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Vol. 100. Núm. 5.
(setembro - outubro 2025)
Cartas ‐ Dermatopatologia
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Invasão dupla: caso inédito de metástases de dois sítios primários distintos coexistindo em uma única lesão cutânea
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Matheus Alves Pachecoa,
, Amanda Amaro Pereirab, Leonardo Simas Abi Saabc, Rúbia Tabata Rigattib, Oscar Cardoso Dimatosd, Athos Paulo Santos Martinia
a Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
b Departamento de Patologia, Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
c Ambulatório de Cirurgia Dermatológica, Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
d Ambulatório de Doenças Bolhosas, Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
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Prezado Editor,

O presente caso mostra apresentação inédita, em que um único tumor cutâneo foi formado por metástases de duas neoplasias independentes, de sítios distintos. Trata‐se de paciente do sexo masculino, de 80 anos, com duas lesões tumorais no couro cabeludo, com três meses de evolução (fig. 1). O paciente tinha histórico de tabagismo e carcinoma renal de células claras, diagnosticado 16 meses antes, tratado com nefrectomia radical e linfadenectomia retroperitoneal sem evidência de metástase linfonodal. Relatava perda ponderal significante, mas negava outros sintomas sistêmicos.

Figura 1.

Lesões tumorais em couro cabeludo: Ambas bem aderidas, firmes, friáveis e indolores. A maior mostrou‐se formada por contiguidade de metástase de carcinoma de células renais e adenocarcinoma intestinal; a menor mostrou‐se formada apenas por células de carcinoma de células renais.

As lesões foram excisadas cirurgicamente em bloco, com fechamento utilizando enxerto de pele de espessura total. O exame histopatológico revelou duas lesões dérmicas com células de citoplasma claro, núcleos pleomórficos, vasculatura proeminente e necrose geográfica. A imuno‐histoquímica para CD10 e PAX‐8 confirmou o carcinoma renal de células claras (CCR) metastático. Sob a maior lesão, havia proliferação dérmica de células atípicas formando estruturas glandulares, com pleomorfismo, atividade mitótica e necrose intraluminal. A coloração imuno‐histoquímica foi positiva para CK20, CDX2 e SATB2, consistente com adenocarcinoma colorretal metastático (figs. 2 e 3).

Figura 2.

Histopatologia da maior lesão no couro cabeludo. (A) Neoplasia formada por células claras com área de necrose geográfica. (B) Células claras com núcleos pleomórficos permeadas por vascularização proeminente. (C) Sob o carcinoma de células claras, neoplasia com padrão tubular. (D) Área de embolização angiolinfática entre as duas neoplasias. (E‐F) Adenocarcinoma com pleomorfismo nuclear e atividade mitótica atípica.

Figura 3.

Perfil de expressão imuno‐histoquímica diferente entre as duas neoplasias, com positividade de CD10 e PAX9 no carcinoma de células claras, e de SATB2 e CK20 no adenocarcinoma.

A colonoscopia revelou lesão infiltrativa no reto distal, confirmada por biopsia como adenocarcinoma colorretal. O estadiamento por tomografia mostrou metástases pulmonares e hepáticas. Um mês após a cirurgia, apesar das margens livres, surgiram três novos implantes metastáticos na borda do enxerto (fig. 4). O paciente foi encaminhado à oncologia para tratamento paliativo.

Figura 4.

(A) Planejamento pré‐operatório das lesões excisadas. (B) Vista intraoperatória evidenciando a ressecção das lesões em bloco. (C) Resultado imediato do pós‐operatório com fechamento da ferida utilizando enxerto de pele de espessura total. (D‐F) Evolução no pós‐operatório tardio mostrando o surgimento de novos implantes metastáticos na borda do enxerto.

Metástases cutâneas, em geral, surgem após o diagnóstico do tumor primário, mas, em até 1/3 dos casos, podem ser a primeira manifestação do câncer. Em 79% dos pacientes, estão associadas a metástases viscerais concomitantes.1 A incidência de metástases cutâneas varia entre 0,7% e 9% dos pacientes com malignidades. Os tumores com maior tendência variam entre os sexos: em homens, pulmão (24%–28,6%), trato gastrintestinal (14,2%–19%), melanoma (13%–18,2%) e carcinoma escamoso de cabeça e pescoço (9,1%–12%); em mulheres, mama (69%), colorretal (9%), melanoma (5%) e ovário (4%).2

O carcinoma de células renais representa 2%–3% das neoplasias sólidas em adultos; a pele é o terceiro local mais comum de metástase, após linfonodos e pulmões (6%–11%).3 Clinicamente, apresenta‐se como nódulos avermelhados ou arroxeados, pulsáteis, localizados em extremidades, face, couro cabeludo ou cicatrizes, podendo simular angiomas e granulomas piogênicos.3,4 Imuno‐histoquimicamente, é positivo para PAX8, queratina, EMA, RCC‐Ma, CD10, vimentina e S100, e negativo para CK7, CK20, inibina, Melan‐A, calretinina e TTF‐1.2,5

O adenocarcinoma colorretal é o tumor gastrintestinal com maior propensão a metástases cutâneas (4% dos casos).6 Em geral, surgem após o diagnóstico do tumor primário, manifestando‐se como nódulos no abdome, pelve ou região umbilical, incluindo o clássico nódulo de Sister Mary Joseph.5,7 Mais raramente, ocorrem no rosto ou em cicatrizes. Imuno‐histoquimicamente, são positivos para SATB2, CK20, CDX2, mucina e CEA, e negativos para CK7.2,8

A coexistência de metástases de dois sítios primários distintos em uma única lesão cutânea, como observado neste caso, pode ser explicada pelos modelos de progressão metastática. Segundo as hipóteses de expansão clonal e variante rara, as alterações genéticas e epigenéticas conferem vantagens seletivas às células tumorais, permitindo angiogênese, evasão imunológica e invasão tecidual. Essas vantagens dependem da interação entre as células tumorais e o microambiente tecidual, mediada por moléculas como integrinas, fatores de crescimento angiogênicos e proteínas de adesão celular.2

Neste caso, o couro cabeludo, por ser região altamente vascularizada, pode ter oferecido ambiente favorável para o desenvolvimento tumoral. Além disso, a metástase inicial do carcinoma de células renais pode ter causado alterações locais, como estase vascular, criando microambiente propício que facilitou a implantação subsequente de células metastáticas do adenocarcinoma colorretal.

Alternativamente, a presença simultânea das duas neoplasias pode ser resultado de um processo contingencial, no qual a imunossenescência e alterações microambientais favorecem a ocorrência independente, mas concomitante, dessas metástases.

Este caso ressalta a importância da avaliação diagnóstica detalhada pelo dermatopatologista, com exame global das lesões excisadas para identificar padrões celulares distintos e orientar a investigação imuno‐histoquímica. Estudos futuros são necessários para aprofundar o conhecimento dos mecanismos de interação entre as células malignas e o microambiente cutâneo, assim como suas implicações clínicas.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Matheus Alves Pacheco: Concepção e o desenho do estudo; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante.

Amanda Amaro Pereira: Concepção e o desenho do estudo; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante.

Leonardo Simas Abi Saab: Concepção e o desenho do estudo.

Rúbia Tabata Rigatti: Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante.

Oscar Cardoso Dimatos: Concepção e o desenho do estudo.

Athos Paulo Santos Martini: Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante.

Conflito de interesses

Nenhum.

Editor

Ana Maria Roselino

Disponibilidade de dados de pesquisa

Não se aplica.

Referências
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Como citar este artigo: Pacheco MA, Pereira AA, Abi Saab LS, Rigatti RT, Dimatos OC, Martini APS. Double invasion: an unprecedented case of metastases from two distinct primary sites coexisting in a single cutaneous lesion. An Bras Dermatol. 2025;100:501195.

Trabalho realizado no Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.

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