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Vol. 100. Núm. 5.
(setembro - outubro 2025)
Cartas ‐ Caso clínico
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Fasciite necrotizante causada por Stenotrophomonas maltophilia no pescoço de criança previamente hígida
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Giovanna Gelli Carrascozaa,
, Denis Miyashiroa, Murilo Perin da Silvaa, Talita Georgeana Baratieri Pinheirob, Suheyla Pollyana Pereira Ribeiroc, José Antonio Sanchesa
a Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
c Departamento de Radiologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Prezado Editor,

A fasciite necrotizante (FN) é infecção rara e potencialmente fatal dos tecidos moles que se espalha ao longo dos planos fasciais, resultando em necrose da fáscia e do tecido subcutâneo.1 Em adultos, o envolvimento das estruturas da cabeça e do pescoço é incomum, e as extremidades inferiores e o tronco são as localizações mais prevalentes. Entretanto, em crianças, a incidência de lesões que ocorrem na cabeça e no pescoço é maior, relatada em 15% a 20%.2 Este relato descreve o caso de uma criança que desenvolveu úlcera necrótica extensa no pescoço em decorrência de FN causada por Stenotrophomonas maltophilia.

Uma criança do sexo feminino, de 2 anos, previamente saudável, foi internada na unidade de terapia intensiva com febre, tosse e dispneia por 15 dias. Ela foi diagnosticada com insuficiência respiratória aguda, levando à intubação orotraqueal. Cinco dias depois, apresentou edema nas regiões submandibular, submentoniana, retroauricular e occipital bilateralmente. Antibióticos empíricos de amplo espectro (vancomicina + meropenem) foram prescritos. Apesar da antibioticoterapia, as lesões progrediram e a paciente apresentou choque séptico, o que levou à transferência para hospital de alta complexidade para avaliação diagnóstica mais aprofundada. Ao exame dermatológico inicial, apresentou extensa úlcera necrótica no pescoço (figs. 1A e 1B). A tomografia computadorizada (TC) revelou espessamento e densificação difusos nos tecidos moles do pescoço (fig. 1C). A biopsia por punch e o exame histopatológico revelaram necrose coagulativa na epiderme, derme e hipoderme. Na fáscia, havia denso infiltrado neutrofílico com áreas de necrose (fig. 2). Culturas de sangue, traqueia e pele foram obtidas, todas positivas para S. maltophilia sensível a levofloxacino e sulfametoxazol/trimetoprima. Os achados clinicopatológicos levaram ao diagnóstico de FN.

Figura 1.

Úlcera necrótica extensa no pescoço (A) vista direita e anterior (B) vista esquerda (C). Tomografia computadorizada mostrando espessamento e densificação dos planos cervicais mioadiposos e realce fascial (setas).

Figura 2.

(A) Biopsia mostrando intenso infiltrado inflamatório na fáscia (Hematoxilina & eosina, 20×). (B) Epiderme com necrose coagulativa (Hematoxilina & eosina, 20×). (C) Na fáscia, intenso infiltrado neutrofílico, necrose (Hematoxilina & eosina, 20×) e (D) espessamento dos vasos (Hematoxilina & eosina, 20×).

Com base nos resultados do antibiograma, foram feitos ajustes no regime antibiótico com a incorporação de levofloxacino e realizado desbridamento. Após melhora clínica, foi realizado o enxerto. A paciente evoluiu sem complicações, recebendo alta hospitalar sem sequelas duradouras (fig. 3).

Figura 3.

Paciente após o tratamento.

A apresentação clínica inicial da FN é inespecífica, e a doença pode ser diagnosticada erroneamente como celulite, erisipela ou formação de abscesso.1,2 A FN frequentemente se inicia como ferida vermelha, quente e dolorosa. À medida que a doença progride, a dor local intensa transita para dormência ou analgesia.1 A progressão do processo patológico envolve necrose do tecido subcutâneo e da fáscia, levando à trombose arterial, gangrena úmida e, por fim, necrose isquêmica da pele.1,3 Fatores inflamatórios levam a febre, taquicardia e, eventualmente, choque séptico.1,2

Na população pediátrica, a FN apresenta características distintas em comparação aos adultos. Embora a FN seja frequentemente fatal em adultos, sua taxa de letalidade parece ser menor em crianças.4 Ao contrário de pacientes adultos, nos quais a FN é comum em pacientes imunossuprimidos e diabéticos, as crianças comumente afetadas são aquelas previamente hígidas.5 As características iniciais incluem traumas leves e graves, feridas cirúrgicas e lesões por varicela.2 Além disso, ao contrário dos adultos, a FN é geralmente uma infecção monomicrobiana em crianças, mais comumente causada por Streptococcus pyogenes, e raramente é polimicrobiana.4

Stenotrophomonas maltophilia é um bacilo aeróbio gram‐negativo que causa infecções oportunistas multirresistentes em pacientes hospitalizados.6 Essas infecções geralmente apresentam altas taxas de morbidade e mortalidade. O organismo pode formar biofilmes em várias superfícies. Embora o sistema respiratório seja o mais comumente afetado, S. maltophilia também foi relatada como causadora de infecções de pele, tecidos moles e trato biliar, endoftalmite e meningite.6 Os fatores de risco incluem terapia antimicrobiana de amplo espectro, permanência prolongada em unidade de terapia intensiva, ventilação mecânica prolongada, imunossupressão e uso de dispositivos intravasculares.6

A ausência de lesões características nos estágios iniciais da FN representa desafio diagnóstico significante, resultando em atrasos no tratamento. No presente caso, o diagnóstico tardio levou a choque séptico e necrose tecidual extensa, indicativos de doença avançada. Quando há suspeita de FN, é imprescindível a obtenção de exame de imagem com contraste (TC ou, preferencialmente, ressonância magnética) para avaliar alterações inflamatórias, edema, coleção de fluidos ou abscessos, realce fascial e formação de gás.1,2

O desbridamento cirúrgico precoce e extenso é a base do tratamento. A reconstrução imediata não é recomendada e deve ser adiada até que a infecção seja contida.1–6 As culturas obtidas do tecido podem orientar a terapia antibiótica de longo prazo.

Suporte financeiro

Nenhum.

Editor

Sílvio Alencar Marques.

Disponibilidade de dados de pesquisa

Não se aplica.

Contribuição dos autores

Giovanna Gelli Carrascoza: Aprovação da versão final do manuscrito, revisão crítica da literatura, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito, elaboração e redação do manuscrito e concepção e planejamento do estudo.

Denis Miyashiro: Aprovação da versão final do manuscrito, revisão crítica da literatura, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito, elaboração e redação do manuscrito e concepção e planejamento do estudo.

Murilo Perin da Silva: Aprovação da versão final do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito.

Talita Georgeana Baratieri Pinheiro: Aprovação da versão final do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito.

Suheyla Pollyana Pereira Ribeiro: Aprovação da versão final do manuscrito, revisão crítica da literatura, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito, elaboração e redação do manuscrito e concepção e planejamento do estudo.

José Antonio Sanches: Aprovação da versão final do manuscrito, revisão crítica da literatura, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do manuscrito, elaboração e redação do manuscrito e concepção e planejamento do estudo.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Carrascoza GG, Miyashiro D, Silva MP, Pinheiro TGB, Ribeiro SPP, Sanches JA. Necrotizing fasciitis caused by Stenotrophomonas maltophilia on the neck of a previously healthy child. An Bras Dermatol. 2025;100:501179.

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
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