O ustequinumabe, anticorpo monoclonal direcionado à subunidade p40da interleucina (IL) 12 e IL‐23, é tratamento seguro e eficaz para a psoríase.1 Embora a maioria dos pacientes não apresente efeitos adversos graves, algumas condições neurológicas foram relatadas.2–6
Relatamos um caso da síndrome de encefalopatia posterior reversível (PRES) pelo ustequinumabe. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, n° 78147224.3.0000.5515, e o paciente assinou o termo de consentimento livre e esclarecido.
Paciente do sexo masculino, de 47 anos, com psoríase vulgar havia 20 anos, apresentava placas eritematodescamativas ocupando 28% da superfície corporal, com Índice de Área e Gravidade da Psoríase (PASI) de 24,4. Antecedentes de alcoolismo, esteatose hepática grau II e hipertensão arterial controlada. Evoluiu com progressão da doença, intolerância prévia ao metotrexato e sem resposta à acitretina.
Optamos por iniciar ustequinumabe, 90mg (dose ajustada ao peso >100kg), nas semanas 0 e 4, por via subcutânea, e manutenção a cada 12 semanas. Após a segunda dose (semana 6), o paciente desenvolveu subitamente confusão mental. Foi internado, suspenso o ustequinumabe pela suspeita de ser o responsável, e tratado com risperidona, anti‐hipertensivos, prometazina e lactulona. No terceiro dia, apresentou cefaleia e tetraparesia.
Ressonância magnética (RM) encefálica revelou na substância branca periventricular e subcortical dos lobos frontal e parietal pequenos focos de hipersinal bilaterais nas imagens de recuperação da inversão atenuada por fluido (FLAIR) e nas imagens da sequência ponderada por difusão (DWI); e focos de hipersinal na reconstrução dos mapas de coeficiente de difusão aparente (ADC), caracterizando restrição à mobilidade das moléculas de água, consistente com restrição verdadeira causada por focos isquêmicos (fig. 1). Os achados foram consistentes com o diagnóstico de PRES. Investigações laboratoriais descartaram infecções e doenças metabólicas ou inflamatórias, como as autoimunes, sendo impossível descartar a ocorrência de epifenômeno.
Ressonância magnética encefálica. (A) FLAIR (recuperação da inversão atenuada por fluido) mostrando pequenos focos de hipersinal localizados na substância branca periventricular e subcortical dos lobos frontal e parietal bilaterais. (B) Imagem ponderada em difusão (DWI) mostrando hipersinal dos focos puntiformes vistos em FLAIR, o que sugere edema citotóxico. (C) MAPA coeficiente de difusão aparente (ADC) confirma os achados da difusão, mostrando difusão restrita.
Os sintomas neurológicos reverteram com medidas de suporte e o paciente recebeu alta hospitalar no 10° dia com cloridrato de memantina oral.
RM encefálica três meses após revelou os mesmos focos de hipersinal em FLAIR, sem alterações nas sequências DWI e mapa ADC, correspondentes a pequenas áreas de gliose (cicatrizes).
Um ano depois, o paciente apresentava PASI zero, sem déficits neurológicos.
Os imunobiológicos representam um avanço no tratamento da psoríase e são cada vez mais utilizados.1 Foram relatados efeitos colaterais graves, principalmente com os anti‐TNF‐α. O ustequinumabe, embora seguro, também pode causar reações graves, incluindo complicações neurológicas, como PRES (tabela 1).1–6 Este é o primeiro caso documentado no Brasil e o sétimo no mundo. O desenvolvimento de PRES pode ocorrer logo após a indução,4,6 como neste caso, ou após anos de uso de ustequinumabe.2,3,5
Características dos casos de síndrome de encefalopatia posterior reversível (PRES) associada ao ustequinumabe relatados na literatura
Autores / Ano | Idade/sexo | Dose | Tempo de tratamento ao início dos sintomas | Indicação | Evolução clínica: déficit neurológico persistente | Evolução radiológica: imagens radiológicas persistentes |
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Gratton et al., 20112 | 65/feminino | 45 mg cada 12 semanas | 2 1/2 anos | Psoríase | Não | Não |
Dickson, Menter, 20173 | 58/masculino | 90 mg cada 8 semanas | 6 anos | Psoríase e artrite psoriática | Não | Não |
Mishra, Seril, 20184 | 18/feminino | 340 mg dose única de indução | 12 dias seguindo a indução | Doença de Crohn | Não | Não |
Mishra, Seril, 20184 | 54/masculino | 390 mg dose única de indução | 6 dias seguindo a indução | Doença de Crohn | Não | Não |
Jordan, Kinnucan, 20225 | 64/feminino | 90 mg cada 8 semanas | 2 1/2 anos | Doença de Crohn | Dificuldade a deambulação | Sim (1 mês após) |
Sarto et al., 20226 | 48/masculino | 390 mg seguido por 90 mg na semana 8 | 30 dias após a segunda dose | Doença de Crohn | Não | Sim (18 meses após) |
Este estudo | 47/masculino | 90 mg nas semanas 0 e 4 | 14 dias após a segunda dose | Psoríase | Não | Sim (3 meses após) |
PRES é uma desordem neurológica grave incomum frequentemente reversível, com sintomas agudos, incluindo cefaleia, alterações visuais, paresia, náusea, alteração da consciência e convulsões.7,8
Parece resultar da perda da autorregulação dos vasos cerebrais ou disfunção endotelial, mais associada à hipertensão maligna, eclâmpsia e agentes imunossupressores, como corticoides, micofenolato, ciclosporina, ciclofosfamida e metotrexato.6–8 O nome é impreciso, pois não se trata de alteração exclusiva das regiões cerebrais posteriores e não cursa sempre com reversão completa.6–8
A RM garante o diagnóstico e prevê o prognóstico, avaliando a reversibilidade ou não das lesões. Os achados clássicos são hipersinal difuso ou focal simétrico bilateral nas imagens FLAIR, predominantemente na substância branca, envolvendo as regiões posteriores, principalmente lobos occipital e parietal. Imagens atípicas, incluindo envolvimento do lobo frontal, gânglios da base, junção têmporo‐occipital e cerebelo, não rejeitam o diagnóstico.7
A maioria dos casos leva à neurotoxicidade relacionada ao edema vasogênico, sem restrição na sequência DWI e é reversível. Entretanto, são descritos cerca de 11% a 26% dos casos de infarto ou lesão tecidual com edema citotóxico, que é visto como difusão restrita, evoluindo com sequelas,7 como neste paciente, que evoluiu para lesões permanentes de imagem, talvez por atraso no diagnóstico.2–4
O tratamento da PRES não é consenso, mas direciona‐se à causa precipitante, além do manejo com antiepilépticos. Os sintomas geralmente desaparecem em uma ou duas semanas.9
A despeito da segurança do ustequinumabe e de outras drogas de uso crescente na prática dermatológica, nosso caso enfatiza sua associação com a ocorrência de eventos neurológicos potencialmente graves. O reconhecimento precoce e a condução adequada permitiriam prevenir ou reduzir possíveis sequelas neurológicas e o desfecho fatal.
EditorSílvio Alencar Marques.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão se aplica.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMarilda Aparecida Milanez Morgado de Abreu: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Naíra M. de A. Guaresemin: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Murilo de Oliveira Lima Carapeba: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Morgado de Abreu MAM, Guaresemin NMA, Carapeba MOL. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a patient treated with Ustekinumab. An Bras Dermatol. 2025;100:501177.
Trabalho realizado no Hospital Regional de Presidente Prudente, Universidade do Oeste Paulista, Departamento de Dermatologia, Presidente Prudente, SP, Brasil.