A disqueratose congênita (DC) é uma telomeropatia com tríade clássica: unhas distróficas, leucoplasia oral e pigmentação reticular cutânea.1–3 Ocorre majoritariamente em homens, podendo ser autossômica recessiva ou dominante; ou ligada a X recessiva. Inicialmente foi descoberta mutação no gene da disquerina/DKC1 no cromossoma X, com redução da atividade da telomerase, e consequente encurtamento telomérico, sendo a primeira ligação entre telômeros e doença em humanos.1
Mutações nos genes ACD, CTC1, NAF1, NHP2, NOP10, PARN, POT1, RTEL1, STN1, TERC, TERT, TINF2, WRAP53 e ZCHC8 também são descritas,2 aumentando a complexidade da enfermidade. Os genes TINF2 (12,5%), RTEL1 (14,5% – AD e 7,5% – AR), TERT (23,5%) e DKC1 (16% do total e 22% se forem masculinos) são os mais comumente afetados.1
Examinamos uma paciente de 40 anos, branca, que apresentava alterações palmoplantares, ungueais e manchas no tronco, assintomáticas, iniciadas aos 4 anos.
Ao exame físico, encontramos hiperqueratose com descamação lamelar em toda a planta direita, calcanhar esquerdo e focalmente na palma direita (fig. 1A‐B). O acometimento ungueal era heterogêneo: do segundo ao quarto pododáctilos, observou‐se micrononíquia à direita (fig. 1C), onde a região plantar era mais afetada; apresentava também anoníquia do segundo e quarto quirodáctilos direitos; à esquerda, apresentava diminuição da largura da lâmina ungueal do terceiro, pterígio do segundo e distrofia canalicular do quarto quirodáctilos (fig. 2).
A paciente apresentava manchas hipercrômicas irregulares reticuladas, com limite na linha média no abdome (fig. 3A). No dorso da mão direita observou‐se alteração pigmentar segmentar com hiper e hipocromia (fig. 3B). A mucosa oral não apresentava alterações.
Os exames laboratoriais resultaram sem alterações; o exame micológico das plantas foi negativo. O anatomopatológico de lesão hiperqueratótica da palma direita demonstrou importante retificação da epiderme com orto-hiperqueratose; na derme, foram observadas fibrose e proliferação de pequenos vasos (fig. 4A), e da hiperpigmentação no abdome evidenciaram‐se focos de degeneração vacuolar de células basais com leve derrame pigmentar (fig. 4B). A coloração de Fontana‐Masson da área hiperpigmentada demonstrou distribuição irregular da melanina na epiderme e derrame pigmentar (fig. 4C).
Microscopia óptica com achados inespecíficos. (A) Lesão hiperqueratótica da palma direita com importante retificação da epiderme com orto-hiperqueratose e na derme observam‐se fibrose e proliferação de pequenos vasos (Hematoxilina & eosina, 200×). (B) Hiperpigmentação no abdome com focos de degeneração vacuolar de células basais com leve derrame pigmentar (Hematoxilina & eosina, 400×). (C) Coloração de Fontana‐Masson demonstrando distribuição irregular de melanina na epiderme e derrame pigmentar (×200).
O único filho da paciente apresentava hiperqueratose palmoplantar bilateral, microníquias e leucoplasia na língua. Ele foi submetido a transplante de medula em virtude de aplasia de medula aos 4 anos, causando trombocitopenia importante. Seu sequenciamento evidenciou mutação no gene TINF2 – p.Arg282His (c.845G>A), descrita em casos autossômicos dominantes.
Telômeros consistem em repetições idênticas de aminoácidos, com efeito protetor aos cromossomas, e vão encurtando no decorrer da vida. Mutações nas proteínas envolvidas nesse processo levam ao envelhecimento celular precoce.1,2
A disqueratose congênita é telomeropatia multissistêmica rara,3,4 com manifestações mucocutâneas características: hiperpigmentação reticulada da pele e unhas distróficas, ambas presentes no quadro da paciente em questão, e leucoqueratose em mucosas,3,4 presente apenas no filho da paciente relatada.
O quadro clínico segmentar dessa paciente deve‐se provavelmente a mosaicismo, por mutação mais tardia, chamada de mutação pós‐zigótica, levando duas populações de células, carreadoras ou não da mutação, com a repercussão clínica de alterações seguindo linhas embrionárias, visto aqui no acometimento ungueal e na alteração pigmentar. Isso também ocorre nas gônadas, havendo nelas também duas populações de células, o chamado mosaicismo gonadal. A fecundação de óvulo carreador da mutação leva a quadro mais intenso, como visto no filho da paciente, com todas as unhas afetadas, leucoplasia e aplasia de medula, interessantemente sem alteração pigmentar.
As unhas são mais comumente afetadas, e podem desaparecer ou podem estar ausentes no nascimento, levando a uma aparência afilada dos dedos. A variedade de alterações vista em nossa paciente levam à dificuldade diagnóstica. Anoníquia, onicosquizia, estrias ou fraturas longitudinais, traquioníquia, coiloníquia, pterígio, leuco e melanoníquia já foram descritas.1,2
A mutação encontrada já foi descrita anteriormente,4–6 afetando não a telomerase, mas um complexo chamado de telossoma, que tem a finalidade de proteger os telômeros e regular a telomerase,7 levando a encurtamento precoce dos telômeros.5,6
Em uma coorte de 175 pacientes com DC,5 demonstrou‐se afecção do gene TINF2 em 33 (18,8%, um pouco acima de outros relatos).1 Desses, 32 tiveram anemia aplástica. Como controle, utilizaram 244 pacientes com falência medular e três indivíduos tinham mutação nesse gene, exemplificando a complexidade do assunto.5 As mutações no TINF2 podem cursar com retinopatia, também chamada de síndrome de Revesz.8
Os homens são mais afetados do que as mulheres,1 o que mostra a importância do padrão de herança recessivo ligado ao X. As mulheres com DC ligada ao X costumam apresentar fenótipos mais brandos, com clínica menos grave. Isso ocorre em virtude do fenômeno de lionização,7 processo que inativa um dos dois cromossomos X em células femininas, gerando atividade transcricional reduzida. Nesses casos, a manifestação dos sintomas estará presente sempre em idade mais avançada.7
O diagnóstico tardio da DC é decorrente do amplo espectro de apresentações clínicas, da falta de testes laboratoriais específicos e da ausência de histopatologia conclusiva,3,4 como visto neste caso. Dermatologistas devem estar atentos, uma vez que a doença pode cursar com complicações hematológicas graves e malignidades, como leucemia, carcinoma espinocelular a partir das leucoceratoses e linfoma não Hodgkin.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresHiram Larangeira de Almeida Jr.: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Cecília Mazzoleni Facchini: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Camila Urach Colpo: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Manuela Sallaberry Maciel: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ana Júlia Baschirotto Custódio: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Aline Paganelli: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão se aplica.
Conflito de interessesNenhum.
EditorAna Maria Roselino





