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Vol. 100. Núm. 5.
(setembro - outubro 2025)
Cartas ‐ Caso clínico
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Mielodisplasia cutis refratária em paciente com progressão para leucemia mieloide aguda
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Miguel Mansilla‐Poloa,b,
, Daniel Martín‐Torregrosaa,b
a Departamento de Dermatologia, Hospital Universitario y Politécnico La Fe, Comunidad Valenciana, Valência, Espanha
b Departamento de Dermatologia, Instituto de Investigación Sanitaria (IIS) La Fe, Comunidad Valenciana, Valencia, Espanha
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Prezado Editor,

Em 1964, o Dr. Robert D. Sweet relatou oito pacientes com dermatose neutrofílica febril aguda, posteriormente denominada síndrome de Sweet (SS). Histopatologicamente, as lesões eram caracterizadas por infiltrado inflamatório dérmico rico em neutrófilos.1 Posteriormente, observou‐se que até 20% dos pacientes com SS estavam associados a malignidade, especialmente malignidades hematológicas e especificamente de linhagem mieloide (leucemia mieloide aguda e síndrome mielodisplásica [SMD]).2 Em 2005, Requena et al. relataram pela primeira vez que alguns casos de SS não tinham neutrófilos com características reativas normais, mas eram imaturos. Essas células mononucleares pareciam mais com histiócitos e expressavam imuno‐histoquimicamente mieloperoxidase (MPO), CD33, CD163, CD68, um imunofenótipo consistente com precursores mieloides, e células mielomonocíticas. Essa variante histológica da SS foi denominada síndrome de Sweet histiocitoide (SSH) e, posteriormente, demonstrou ser mais comum na SS associada a processos hematológicos do que na SS idiopática ou reativa.3 Descobertas mais recentes na última década tentaram investigar mais a fundo as dermatoses neutrofílicas associadas à SMD. Com base nos estudos do grupo de Vignon‐Pennamen et al., o termo mielodisplasia cutis (MC) foi proposto para se referir às dermatoses mieloides no espectro entre SS e leucemia cutis em pacientes com SMD. Especificamente, a definição precisa de MC representaria pacientes com SMD, lesões compatíveis com SS, com infiltrado dérmico composto por células mieloides imaturas, não blastogênicas e cuja clonalidade é exatamente a mesma daquela associada às células mielodisplásicas na medula óssea. Assim, a MC na pele seria a expressão de um processo clonal na medula óssea, com mutações idênticas às da medula óssea.4 Esse conceito explicaria por que a MC é, em geral, dependente de corticosteroides, com doses geralmente crescentes (ao contrário da SS comum, que geralmente responde bem a corticosteroides). De fato, os tratamentos mais eficazes relatados para MC são aqueles comumente usados para SMD, como agentes desmetilantes (especialmente azacitidina e decitabina) e, em última análise, como tratamento curativo, o transplante alogênico de células‐tronco hematopoiéticas (alo‐HSCT).4,5

Nas figuras 1 e 2, apresenta‐se um paciente do sexo masculino, de 68 anos, com histórico de SMD de alto risco (mutações em DMT3A, EZH2 e TP53), que foi recentemente diagnosticado e tratado para MC no departamento de dermatologia. Esse paciente apresentou inicialmente (fig. 1) lesões compatíveis (e histologicamente confirmadas) com paniculite, especificamente paniculite lobular neutrofílica. Após resposta inicial à prednisona, quando a dose foi reduzida para <10mg/dia, o paciente continuou a desenvolver novos nódulos e úlceras semelhantes a pioderma gangrenoso, especialmente em áreas de trauma (punções, biopsias etc.; fig. 2), demonstrando fenômeno de patergia proeminente. Em vista dessas lesões, foi proposto o diagnóstico de MC e iniciado tratamento com azacitidina subcutânea semanal 75mg/m2 em colaboração com o Departamento de Hematologia. Os achados histopatológicos (fig. 3) revelaram que o infiltrado dérmico era rico em células com morfologia histiocitária, e a imuno‐histoquímica mostrou que as células combinavam imunofenótipos mieloide e monocítico, com expressão de MPO e CD163 e negatividade para CD3, PAX5, CD79a, CD34, CD43, CD56 e CD117. Não foram encontrados achados histopatológicos ou imuno‐histoquímicos compatíveis com leucemia cutis nas amostras examinadas, o que também foi inconsistente com a resposta aos corticosteroides. Foi solicitado teste genético de pele e medula óssea para o gene UBA1, e o diagnóstico de síndrome VEXAS (vacúolos, enzima E1, ligada ao X, autoinflamatória, somática) foi excluído. Esses achados e a evolução do paciente confirmaram o diagnóstico de MC. Apesar da resposta inicial à azacitidina, o paciente continuou a desenvolver novas lesões. Na tentativa de reduzir essas lesões neutrofílicas, o tratamento com ciclosporina e anakinra foi iniciado sucessivamente, de maneira compassiva, ambos sem resposta. Em virtude da idade e das comorbidades do paciente, o transplante alogênico de células‐tronco hematopoiéticas (TCTH) foi recusado. Três meses após o diagnóstico, o paciente evoluiu sistemicamente para leucemia mieloide aguda e faleceu em decorrência da doença, apesar de múltiplos ciclos de quimioterapia.

Figura 1.

Aspecto clínico das lesões cutâneas iniciais. Nódulos subcutâneos em ambos os membros inferiores e hemiabdome esquerdo (na área da administração de heparina, demonstrando fenômeno de patergia). A histopatologia das lesões nas pernas revelou paniculite lobular neutrofílica.

Figura 2.

Novas lesões cutâneas secundárias à patergia. (A) Placa eritematoviolácea no ombro esquerdo, ao redor da aplicação de vacina. (B) Nódulo subcutâneo na face medial do braço direito, na área de apoio. (C) Úlcera semelhante a pioderma gangrenoso na face interna do braço esquerdo, na via periférica. A histopatologia da lesão no ombro esquerdo mostrou síndrome de Sweet histiocitoide.

Figura 3.

Histopatologia de uma lesão no ombro (painel A, Hematoxilina & eosina 40; painel B, Hematoxilina & eosina 200; painel C, CD68 4×; painel D, MPO 4×). Infiltrado dérmico rico em células atípicas de aspecto histiocítico, dispostas em aglomerados e infiltrando feixes de colágeno (painéis A‐B). A imuno‐histoquímica mostrou que as células combinavam imunofenótipos mieloides e monocíticos, com expressão tanto de CD68 (painel C) quanto de MPO (painel D). Os marcadores linfoides (CD3, CD79a, CD63 e PAX5) foram negativos. CD34, CD56, CD117 e CD138 também foram negativos.

O objetivo deste artigo é chamar a atenção da comunidade científica para a existência da MC. Particularmente marcante na MC é o acentuado fenômeno da patergia (daí a necessidade de evitar procedimentos invasivos), a frequente corticodependência (seu tratamento é o da SMD e não, como usualmente, o das dermatoses neutrofílicas) e a necessidade de descartar a presença da síndrome VEXAS, dada sua associação conhecida e relatada. Trata‐se de distúrbio autoinflamatório recentemente descrito, causado por mutações somáticas no gene UBA1. Caracteriza‐se por inflamação sistêmica, lesões cutâneas (caracteristicamente placas eritematoedematosas com aparência de dermatoses neutrofílicas) e anormalidades hematológicas. A VEXAS está fortemente associada à SMD, com muitos pacientes apresentando citopenias e alterações displásicas na medula óssea, associando os componentes inflamatórios e hematológicos por meio de ubiquitinação e homeostase proteica defeituosas.4,5

Disponibilidade de dados de pesquisa

Não se aplica.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Miguel Mansilla‐Polo: Gerenciou tratamentos e procedimentos clínicos e redigiu a versão inicial do artigo.

Daniel Martín‐Torregrosa: Supervisionou o trabalho.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
R.D. Sweet.
An acute febrile neutrophilic dermatosis.
Br J Dermatol., 76 (1964), pp. 349-356
[2]
S. Zheng, S. Li, S. Tang, Y. Pan, Y. Ding, J. Qiao, et al.
Insights into the characteristics of sweet syndrome in patients with and without hematologic malignancy.
Front Med (Lausanne)., 7 (2020), pp. 20
[3]
L. Requena, H. Kutzner, G. Palmedo, M. Pascual, J. Fernández-Herrera, J. Fraga, et al.
Histiocytoid sweet syndrome: a dermal infiltration of immature neutrophilic granulocytes.
Arch Dermatol., 141 (2005), pp. 834-842
[4]
M.D. Vignon-Pennamen, M. Battistella.
From histiocytoid sweet syndrome to Myelodysplasia Cutis: history and perspectives.
Dermatol Clin., 42 (2024), pp. 209-217
[5]
C.P. Whittington, C.W. Ross, J.A. Ramirez, L. Lowe, N. Brown, A.C. Hristov.
Myelodysplasia Cutis.
Arch Pathol Lab Med., 148 (2024), pp. 385-389

Como citar este artigo: Mansilla‐Polo M, Martín‐Torregrosa D. Refractory myelodysplasia cutis in a patient with progression to acute myeloid leukaemia. An Bras Dermatol. 2025;100:501185.

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Hospital Universitario y Politécnico La Fe, Comunidad Valenciana, Valencia, Espanha.

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