O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é doença autoimune multissistêmica crônica com amplo espectro de manifestações clínicas.1 Lesões mucocutâneas são comuns no LES, afetando até 80% dos pacientes. Lesões cutâneas podem causar morbidade significante e potencialmente levar a danos irreversíveis. Quando exposta a noxas exógenas (como a luz ultravioleta), a pele do paciente com LES apresenta maior suscetibilidade a danos celulares. A pele com LES apresenta hiperresponsividade ao interferon (IFN) a estímulos inflamatórios, servindo como sítio‐chave de sensibilização de autoantígenos, desencadeando inflamação sistêmica.2
A heterogeneidade da apresentação clínica do LES contribui para seu desafio terapêutico.3 Este relato apresenta o resultado impressionante e bem‐sucedido do tratamento das manifestações cutâneas do LES.
Descreve‐se o caso de uma paciente de 37 anos com história de um ano de extensas lesões anulares eritematosas na parte superior do tórax, dorso, superfícies extensoras dos braços e antebraços, região glútea e parte posterior da coxa (fig. 1) e alopecia não cicatricial. O escore de atividade do Cutaneous Lupus Erythematosus Disease Area and Severity Index (CLASI‐A) foi de 25, sem danos (despigmentação ou formação de cicatrizes). A paciente também se queixava de poliartralgias inflamatórias, xeroftalmia e xerostomia. Não apresentava antecedentes pessoais ou familiares relevantes. Os exames laboratoriais revelaram positividade para anticorpos anti‐SSA e antinucleares (título de 1/1000; padrão pontilhado), com hemograma, níveis de complemento e função renal normais. A biopsia de pele revelou achados histopatológicos (fig. 2), bem como deposição de IgM ao longo da junção dermoepidérmica na imunofluorescência direta, corroborando o diagnóstico clínico de lúpus eritematoso cutâneo subagudo. O teste de Schirmer foi normal, e a biopsia de glândula salivar não revelou alterações histopatológicas.
Características morfológicas consistentes com o diagnóstico clínico do subtipo subagudo de lúpus eritematoso cutâneo. A biopsia de pele (coloração com Hematoxilina & eosina) mostrou adelgaçamento epidérmico (A, 40×), áreas de dermatite de interface com vacuolização da camada basal (B, 100×), mucina dérmica, incontinência pigmentar e infiltrado linfocitário perivascular (C, 100×).
O diagnóstico de LES foi estabelecido com base nos critérios de classificação EULAR/ACR de 2019 para LES; iniciou‐se tratamento com hidroxicloroquina. No entanto, observou‐se apenas melhora do envolvimento articular. Assim, foram introduzidos prednisolona oral até 40mg/dia, betametasona tópica e azatioprina até 1,5mg/kg/dia, sem resposta. A azatioprina foi descontinuada em decorrência de linfopenia grave. Micofenolato de mofetil 1.500mg/dia foi tentado, mas linfopenia foi novamente observada. O efeito iatrogênico foi confirmado sistematicamente com a normalização da contagem de leucócitos após a suspensão dos medicamentos.
Dada a atividade significante da doença da paciente, apesar da terapia multimodal, a infusão de 300mg de anifrolumabe foi iniciada a cada quatro semanas. Um mês depois, a paciente apresentou melhora drástica das lesões cutâneas (fig. 3) e da alopecia não cicatricial, com redução do escore CLASI‐A para 7. A dose de prednisolona foi reduzida progressivamente para 5mg/dia em três meses. Nenhum efeito adverso foi observado durante a terapia biológica.
A ativação da via do IFN tipo I é reconhecida como tendo papel crítico na patogênese do LES, promovendo a formação de células dendríticas, a ativação de células T e a produção de autoanticorpos por células B.1,4,5 O anifrolumabe, anticorpo monoclonal totalmente humano que se liga seletivamente à subunidade 1 do receptor de IFN, inibe a sinalização por todos os interferons tipo I.3,5,6 Esse bloqueio pode reverter a desregulação imunológica e prevenir danos teciduais adicionais no LES.4
O anifrolumabe foi recentemente aprovado para o tratamento de LES moderado a grave, além do tratamento padrão para pacientes sem envolvimento renal ou do sistema nervoso central.4,5,7 Os três principais ensaios clínicos com anifrolumabe (MUSE,5TULIP‐1[8] e TULIP‐2[3]) avaliaram a resposta das manifestações cutâneas usando o escore CLASI. Todos os ensaios clínicos demonstraram redução rápida e significante na atividade CLASI com anifrolumabe. A redução gradual sustentada da prednisolona oral até a dosagem ≤ 7,5mg/dia também foi alcançada.3,5,7,8 Outra observação importante foi a rápida resposta cutânea, que pode impactar a vida diária, visto que as áreas mais comumente envolvidas são expostas e visíveis.2,6
Este caso destaca o valor do anifrolumabe no tratamento do lúpus cutâneo após a falha de múltiplas terapias, em virtude da ineficácia ou de efeito adverso.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresBárbara Fernandes Esteves: Obtenção de dados, ou análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual relevante; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Maria Seabra Rato: Obtenção de dados, ou análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual relevante.
João Carlos Almeida: Obtenção, análise e interpretação dos dados.
Miguel Bernardes: Aprovação da versão final do manuscrito.
Lúcia Costa: Aprovação da versão final do manuscrito.
Raquel Miriam Ferreira: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual relevante; aprovação da versão final do manuscrito.
Disponibilidade de dados da pesquisaNão aplicável.
Conflito de interessesMiguel Bernardes: Conselho consultivo: Lilly, Biogen, Abbvie, Pfizer, Novartis, Boehringer Ingelheim BMS, AstraZeneca, Janssen‐Cilag. Palestrante: Lilly, Abbvie, Pfizer, Boehringer Ingelheim, AstraZeneca, Janssen‐Cilag. Compensação honorária: Lilly, Biogen, Abbvie, Pfizer, Novartis, Boehringer Ingelheim BMS, AstraZeneca, Janssen‐Cilag.
Nenhum potencial conflito de interesses foi relatado pelos outros autores.
EditorSílvio Alencar Marques
Como citar este artigo: Esteves BF, Rato MS, Almeida JC, Bernardes M, Costa L, Ferreira RM. Subacute skin lesions in systemic lupus erythematosus: an impressive and well‐tolerated response to anifrolumab. An Bras Dermatol. 2025;100:501220.
Trabalho realizado na Unidade Local de Saúde de São João, Centro Hospitalar Universitário São João, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal.




