasileira e internacional (p <0,001), é comum entre afro‐americanos. O sinônimo c.2544T>C, considerado comum entre pacientes com DA e controles regionais, é extremamente raro no mundo (p <0,001).

Catorze variantes missense foram detectadas; duas delas (c.1712A>G:H559R, c.1777A>T:T581S) foram mais comuns entre pacientes com DA que controles regionais e internacionais (p <0,001).

Nenhuma variante do gene FLG foi associada à gravidade clínica da DA, eosinofilia ou IgE sérica elevada (p> 0,1).

Esses resultados reforçam o alto polimorfismo do éxon‐3 do gene FLG e sua associação étnica, dificultando a generalização dos resultados genômicos em relação aos fenótipos de DA, especialmente em populações altamente miscigenadas.5,7,8

Segundo a literatura, variantes nulas eram esperadas em 14%–42% dos pacientes com DA, e dessas, 20 encontradas no éxon‐3. Além disso, variações foram relatadas do gene FLG entre pacientes com DA de diferentes etnias.8

A população brasileira é multirracial após 500 anos de miscigenação entre indivíduos da Europa Ocidental, África e Ameríndia.9 As variantes c.2512C>T:R826X e 2282delCAGT:S761Cfs*36 nos pacientes com DA corroboram essas ancestralidades, embora a variante c.2544T>C: sinônimo seja uma característica dessa região.

Considerando associação epidemiológica com o desenvolvimento da doença, variantes do gene FLG perse não explicam completamente a variação na gravidade da DA, eosinofilia ou níveis elevados de IgE, reforçando os aspectos multifatoriais da doença.1,8,10

Por fim, identificamos variantes nulas do gene FLG (no éxon‐3) (c.1537C>T:501X, c.2282del4:S761Cfs*36 e c.2512C>T:R826X) em 10% dos pacientes brasileiros com DA, mesmo sem associação com as principais características clínicas da DA.

Suporte financeiro

Fundo de Apoio à Dermatologia do Estado de São Paulo – Sebastião Sampaio (FUNADERSP).

Contribuição dos autores

Cristina Marta Maria Laczynski: Concepção e desenho, aquisição, análise e interpretação dos dados.

Carlos D’Apparecida Santos Machado Filho: Revisão crítica do conteúdo intelectual.

Hélio Amante Miot: Revisão crítica do conteúdo intelectual.

Denise Maria Christofolini: Revisão crítica do conteúdo intelectual.

Itatiana Ferreira Rodart: Processamento do material genético, análise e interpretação dos dados e revisão do conteúdo intelectual.

Paulo Ricardo Coelho: Revisão crítica do conteúdo intelectual.

Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Agradecimentos

Aos pacientes que consentiram em participar deste estudo, ao Prof. Caio Parente Barbosa, do Departamento de Genética do Centro Universitário FMABC, a Juliana Zangirolami Raimundo, do Departamento de Bioestatística do Centro Universitário FMABC, e a Larissa K. Martinez Meirinho Magalhães, do Departamento de Dermatologia do Centro Universitário FMABC.

Referências
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Como citar este artigo: Laczynski CMM, Machado Filho CDS, Miot HA, Christofolini DM, Rodart IF, Criado PF. Prevalence of filaggrin gene polymorphism (exon‐3) in patients with atopic dermatitis in a multiracial Brazilian population. An Bras Dermatol. 2023;98:240–3.

Trabalho realizado no Centro Universitário FMABC, Santo André, SP, Brasil.

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