O câncer da pele é a neoplasia maligna mais comum no Brasil e no mundo.1–3 Diversas modalidades terapêuticas estão disponíveis; contudo, a excisão com margens recomendadas pela literatura é o padrão‐ouro para tratamento.3–5 A excisão elíptica ou fusiforme é a mais empregada na prática clínica, sobretudo por sua praticidade de execução.6,7 No entanto, estudos evidenciam que essa abordagem pode sacrificar uma grande área de pele sadia ao remover de três a quatro vezes mais tecido que o tamanho do tumor original, resultando em cicatrizes longas e frequentemente inestéticas.6,8 Em contraponto, a literatura propõe a excisão circular como alternativa, com potencial de preservar maior área tecidual, resultando em cicatrizes mais curtas e com melhor alinhamento às linhas de tensão da pele.6,8 Diante desse cenário, o presente estudo tem como objetivo comparar as técnicas de excisão fusiforme e circular no tratamento dos carcinomas basocelular (CBC) e de células escamosas (CEC) de baixo risco, avaliando o comprimento e a orientação final da cicatriz, com ênfase nos desfechos estéticos e oncológicos.
Foi realizado ensaio clínico com 67 pacientes submetidos à excisão cirúrgica de lesões suspeitas de câncer da pele não melanoma, avaliadas clínica e dermatoscopicamente por dermatologistas com pelo menos cinco anos de formação e experiência clínica. Todos os pacientes foram submetidos à excisão circular, com posterior envio do material para análise histopatológica convencional.
Foram incluídos pacientes ≥ 18 anos com lesões primárias suspeitas de CBC ou CEC, com diâmetro ≤ 2cm, localizadas no tronco ou membros. Foram excluídos pacientes <18 anos, com lesões recidivadas,> 2cm, localizadas na cabeça, pescoço, regiões acral e genital ou sem critérios clínicos e dermatoscópicos para CBC ou CEC.
O desfecho primário foi o tamanho da cicatriz obtida pela excisão circular e sua orientação final. Já o desfecho secundário foi a diferença entre o diâmetro do fuso programado e o tamanho final da cicatriz. O cálculo amostral foi realizado com base no estudo de Hudson‐Peacock,6 estimando‐se que seriam necessários ao menos 63 pacientes para detectar uma diferença de 21% no comprimento da cicatriz com 95% de confiança e margem de erro de 10%.
O procedimento consistiu em: 1) assepsia com clorexidina degermante 2% e alcoólica 0,5%; 2) marcação circular da lesão com margens preconizadas; 3) delimitação de fuso teórico com relação 3:1 entre comprimento e largura; 4) medição do fuso com régua milimetrada; 5) anestesia local com solução anestésica de 20mL de lidocaína 2% diluída em 20mL de soro fisiológico 0,9% e 0,02mL de epinefrina 1:1000; 6) excisão com bisturi lâmina 15; 7) hemostasia com eletrocautério e divulsão dos tecidos; 8) correção dos “dog ears”, quando necessário; 9) sutura com pontos simples e Mononylon; 10) medição da cicatriz final com régua milimetrada e registro fotográfico; 11) comparação entre o comprimento e orientação da cicatriz final com o desenho fusiforme preconizado. As etapas estão esquematizadas nas figuras 1 e 2.
Fotos clínicas das etapas do procedimento cirúrgico. (A) Marcação e medição do diâmetro do fuso a partir da margem circular da lesão de 0,4cm de acordo com as linhas de tensão da pele. (B) Defeito cirúrgico após exérese da lesão na margem circular. (C) Medição da cicatriz final para comparação com o diâmetro do fuso programado. (D) Cicatriz final: menor e com orientação diferente do desenho fusiforme.
Os dados clínicos, demográficos e cirúrgicos foram registrados em ficha padronizada e transferidos para planilha eletrônica (Microsoft Excel®). Variáveis categóricas, como sexo, idade em faixas etárias, presença de comorbidades, localização da lesão, diagnóstico histopatológico e orientação final da cicatriz foram analisadas pelo teste de Qui‐Quadrado ou exato de Fisher; variáveis ordinais como idade, tamanho da lesão, diâmetro do fuso programado, tamanho final da cicatriz diferença entre o tamanho do fuso e o tamanho final da cicatriz foram avaliados pelos testes de ANOVA ou Kruskal‐Wallis de acordo com a distribuição normal ou não normal, respectivamente. A avaliação da normalidade foi realizada pelo teste Shapiro‐Wilk.
Após análise histopatológica, 63 das 67 lesões foram confirmadas como CBC ou CEC. Quatro lesões foram excluídas por diagnósticos alternativos. Todas as lesões removidas apresentaram margens livres de neoplasia. A amostra final foi composta por 32 mulheres (50,8%) e 31 homens (49,2%), com média de idade de 65,3 anos. A maioria das lesões localizava‐se no tronco (63,5%). O diâmetro destas variou de 0,4 a 2,0cm, com média de 1,1cm. A margem adicional utilizada foi de 0,4cm para suspeita de CBC e 0,5cm para CEC. O comprimento médio do fuso teórico foi de 5,5cm, enquanto o comprimento da cicatriz final foi de 3,1cm, representando redução média de 2,4cm (43,6%). Essa redução foi observada em 100% dos casos. Em 32 casos (50,8%) foi necessária a correção dos “dog ears”, dos quais 14 unilaterais e 18 bilaterais. Os demais 49,2% não precisaram de correções. Em 30,2% das cirurgias houve alteração da orientação da cicatriz, resultando em melhor alinhamento com as linhas de tensão cutânea. Esses dados estão contidos na tabela 1.
Análise comparativa das variáveis com a correção dos “dog ears”
| Número de “dog ears” corrigidos | |||||
|---|---|---|---|---|---|
| Total | 0 | 1 | 2 | p‐valor | |
| Características | n=31 | n=14 | n=18 | ||
| Sexo, n (%) | |||||
| Feminino | 32 (50,8%) | 15 (48,4%) | 8 (57,1%) | 9 (50,0%) | 0,801 |
| Masculino | 31 (49,2%) | 16 (51,6%) | 6 (42,9%) | 9 (50,0%) | |
| Idade (ordinal) | |||||
| Média (desvio padrão) | 65,3 (14,4) | 66,4 (11,7) | 66,4 (19,2) | 62,7 (14,9) | 0,664 |
| Mediana (intervalo interquartílico) | 67 (17) | 69 (15) | 66 (21) | 64 (14) | 0,676 |
| Mínimo; máximo | 29; 92 | 29; 89 | 30; 92 | 29; 85 | – |
| Idade (categórica), n (%) | |||||
| <60 | 18 (28,6%) | 6 (19,4%) | 5 (35,7%) | 7 (38,9%) | 0,573 |
| ≥ 60 | 45 (71,4%) | 25 (80,6%) | 9 (64,3%) | 11(61,1%) | |
| Diagnóstico histopatológico, n (%) | |||||
| Carcinoma basocelular | 49 (77,8%) | 26 (88,9%) | 11 (78,6%) | 12(66,7%) | 0,389 |
| Carcinoma de células escamosas | 14 (22,2%) | 5 (11,1%) | 3 (21,4%) | 6 (33,3%) | |
| Localização da lesão, n (%) | |||||
| Membros | 23 (36,5%) | 10 (32,3%) | 4 (28,6%) | 9 (50,0%) | 0,364 |
| Tronco | 40 (63,5%) | 21 (67,7%) | 10 (71,4%) | 9 (50,0%) | |
| Tamanho da lesão (cm) | |||||
| Média (desvio padrão) | 1,1 (0,4) | 1,0 (0,4) | 1,2 (0,4) | 1,1 (0,5) | 0,322 |
| Mediana (intervalo interquartílico) | 1,0 (0,6) | 0,9 (0,6) | 1,2 (0,5) | 1,0 (1,0) | 0,286 |
| Mínimo; máximo | 0,4; 2,0 | 0,4; 2,0 | 0,5; 1,8 | 0,4; 2,0 | – |
| Diâmetro: fuso programado (cm) | |||||
| Média (desvio padrão) | 5,5 (1,4) | 5,2 (1,3) | 5,5 (1,5) | 5,8 (1,6) | 0,350 |
| Mediana (intervalo interquartílico) | 5,5 (1,5) | 5,0 (2,0) | 6,0 (2,0) | 6 (2,5) | 0,522 |
| Mínimo; máximo | 3,0; 9,0 | 3,0; 8,0 | 3,0; 8,0 | 3,4; 9,0 | – |
| Tamanho final: cicatriz (cm) | |||||
| Média (desvio padrão) | 3,1 (1,0) | 2,5 (0,7) | 3,6 (0,9) | 3,8 (1,0) | <0,001 |
| Mediana (intervalo interquartílico) | 4,0 (1,7) | 2,4 (1,0) | 3,5 (1,2) | 4,0 (0,9) | <0,001 |
| Mínimo; máximo | 1,4; 6,0 | 1,4;4,1 | 2,3; 5,0 | 1,5; 6,0 | – |
| Diâmetro do fuso programado – tamanho final da cicatriz (cm) | |||||
| Média (desvio padrão) | 2,4 (1,1) | 2,7 (0,9) | 2,0 (1,1) | 2,0 (1,1) | 0,024 |
| Mediana (intervalo interquartílico) | 2,5 (1,5) | 2,5 (1,5) | 2,3 (2,0) | 1,8 (2,0) | 0,367 |
| Mínimo; máximo | 0,2; 5,0 | 1,1;5,0 | 0,2;3,7 | 0,2; 5,0 | |
| Orientação final da cicatriz, n (%) | |||||
| Igual | 44 (69,8%) | 22 (71,0%) | 10 (71,4%) | 12 (66,7%) | 0,938 |
| Diferente | 19 (30,2%) | 9 (29,0%) | 4 (28,6%) | 6 (33,3%) | |
Os resultados deste estudo reforçam que a excisão circular é alternativa eficaz à técnica fusiforme no tratamento do CBC e CEC de baixo risco. A redução do comprimento da cicatriz (43,6%) observada em todos os casos demonstra que é possível preservar tecido sadio sem comprometer a cura oncológica, considerando que todas as margens foram livres de neoplasia.
Comparando com a literatura, os resultados foram superiores aos estudos de Hudson‐Peacock e Lawrence, Seo et al. e Lee et al.6,8,9 Nestes, a redução da cicatriz variou de 21% a 35%, com melhora também na orientação final da ferida.
A menor necessidade de correção dos “dog ears” em cerca da metade dos casos é outro fator favorável, reduzindo o tempo cirúrgico e o trauma tecidual. Além disso, a possibilidade de realinhamento da cicatriz final com as linhas de tensão da pele em 1/3 dos casos pode contribuir para melhor resultado estético e funcional.
O estudo apresenta limitações, como a ausência de um grupo controle com excisão fusiforme real e a exclusão de lesões> 2cm, que tendem a formar defeitos maiores, levando a maior tensão no seu fechamento, o que poderia alterar o desfecho. Ainda, a ausência de avaliação estética subjetiva e de seguimento em longo prazo são fatores a serem considerados em futuros estudos para validar e ampliar os achados obtidos.
Portanto, a excisão circular se mostrou técnica segura, eficaz e com vantagens estéticas importantes no tratamento do câncer da pele não melanoma de baixo risco. Sua aplicação resultou em cicatrizes menores e, em muitos casos, mais bem orientadas, sem comprometer o tratamento oncológico, mostrando‐se alternativa viável à técnica fusiforme.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresNathalie A. Sousa: Conceitualização; Curadoria de dados; Investigação; Administração do projeto; Validação; Visualização; Escrita – esboço original.
Elisa O. Barcaui: Administração do projeto; Validação; Visualização; Escrita – revisão e edição.
Carla J. Machado: Curadoria de dados; Análise formal; Metodologia.
Carlos B. Barcaui: Conceitualização; Curadoria de dados; Supervisão; Administração do projeto; Validação; Visualização; Escrita – revisão e edição.
Disponibilidade de dados de pesquisaTodo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Conflito de interessesNenhum.
EditorLuciana P. Fernandes Abbade.
Como citar este artigo: Sousa NA, Barcaui EO, Machado CJ, Barcaui CB. Circular excision versus fusiform excision in the treatment of non‐melanoma skin cancer: clinical trial on aesthetic and oncological outcomes. An Bras Dermatol. 2025;100:501235.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto, Departamento de Dermatologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.




