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Vol. 100. Núm. 6.
(Novembro - Dezembro 2025)
Cartas ‐ Caso clínico
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Disqueratose congênita segmentar – Um desafio diagnóstico
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Hiram Larangeira de Almeida Juniora,
Autor para correspondência
hiramalmeidajr@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Cecília Mazzoleni Facchinib, Camila Urach Colpob, Manuela Sallaberry Macielc, Ana Júlia Baschirotto Custódioc, Aline Paganellid
a Pós-Graduação em Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
b Serviço de Dermatologia, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
c Faculdade de Medicina, Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
d Centro de Anatomia Patológica, Pelotas, RS, Brasil
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Prezado Editor,

A disqueratose congênita (DC) é uma telomeropatia com tríade clássica: unhas distróficas, leucoplasia oral e pigmentação reticular cutânea.1–3 Ocorre majoritariamente em homens, podendo ser autossômica recessiva ou dominante; ou ligada a X recessiva. Inicialmente foi descoberta mutação no gene da disquerina/DKC1 no cromossoma X, com redução da atividade da telomerase, e consequente encurtamento telomérico, sendo a primeira ligação entre telômeros e doença em humanos.1

Mutações nos genes ACD, CTC1, NAF1, NHP2, NOP10, PARN, POT1, RTEL1, STN1, TERC, TERT, TINF2, WRAP53 e ZCHC8 também são descritas,2 aumentando a complexidade da enfermidade. Os genes TINF2 (12,5%), RTEL1 (14,5% – AD e 7,5% – AR), TERT (23,5%) e DKC1 (16% do total e 22% se forem masculinos) são os mais comumente afetados.1

Examinamos uma paciente de 40 anos, branca, que apresentava alterações palmoplantares, ungueais e manchas no tronco, assintomáticas, iniciadas aos 4 anos.

Ao exame físico, encontramos hiperqueratose com descamação lamelar em toda a planta direita, calcanhar esquerdo e focalmente na palma direita (fig. 1A‐B). O acometimento ungueal era heterogêneo: do segundo ao quarto pododáctilos, observou‐se micrononíquia à direita (fig. 1C), onde a região plantar era mais afetada; apresentava também anoníquia do segundo e quarto quirodáctilos direitos; à esquerda, apresentava diminuição da largura da lâmina ungueal do terceiro, pterígio do segundo e distrofia canalicular do quarto quirodáctilos (fig. 2).

Figura 1.

(A) Hiperqueratose difusa na planta direita. (B) Hiperqueratose focal na palma direita (setas). (C) Microníquia do segundo ao quarto pododáctilos direitos.

Figura 2.

Variabilidade do envolvimento ungueal. (A) Sulcos longitudinais. (B) Pterígio leve. (C) Pterígio intenso. (D) Anoníquia. A pele das falanges distais das unhas mais afetadas (C‐D) apresenta leve eritema e descamação.

A paciente apresentava manchas hipercrômicas irregulares reticuladas, com limite na linha média no abdome (fig. 3A). No dorso da mão direita observou‐se alteração pigmentar segmentar com hiper e hipocromia (fig. 3B). A mucosa oral não apresentava alterações.

Figura 3.

(A) Máculas hiper pigmentadas segmentares no abdome à direita. (B) Hipo e hiperpigmentação segmentar localizada no dorso da mão direita.

Os exames laboratoriais resultaram sem alterações; o exame micológico das plantas foi negativo. O anatomopatológico de lesão hiperqueratótica da palma direita demonstrou importante retificação da epiderme com orto-hiperqueratose; na derme, foram observadas fibrose e proliferação de pequenos vasos (fig. 4A), e da hiperpigmentação no abdome evidenciaram‐se focos de degeneração vacuolar de células basais com leve derrame pigmentar (fig. 4B). A coloração de Fontana‐Masson da área hiperpigmentada demonstrou distribuição irregular da melanina na epiderme e derrame pigmentar (fig. 4C).

Figura 4.

Microscopia óptica com achados inespecíficos. (A) Lesão hiperqueratótica da palma direita com importante retificação da epiderme com orto-hiperqueratose e na derme observam‐se fibrose e proliferação de pequenos vasos (Hematoxilina & eosina, 200×). (B) Hiperpigmentação no abdome com focos de degeneração vacuolar de células basais com leve derrame pigmentar (Hematoxilina & eosina, 400×). (C) Coloração de Fontana‐Masson demonstrando distribuição irregular de melanina na epiderme e derrame pigmentar (×200).

O único filho da paciente apresentava hiperqueratose palmoplantar bilateral, microníquias e leucoplasia na língua. Ele foi submetido a transplante de medula em virtude de aplasia de medula aos 4 anos, causando trombocitopenia importante. Seu sequenciamento evidenciou mutação no gene TINF2 – p.Arg282His (c.845G>A), descrita em casos autossômicos dominantes.

Telômeros consistem em repetições idênticas de aminoácidos, com efeito protetor aos cromossomas, e vão encurtando no decorrer da vida. Mutações nas proteínas envolvidas nesse processo levam ao envelhecimento celular precoce.1,2

A disqueratose congênita é telomeropatia multissistêmica rara,3,4 com manifestações mucocutâneas características: hiperpigmentação reticulada da pele e unhas distróficas, ambas presentes no quadro da paciente em questão, e leucoqueratose em mucosas,3,4 presente apenas no filho da paciente relatada.

O quadro clínico segmentar dessa paciente deve‐se provavelmente a mosaicismo, por mutação mais tardia, chamada de mutação pós‐zigótica, levando duas populações de células, carreadoras ou não da mutação, com a repercussão clínica de alterações seguindo linhas embrionárias, visto aqui no acometimento ungueal e na alteração pigmentar. Isso também ocorre nas gônadas, havendo nelas também duas populações de células, o chamado mosaicismo gonadal. A fecundação de óvulo carreador da mutação leva a quadro mais intenso, como visto no filho da paciente, com todas as unhas afetadas, leucoplasia e aplasia de medula, interessantemente sem alteração pigmentar.

As unhas são mais comumente afetadas, e podem desaparecer ou podem estar ausentes no nascimento, levando a uma aparência afilada dos dedos. A variedade de alterações vista em nossa paciente levam à dificuldade diagnóstica. Anoníquia, onicosquizia, estrias ou fraturas longitudinais, traquioníquia, coiloníquia, pterígio, leuco e melanoníquia já foram descritas.1,2

A mutação encontrada já foi descrita anteriormente,4–6 afetando não a telomerase, mas um complexo chamado de telossoma, que tem a finalidade de proteger os telômeros e regular a telomerase,7 levando a encurtamento precoce dos telômeros.5,6

Em uma coorte de 175 pacientes com DC,5 demonstrou‐se afecção do gene TINF2 em 33 (18,8%, um pouco acima de outros relatos).1 Desses, 32 tiveram anemia aplástica. Como controle, utilizaram 244 pacientes com falência medular e três indivíduos tinham mutação nesse gene, exemplificando a complexidade do assunto.5 As mutações no TINF2 podem cursar com retinopatia, também chamada de síndrome de Revesz.8

Os homens são mais afetados do que as mulheres,1 o que mostra a importância do padrão de herança recessivo ligado ao X. As mulheres com DC ligada ao X costumam apresentar fenótipos mais brandos, com clínica menos grave. Isso ocorre em virtude do fenômeno de lionização,7 processo que inativa um dos dois cromossomos X em células femininas, gerando atividade transcricional reduzida. Nesses casos, a manifestação dos sintomas estará presente sempre em idade mais avançada.7

O diagnóstico tardio da DC é decorrente do amplo espectro de apresentações clínicas, da falta de testes laboratoriais específicos e da ausência de histopatologia conclusiva,3,4 como visto neste caso. Dermatologistas devem estar atentos, uma vez que a doença pode cursar com complicações hematológicas graves e malignidades, como leucemia, carcinoma espinocelular a partir das leucoceratoses e linfoma não Hodgkin.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Hiram Larangeira de Almeida Jr.: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Cecília Mazzoleni Facchini: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Camila Urach Colpo: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Manuela Sallaberry Maciel: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Ana Júlia Baschirotto Custódio: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Aline Paganelli: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Disponibilidade de dados de pesquisa

Não se aplica.

Conflito de interesses

Nenhum.

Editor

Ana Maria Roselino

Referências
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S.A. Savage.
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Hematology Am Soc Hematol Educ Program., 2022 (2022), pp. 637-648
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Genes (Basel)., 14 (2023),

Como citar este artigo: Almeida Jr HL, Facchini CM, Colpo CU, Maciel MS, Custódio AJB, Paganelli A. Segmental dyskeratosis congenita – A diagnostic challenge. An Bras Dermatol. 2025;100:501226.

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

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