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Vol. 100. Núm. 6.
(Novembro - Dezembro 2025)
Cartas ‐ Caso clínico
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Tiossulfato de sódio para calcinose cutânea distrófica recalcitrante – Opção de tratamento eficaz, mas complicada
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André Aparício Martins
Autor para correspondência
andre.aparicio92@hotmail.com

Autor para correspondência.
, André Pinho
Departamento de Dermatologia e Venereologia, Unidade Local de Saúde de Coimbra, Coimbra, Portugal
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Prezado Editor,

Calcinose cutânea (CC) é a deposição de sais de cálcio insolúveis na pele e no tecido subcutâneo;1 a CC distrófica é o subtipo mais comum. Causada por lesão local, está frequentemente associada a doenças do tecido conjuntivo. Embora rara, a CC distrófica afeta de 18% a 49% dos pacientes com esclerose sistêmica (ES).2 A CC apresenta alta morbidade em decorrência de dor, comprometimento funcional, ulceração e infecções secundárias, levando à incapacidade.3 Na ausência de ensaios clínicos controlados em larga escala, a CC distrófica permanece sem terapia padrão. Tiossulfato de sódio (TSS) intralesional foi proposto como opção terapêutica com base em relatos de casos e pequenas séries de casos.

Paciente do sexo feminino, de 50 anos, com ES limitada evoluindo ao longo de 19 anos, referiu rigidez, dor e ulceração nas quatro primeiras polpas digitais de cada mão por um ano. A paciente foi submetida à excisão cirúrgica dos depósitos de cálcio do 2° e 3° dedos bilateralmente e iniciou diltiazem 90mg/dia. Por dois anos, houve progressão sintomática. O envolvimento da pele também incluiu esclerodactilia e telangiectasia cutânea malar. Além disso, a ES foi complicada por dismotilidade esofágica, parcialmente controlada com inibidores de bomba de prótons, e fenômeno de Raynaud (FR) grave, sob uso de bosentana. Não havia evidência de hipertensão arterial pulmonar ou outro envolvimento sistêmico. Os testes laboratoriais foram positivos para anticorpos antinucleares (ANA) e anticorpos anticentrômero (ACA). O exame físico revelou pápulas dolorosas, rígidas e cor da pele, medindo de 4 a 10mm, distribuídas na polpa do 1°, 2° e 4° quirodáctilos direitos e do 1° quirodáctilo esquerdo, compatíveis com CC (fig. 1), como confirmado por radiografia da mão (fig. 2). O tratamento intralesional com TSS foi proposto em virtude da morbidade significante, progressão sob diltiazem e local envolvido. O procedimento foi realizado usando técnica asséptica e sob bloqueio nervoso digital, com solução de 250mg/mL. Dependendo do tamanho da lesão e da distensibilidade pulpar, 0,1–1mL de solução de TSS foi injetado na base das calcificações, inicialmente, em intervalo de seis a oito semanas e, após melhora, a cada três meses. Vinte e cinco sessões foram realizadas em cinco anos, com melhora sintomática contínua e melhor estado funcional. A radiografia da mão confirmou redução sustentada no tamanho das calcificações (fig. 3). Durante os primeiros dois anos, episódios de ulceração e drenagem espontânea de depósitos de cálcio liquefeito foram relatados, ambos autolimitados. Além disso, duas infecções locais foram tratadas com antibióticos orais. Não houve eventos adversos sistêmicos ou anormalidades analíticas. No entanto, duas semanas após a última administração, a paciente desenvolveu necrose na polpa do 1° dedo direito e 2° dedo esquerdo. O tratamento com bosentana foi suspenso três meses antes devido ao controle de longo prazo do FR. O edema da infiltração de TSS pode ter desencadeado episódio de FR mais pronunciado, levando à necrose pulpar. A paciente foi submetida a tratamento com iloprosta 0,4 ng/kg/min por três dias e reiniciou o uso de bosentana, com cura completa. Atualmente, encontra‐se assintomática, com calcificações residuais na radiografia da mão.

Figura 1.

Pápulas da cor da pele, distribuídas na polpa dos dedos de ambas as mãos.

Figura 2.

Radiografia simples das mãos (incidência oblíqua) antes do tratamento com tiossulfato de sódio intralesional.

Figura 3.

Radiografia simples das mãos (incidência oblíqua) após 25 sessões de tratamento com tiossulfato de sódio intralesional.

Na CC distrófica, o dano celular crônico e a hipóxia podem desencadear calcificação ectópica com níveis séricos de cálcio normais.4 A CC geralmente se apresenta como placas ou nódulos firmes e dolorosos, associados a comprometimento funcional.3 As lesões podem ulcerar, formar fistulas e infeccionar. Em pacientes com ES, as superfícies extensoras, palmas das mãos e plantas dos pés são comumente afetadas.4 A terapia farmacológica é a primeira linha, principalmente com inibidores dos canais de cálcio em altas doses, bifosfonatos, colchicina e minociclina.5 A cirurgia é reservada para pequenas lesões sintomáticas como tratamento primário ou adjuvante à terapia medicamentosa.6 O tratamento bem‐sucedido com TSS intravenoso, tópico e intralesional foi relatado em um pequeno número de pacientes. O TSS é um agente quelante que aumenta a solubilidade do cálcio em até 100.000 vezes, além de efeitos anti‐inflamatórios, vasodilatadores e antioxidantes.7 A administração intravenosa apresenta eventos adversos, como cefaleias, vômitos, hipotensão, hipernatremia e acidose metabólica, limitando seu uso em doenças sistêmicas.8 O TSS tópico não está associado a eventos adversos sistêmicos, mas é lento, requer adesão rigorosa e pode penetrar inadequadamente na pele, sendo recomendado para lesões pequenas.1,7

O TSS intralesional proporciona administração local em lesões profundas sem efeitos adversos sistêmicos. A concentração de 250mg/mL é a mais frequentemente descrita.4 O volume (0,1‐1mL) e o intervalo entre as administrações (semanal a três meses) variam de acordo com o tamanho das lesões, a tolerância do paciente e a evolução clínica.1,4,7 O TSS intralesional tem início rápido, e remissão completa é descrita em 50% a 100% dos pacientes.4 Dor local transitória e infecções secundárias são os eventos adversos mais frequentemente relatados.8 Além disso, pode ser vantajosa em pacientes com ES com pele espessada.8

Em conclusão, o TSS intralesional parece ser opção promissora no tratamento de CC grave e recalcitrante. O perfil de segurança reforça sua aplicabilidade, mas a seleção dos pacientes é obrigatória pelo longo período de tratamento. Além disso, o tratamento do FR é essencial, pois a compressão vascular decorrente da administração intralesional pode predispor à necrose isquêmica digital. Ensaios clínicos randomizados são necessários para aprimorar a dose ideal, a técnica de administração e minimizar o risco de necrose pulpar.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

André Pinho: Elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual relevante; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; Revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

André Aparício Martins: Elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual relevante; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Disponibilidade de dados da pesquisa

Não aplicável.

Conflito de interesses

Nenhum.

Editor

Luciana P. Fernandes Abbade

Referências
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Como citar este artigo: Aparício Martins A, Pinho A. Sodium thiosulphate for recalcitrant dystrophic calcinosis cutis – an effective but tricky treatment option. An Bras Dermatol. 2025;100:501222.

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Venereologia, Unidade Local de Saúde de Coimbra, Coimbra, Portugal.

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