Os serviços de Teledermatologia no Brasil têm rica história, com diversos projetos em andamento que impulsionam a pesquisa acadêmica e proporcionam ganhos de eficiência por meio da redução de desperdícios, humanização da assistência à saúde e garantia de mais qualidade e agilidade no atendimento ao paciente. Revisar os fundamentos e a história da Teledermatologia, juntamente com a evolução contínua dos serviços de Telemedicina no Brasil, seus aspectos práticos e perspectivas futuras, pode trazer melhor compreensão sobre como desenvolver e aprimorar esses serviços.
Embora fortemente associada às inovações tecnológicas nas áreas de tecnologia da informação e telecomunicações nas últimas décadas, especialmente à internet, a história da medicina com suporte remoto remonta, na verdade, provavelmente a antes mesmo da Idade Média.1 Na Antiguidade, por exemplo, o envio de cartas por navios ou mensageiros montados a cavalo contendo informações clínicas, desenhos feitos à mão e até amostras de urina a médicos ou curandeiros solicitando laudo com parecer de especialistas já podia ser considerado um modo rudimentar de prestação de serviços de saúde à distância.
Pode‐se tomar como referência que o uso de tecnologias na prestação de serviços de saúde provavelmente teve início com a invenção do estetoscópio pelo médico francês René‐Théophyle‐Hyacinthe Laennec, em 1819. Embora ainda exigisse a presença física do médico, pela primeira vez na história foi possível fazer inferências clínicas e diagnósticas sem a necessidade de contato direto com o paciente durante o exame físico.2
Ao longo do tempo, a incorporação de novas tecnologias para a prestação de serviços de saúde à distância ocorreu com o advento de formas de comunicação cada vez mais sofisticadas: a partir do século XIX, com a expansão dos serviços de correio, passando pela criação e implementação em larga escala do telégrafo e, posteriormente, das redes telefônicas, de rádio e de circuito fechado de televisão, culminando na rede global de computadores – a internet, criada em 1969 –, proporcionando uma experiência de conexão mundial de alta velocidade nunca antes vista.3
O termo moderno Telemedicina tem sido associado à ideia de utilização de tecnologias eletrônicas (dispositivos e telecomunicações) para a prestação de serviços médicos à distância, tendo adquirido significado importante em virtude dos esforços de guerra durante a Guerra Fria e a Corrida Espacial, quando muitos avanços tecnológicos pioneiros foram alcançados por agências governamentais e militares e posteriormente incorporados aos setores civil e de saúde.4 Com toda a inovação proporcionada pela informatização e o desenvolvimento de conexões de internet de alta velocidade e estáveis, informações escritas e visuais passaram a circular globalmente em tempo praticamente real.
No campo da Dermatologia, é muito difícil separar a Telemedicina dos avanços significantes em imagens digitais (fotografias e vídeos), especialmente desde a última década do século XX, que tornaram possível gerar informações visuais com facilidade e resoluções cada vez maiores a custos progressivamente menores.
Embora controversa, a invenção da fotografia é frequentemente atribuída ao francês Joseph Nicéphore Niépce, que em 1826 conseguiu obter a fotografia permanente mais antiga ainda existente,5 conduzindo a humanidade a uma nova era, pois pela primeira vez houve transição do desenho artístico para a documentação realista ou real e reproduzível com as mesmas características nas mesmas condições. O processo foi aperfeiçoado desde então, mas levou mais de um século até que o primeiro processamento digital de uma fotografia fosse realizado pela agência espacial do governo dos EUA, a National Aeronautical and Space Administration (NASA), em meados da década de 1960, quando câmeras e transmissores foram acoplados a uma sonda lunar para transmitir sinais analógicos de vídeo/imagem.6 Os avanços tecnológicos foram gradualmente implementados nas câmeras, levando à criação do primeiro protótipo de câmera digital por Steven Sasson, em 1975, na época um jovem engenheiro da Kodak. Apesar de inovadora, a invenção de Sasson não foi recebida com entusiasmo pelos próprios executivos da Kodak, o que levou à falência da empresa em 2012.7
Foi somente no início da década de 1980 que essas tecnologias se popularizaram, tendo como marco inicial a comercialização dos modelos analógicos Mavica, produzidos pela Sony em 1981. A primeira câmera digital profissional foi lançada pela Kodak em 1991, gerando imagens com resolução de até 1,3 megapixels. No entanto, os preços extremamente altos até o início da década de 1990 tornaram proibitivo o acesso generalizado a essas máquinas. A revolução no acesso popular às câmeras digitais ocorreu há apenas aproximadamente 30 anos, em meados de 1995, quando os modelos QuickTake 100da Apple e DC 40da Kodak foram lançados com preços abaixo da barreira dos US$ 1.000,00.8
Acompanhando de perto a evolução das câmeras digitais, os smartphones (celulares com recursos avançados e recursos de computador pessoal) também demonstraram rápido desenvolvimento em termos de capacidade de processamento e produção/captura de imagens em alta resolução. O primeiro smartphone com câmera digital integrada foi o modelo J‐SH04, produzido pela Sharp e lançado no Japão em novembro de 2000.9 Desde então, novos modelos equipados com câmeras digitais mais potentes e recursos versáteis são lançados anualmente a preços competitivos. O desenvolvimento de câmeras digitais acopladas a smartphones foi de extrema importância para a Telemedicina, uma vez que imagens com maior resolução, aliadas a técnicas adequadas de fotografia digital, propiciam maior nível de detalhes, tornando‐as adequadas para avaliação clínica (fig. 1).10
De acordo com dados obtidos pela 28ª Pesquisa Anual sobre o Uso da Tecnologia da Informação, realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o número estimado de smartphones no Brasil ao final de 2017 era de 208 milhões de dispositivos, o que significa um smartphone por habitante no país.11 O fácil acesso a dispositivos móveis com poder de processamento e geração de imagens cada vez maior levou a aumento significante no uso desses dispositivos no mundo digital, processamento de dados em nuvem e redes sociais. Paralelamente, na área médica, houve aumento nos testes de aplicação em diversas áreas, incluindo Oftalmologia,12 Dermatologia,13,14 Cirurgia Plástica,15 Endocrinologia,16 Neurocirurgia17 e Radiologia,18 aplicadas de modo versátil como meio de triagem, diagnóstico, prevenção e acompanhamento pós‐operatório remotos. Imagens de casos clínicos são frequentemente compartilhadas em aplicativos de mensagens ou redes sociais como o WhatsApp® (Meta Platforms Inc, Menlo Park, Califórnia, EUA) para discussão com outros colegas médicos19 ou por meio de aplicativos de smartphone criados especialmente para esse fim.
Em virtude do uso generalizado, muitas vezes informal, de smartphones como ferramentas cotidianas e, às vezes, em aplicativos que podem ser associados à Telemedicina, alguns aspectos fundamentais, como privacidade de dados do paciente, suporte jurídico para médicos e instituições de saúde, segurança e armazenamento de dados e educação médica em Telemedicina e técnicas de fotografia digital, ainda precisam ser mais discutidos e consolidados.20 Como os smartphones são dispositivos portáteis que podem ser facilmente perdidos, comprometidos ou roubados, os profissionais de saúde precisam se conscientizar cada vez mais da responsabilidade de armazenar os dados privados e sensíveis dos pacientes em seus dispositivos pessoais.
A Dermatologia pode ser uma especialidade médica propensa ao uso da Telemedicina em virtude de seu amplo componente visual, e uma crescente aplicação da Teledermatologia tem sido observada em escala global ao longo dos anos.21 Múltiplos estudos têm corroborado a eficácia clínica,22,23 o custo‐benefício,24,25 altos índices de satisfação21,26 e a redução do tempo de espera para avaliação dermatológica especializada nos sistemas de saúde23,27 por meio da incorporação da Teledermatologia, mostrando potencial aplicabilidade com altos índices de sensibilidade e concordância diagnóstica em relação ao exame clínico tradicional em diversas patologias de pele, tanto em ambiente ambulatorial quanto hospitalar.13,26,28 Em virtude da alta prevalência de cânceres de pele e seu significante impacto econômico nos sistemas de saúde públicos e privados de vários países,29,30 a Oncologia Cutânea, em particular, tem sido o foco de grande parte dos estudos de Teledermatologia.14,22,27,31–34
A evolução da Telemedicina no BrasilA Telemedicina é regulamentada no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 2002, por meio da Resolução n° 1.643/2002,35 que já previa a modalidade de teleinterconsulta. Em 2011, o Ministério da Saúde do Brasil propôs a utilização dos recursos da Telemedicina para a resolução de problemas no nível de atenção primária do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da publicação da Portaria n° 2.546, de 27 de outubro de 2011,36 que definiu o conceito de Segunda Opinião Formativa, fonte de informações originada por teleconsultas que abordam questões relevantes para o SUS e com possibilidade de responder a dúvidas e necessidades de outros profissionais de saúde, visando aumentar a resolutividade em casos ou situações semelhantes.
Desde 2020, o Ministério da Saúde instituiu a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), por meio da Portaria n° 1.434, de 28 de maio de 2020,37 um programa estratégico voltado para a transformação digital da saúde no país, com o objetivo de promover a interoperabilidade para permitir a troca de informações e o compartilhamento de dados entre os diferentes pontos da Rede de Atenção à Saúde, propiciando a transição e a continuidade do cuidado nos setores público e privado.
A legislação brasileira referente à Telemedicina progrediu significantemente durante a pandemia da COVID‐19, culminando na Resolução n° 2.314/202238 do CFM, que regulamenta definitivamente a Telemedicina, definindo essa prática como um ato médico, como prestação de serviços médicos mediada por tecnologias de comunicação, definindo claramente sete modalidades distintas de Telemedicina (tabela 1).
Modalidades de Telemedicina e definições de Telessaúde estabelecidas no Brasil
| Definição | |
|---|---|
| Teleconsulta | Uma consulta médica não presencial, mediada por tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), com o médico e o paciente localizados em espaços distintos. |
| Teleinterconsulta | Troca de informações e opiniões entre médicos, com o auxílio de TDICs, com ou sem a presença do paciente, para assistência diagnóstica ou terapêutica, clínica ou cirúrgica. |
| Telediagnóstico | Ato médico realizado a distância, tanto geográfica quanto temporalmente, com transmissão de gráficos, imagens e dados para emissão de laudo ou parecer por médico especialista habilitado na área a que se refere o procedimento, em atendimento à solicitação do médico assistente. |
| Telecirurgia | Procedimentos cirúrgicos realizados remotamente, utilizando equipamentos robóticos e mediados por tecnologias interativas seguras. |
| Telemonitoramento ou televigilância médica | Ato praticado sob coordenação, indicação, orientação e supervisão de médico para monitoramento ou vigilância remota de parâmetros de saúde e/ou doença, por meio de avaliação clínica e/ou aquisição direta de imagens, sinais e dados de equipamentos e/ou dispositivos acoplados ou implantados em pacientes em domicílio, em clínica especializada em dependência química, em instituição de longa permanência para idosos, em regime de internação clínica ou domiciliar ou na transferência de pacientes até sua chegada a estabelecimento de saúde. |
| Teletriagem | Ato realizado por médico com avaliação dos sintomas do paciente, a distância, para regulação ambulatorial ou hospitalar, com definição e encaminhamento do paciente para o tipo de assistência adequada ou para especialista. |
| Teleconsultoria | Ato de consultoria mediado por TDIC entre médicos, gestores e demais profissionais, com a finalidade de prestar esclarecimentos sobre procedimentos administrativos e ações de saúde. |
| Telessaúde | Método de prestação de serviços de saúde a distância, mediante utilização de tecnologias de informação e comunicação, que envolve, entre outras, a transmissão segura de dados e informações de saúde, por meio de textos, sons, imagens ou outras formas apropriadas. |
No mesmo ano, foi publicada a Portaria do Ministro/Ministério da Saúde n° 1.348 de 2 de junho de 202239, que dispõe sobre as ações e serviços de Telessaúde no âmbito do SUS, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar o uso das tecnologias de informação e comunicação na assistência remota, educação, pesquisa, prevenção de doenças e agravos, gestão e promoção da saúde do cidadão, e também a Lei n° 14.510 de 27 de dezembro de 2022,40 que autoriza e regulamenta a prática da telessaúde em todo o território nacional.
Em razão das restrições de mobilidade causadas pela pandemia, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), visando à prática segura das avaliações remotas que haviam aumentado drasticamente, publicou em 2021 a primeira versão do Manual de Boas Práticas em Teledermatologia, além de organizar uma série de webinars sobre o tema, buscando a capacitação e a educação médica continuada de especialistas. Esse manual teve uma segunda versão publicada em 202241 contendo uma atualização, em conformidade com a resolução CFM n° 2.314/2022.38
Portanto, apesar de ter sido totalmente autorizada e regulamentada apenas recentemente, a Telemedicina e, por extensão, a Teledermatologia, tem sido tema amplamente debatidas na sociedade brasileira por sua alta relevância e potencial impacto, vantagens ainda mais destacadas no contexto de isolamento social imposto durante a pandemia de COVID‐19.
MétodosFoi realizada estratégia de busca por revisão bibliográfica na plataforma PubMed, mantida pela National Library of Medicine (Bethesda, Maryland, EUA) e que reúne registros da base de dados MEDLINE, utilizando os termos “Dermatology” E “Brazil”. Todos os resumos foram analisados, e apenas artigos publicados e exclusivos, relatando projetos de Teledermatologia desenvolvidos e executados no Brasil, foram incluídos na análise após a leitura completa dos artigos e a confirmação da pertinência.
ResultadosA estratégia de pesquisa retornou 39 artigos científicos originais publicados e indexados, dos quais 28 relatam projetos de Teledermatologia desenvolvidos e executados no Brasil (fig. 2).
Desses, oito artigos descrevem os resultados de projetos de Teledermatologia conduzidos pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE)42–49 em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Em julho de 2017, a cidade de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, firmou parceria com o serviço de Telemedicina do HIAE com o objetivo de reduzir significantemente a fila de espera para atendimento dermatológico, em que dermatologistas do HIAE analisariam remotamente as necessidades dos pacientes com base em informações clínicas e imagens fotográficas de lesões de pele coletadas por enfermeiros de unidades de saúde do SUS na capital paulista – caso fosse necessário algum procedimento diagnóstico ou cirúrgico adicional, o HIAE ficaria responsável por disponibilizar uma rede de referência e infraestrutura própria com unidades móveis para atender à demanda.50
Outros estudos publicados apresentam resultados de projetos em que profissionais de atenção primária se beneficiam de avaliação remota especializada por meio de parcerias com universidades e/ou serviços de referência: do projeto Telessaúde Santa Catarina, a maior iniciativa de Teledermatologia do Brasil detalhada mais adiante neste artigo, há sete artigos publicados;51–57 da Unidade Móvel de Prevenção do Hospital do Amor, na cidade de Barretos, três artigos;58–60 da Rede de Teleassistência em Minas Gerais, um artigo;61 da Fundação Hospital Alfredo da Matta (FUHAM) no Amazonas, um artigo;62 do Hospital de Câncer Amaral Carvalho, na cidade de Jaú, um artigo;63 e do projeto Telessaúde Rio Grande do Sul, um artigo.64 Também foram publicados os resultados de inquérito nacional aplicado a membros da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD),65 estudo liderado por uma equipe de pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No entanto, apesar dessas iniciativas, ainda há muitas oportunidades para a expansão da Teledermatologia no Brasil, visto que, segundo informações disponíveis no Portal Brasileiro de Dados Abertos,66 atualmente existem cerca de 38.000 Unidades Básicas de Saúde (UBS) operando em território brasileiro.
Muitos estudos já abordaram a importância pedagógica da Teledermatologia para a educação médica em ambientes acadêmicos.67,68 Na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), instituição onde os cinco artigos publicados restantes13,28,69–71 foram desenvolvidos, alguns projetos‐piloto acadêmicos envolvendo Teleducação para profissionais não médicos já foram desenvolvidos com resultados promissores – plataformas de treinamento online para prevenção de doenças venéreas voltadas para funcionários de salões de beleza70 e um sistema de educação a distância (EAD) para treinamento e educação de profissionais de saúde não médicos no rastreamento de lesões de pele com potencial maligno,71 além de um website que oferece conteúdo organizado para treinamento em reconhecimento precoce de melanoma por estudantes de Medicina do primeiro ano.31 Outros dois trabalhos envolvendo participantes médicos estudaram a aplicação da Teledermatologia assíncrona: um avaliou seu papel no apoio ao diagnóstico clínico da hanseníase realizado por médicos da atenção primária, com resultados promissores e de baixo custo;28 o outro avaliou sua aplicação por meio de smartphones para discussão de casos de pacientes internados em um hospital de referência e avaliados por residentes de Dermatologia.13
Nessa mesma instituição, em 2001, foi desenvolvido um sistema de consulta dermatológica (ciberambulatório) pela internet, denominado “Telederma”, no qual residentes de Dermatologia cadastravam seus pacientes, prontuários contendo dados clínicos e fotografias digitais de lesões de pele para posterior avaliação por dermatologistas mais experientes. Para manter o aspecto acadêmico desse ambulatório virtual, foram incorporados fundamentos da aprendizagem baseada em problemas e da medicina baseada em evidências, por meio de um tutor eletrônico (cibertutor), com disponibilização online de diretrizes diagnósticas, referências bibliográficas, banco de dados sobre interações medicamentosas, aulas didáticas ministradas por docentes da FMUSP e métodos de avaliação de desempenho dos médicos participantes.69,72 Em meados de 2003, esse mesmo ciberambulatório seria utilizado no treinamento de residentes em Dermatologia Sanitária no serviço especializado em Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, então liderado pelo Prof. Dr. Luiz Jorge Fagundes.
Em relação à análise dos fatores envolvidos no uso de fotografias para diagnóstico dermatológico, um estudo realizado na FMUSP permitiu identificar que a sistematização e a implementação da telepropedêutica dermatológica devem ser analisadas sob um conjunto de classificações dos tipos de lesões cutâneas e sua relevância clínica, formando uma matriz, demonstrando que em diversas situações são necessárias informações clínicas adicionais. Concluiu‐se que doenças de pele com lesões clinicamente atípicas ou moderadamente típicas e com morfologia palpável (p. ex., lesões infiltradas, tumores subcutâneos) são mais difíceis de diagnosticar apenas com o auxílio da fotografia digital; assim, os dados clínicos e informações adicionais são de fundamental importância para aumentar a acurácia diagnóstica. Além disso, a implementação sistemática da Teledermatologia possibilitou melhora no desempenho do diagnóstico remoto comparável à avaliação presencial.73
DiscussãoAspectos práticosUm ótimo exemplo de como levar a Teledermatologia à prática, integrada aos sistemas de saúde existentes, é a principal e maior iniciativa brasileira com a incorporação da Teledermatologia ao processo regulatório do SUS no estado de Santa Catarina, que está em operação ininterrupta desde outubro de 2013. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, com diversas disparidades econômicas em seu território e grande variação no acesso a cuidados de saúde de qualidade entre as diferentes regiões do país, se a maioria das UBS for integrada a um projeto nacional de Teledermatologia, como o que está em andamento em Santa Catarina, o impacto na prestação de cuidados de saúde e na relação custo‐benefício poderá ser enorme.
O uso da Teledermatologia em Santa Catarina, localizado na região Sul do Brasil, foi formalizado com a Resolução n° 366/CIB/13, de 22 de agosto de 2013,74 emitida pela Comissão Estadual de Gestão Bipartite da Saúde (CIB/SC), que aprovou o uso do Telediagnóstico em Dermatologia para avaliação de risco e regulação do fluxo de pacientes provenientes dos serviços de atenção primária da especialidade médica de Dermatologia. Consequentemente, desde então, a triagem e os encaminhamentos de pacientes pelo Sistema SISREG no estado passaram a ser realizados oficialmente por Telemedicina.
A plataforma foi desenvolvida pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e é utilizada como ferramenta tanto para triagem de pacientes com doenças de pele quanto para avaliação de risco pela Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina (SES‐SC). Os laudos de Teledermatologia emitidos pela plataforma fazem parte do processo de tomada de decisão dos médicos da atenção primária e auxiliam o médico regulador no encaminhamento de pacientes para serviços especializados.
Esse serviço está bem estabelecido, com mais de 300.000 laudos de exames de Teledermatologia realizados até 2024, e atualmente presente em outras 15 unidades federativas por meio de um programa nacional.75,76 Além disso, a implementação da ferramenta de Teledermatologia conseguiu reduzir custos diretos e indiretos para o SUS por meio de uma infraestrutura descentralizada para triagem de pacientes com acesso à classificação de risco, auxiliando no encaminhamento adequado dos pacientes, reduzindo despesas com deslocamento, filas, tempos de espera e também eliminando consultas intermediárias desnecessárias.77
Nos EUA, em 2017, entre os 40 programas nacionais de teledermatologia ativos, 70% ofereciam atendimento direto ao paciente e 72% utilizavam apenas modelos de armazenamento e encaminhamento.78 Quanto ao Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido, desde outubro de 2018, todos os médicos generalistas na Inglaterra são obrigados a utilizar o Serviço de Referência Eletrônica (e‐RS) do NHS, uma plataforma de encaminhamento eletrônico (e‐RS) predominantemente assíncrona entre médicos, para encaminhar novos pacientes para consultas ambulatoriais conduzidas por especialistas.79 Apesar de as mudanças globais provocadas pela pandemia da COVID‐19 terem levado os modelos síncronos (principalmente consultas por vídeo) a suplantar os modelos assíncronos (fotografias digitais compartilhadas ou armazenadas e encaminhadas) como a modalidade predominante de atendimento por teledermatologia em vários locais,80 nos projetos brasileiros de teledermatologia publicados, os modelos assíncronos ainda prevalecem amplamente, possivelmente em virtude das barreiras tecnológicas dos modelos síncronos, pois exigem maior infraestrutura para atingir a qualidade de vídeo e a acessibilidade ideais.
A cada ano, o acesso à internet no Brasil aumenta rapidamente, especialmente em áreas rurais, onde o número de domicílios com acesso à internet aumentou de 35,0% para 81,0% entre 2016 e 2023,81 o que também pode aumentar o acesso aos serviços de teledermatologia em áreas remotas. Isso é especialmente benéfico considerando que o número de médicos formados no Brasil está crescendo rapidamente – de 2020 a 2022, o número de médicos formados aumentou 8,6%, uma diferença de mais de cinco vezes em comparação com o crescimento populacional de apenas 1,6% no mesmo período –, mas o número de residentes em Dermatologia diminuiu 30,9% entre 2018 e 2021,82 levando a uma escassez proporcional de especialistas. Portanto, a Teledermatologia tem grande potencial para aumentar o acesso à opinião especializada para médicos não especialistas, a fim de melhorar o acesso adequado à saúde.
Perspectivas futurasPerspectivas futuras promissoras em relação à Teledermatologia, que ainda requerem mais estudos, mas em áreas nas quais as instituições brasileiras definitivamente têm potencial e oportunidade de se desenvolver, incluem a aplicação de serviços de Teledermatologia com abordagem acadêmica, envolvendo residentes médicos e os fatores determinantes que impactam o uso e o treinamento da Telemedicina entre médicos em formação; integração da Telemedicina em casas inteligentes e seus potenciais impactos na população em geral e na Medicina do Estilo de Vida;83 e a integração da inteligência artificial (IA) e da Teledermatologia, que já vem mostrando sinais promissores na melhora da avaliação de risco, precisão diagnóstica e controle de qualidade, mas ainda apresenta algumas lacunas, como regulamentação e padronização adequadas, desenvolvimento de declarações de posição e diretrizes e também esclarecimentos sobre aspectos civis e éticos de seu uso.84,85 Projetos em rápido avanço, como o DermAI, continuam desenvolvendo novas técnicas de aprendizado profundo para aprimorar a classificação automatizada de lesões cutâneas.86
Embora ainda faltem iniciativas populacionais generalizadas de Teledermatologia com IA, a Edge Health, consultoria especializada em análise de saúde do Reino Unido, foi contratada pela Health Innovation East Midlands (uma das 15 organizações em toda a Inglaterra que atuam em conjunto como o braço de inovação do NHS) para realizar uma avaliação independente da eficácia de um piloto testado em unidades do Hospital Universitário de Leicester (UHL) a partir de março de 2022.87 Esse projeto colaborativo foi desenvolvido para atender à necessidade local de melhor acesso dos pacientes a diagnósticos dermatológicos, principalmente câncer de pele, utilizando uma solução de Teledermatologia com IA da Skin Analytics chamada DERM. O relatório preliminar de outubro de 2023 confirmou que o piloto levou a uma redução nos encaminhamentos, liberando 1.450 consultas ambulatoriais, e também houve economia de tempo clínico de 263 minutos por 100 pacientes, com relação custo‐benefício de 1,05 (para cada libra investida na solução alimentada por IA, o sistema de saúde recebeu £ 1,05 em benefícios).88
ConclusãoDiante desses dados e do enorme potencial de expansão dos serviços de Teledermatologia no Brasil, em especial a Teleinterconsulta assistida por IA, que tem potencial estratégico para agilização de processos e ganho de eficiência não só do ponto de vista econômico, mas também como forma de humanizar o atendimento, reduzindo desperdícios e garantindo maior qualidade e agilidade no atendimento, é de suma importância que a Teledermatologia continue avançando para proporcionar melhor experiência ao paciente e capacitação dos futuros profissionais, incluindo dermatologistas e demais médicos e profissionais de saúde.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresKevin Yun Kim: Conceitualização; curadoria e análise de dados; redação do rascunho original; revisão crítica da literatura; aprovação final do manuscrito.
Chao Lung Wen: Conceitualização; revisão crítica do conteúdo intelectual relevante; supervisão efetiva e orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; aprovação final do manuscrito.
Cyro Festa Neto: Conceitualização; revisão crítica do conteúdo intelectual relevante; supervisão efetiva e orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; aprovação final do manuscrito.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão se aplica.
Conflito de interessesNenhum.
EditorLuciana P. Fernandes Abbade.




