Preenchimentos dérmicos (PD) são um dos procedimentos mais comuns realizados por dermatologistas, e seu uso continua a crescer a cada ano.1 Os materiais utilizados como PD incluem ácido hialurônico, hidroxiapatita de cálcio, ácido poli‐L‐láctico, silicone e polimetilmetacrilato (PMMA).2
Não há consenso sobre a definição de reações adversas precoces e tardias em relação ao tempo. Eventos adversos leves associados ao PD, conforme classificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), incluem edema, hematomas e eritema no local da injeção.3 Esses efeitos são geralmente autolimitados e não requerem intervenção médica significante. Em contraste, eventos adversos moderados, como infecções micobacterianas e reações inflamatórias granulomatosas, frequentemente requerem tratamento médico.3
Alguns preenchimentos têm abordagens específicas para o tratamento de granulomas, embora as evidências de sua eficácia variem dependendo do tipo de preenchimento utilizado.4 A extração cirúrgica raramente é utilizada, não apenas pela possibilidade de migração do preenchimento, mas também pelas limitações anatômicas significantes. Os preenchedores estão frequentemente presentes no sistema musculoaponeurótico ou próximos a estruturas críticas, como vasos, nervos ou glândulas, o que pode inviabilizar a excisão.5 Em casos graves ou recalcitrantes, inibidores do fator de necrose tumoral alfa (TNF‐α), como etanercepte e adalimumabe – normalmente reservados para complicações graves e resistentes ao tratamento – têm sido empregados com sucesso.6–9
O presente relato descreve o caso de paciente com reação granulomatosa tardia grave ao preenchedor, com resposta ao adalimumabe; uma revisão dos inibidores do TNF‐α utilizados nessas complicações foi realizada.
Paciente do sexo feminino, de 58 anos, compareceu à clínica dermatológica com histórico de oito anos de edema facial recorrente. Os sintomas começaram após a paciente receber injeções de preenchimento cosmético na face, com material desconhecido, por um clínico geral. No exame inicial, a paciente apresentou edema facial doloroso, eritema e presença de nódulos subcutâneos inflamatórios na região bucinadora e nos lábios (fig. 1). Ela havia recebido tratamento com metotrexato e hidroxicloroquina por dois anos, colchicina por um ano e antibióticos, incluindo doxiciclina e minociclina, por seis meses, sem melhora. A paciente vinha empregando dexametasona intramuscular a cada duas semanas por mais de cinco anos com controle irregular. Biopsias de pele mostraram infiltrado inflamatório crônico composto por histiócitos e linfócitos. Microvacúolos translúcidos abundantes de material semelhante ao silicone foram encontrados dentro dos histiócitos. A histopatologia foi consistente com granuloma de corpo estranho (fig. 2). As colorações de Ziehl‐Neelsen, Gram e PAS foram negativas. Os histiócitos eram CD68+e S‐100−. Culturas de biopsia de pele para bactérias, micobactérias e fungos foram realizadas duas vezes. Todas as culturas foram negativas. A PCR em biopsias de pele foi realizada para a detecção de Mycobacterium tuberculosis e micobactérias atípicas, que também foram negativas. No Brasil, o teste molecular rápido (TMR) está disponível apenas para M. tuberculosis (TMR‐TB), que utiliza a reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real para amplificar os ácidos nucleicos bacterianos. Não há TRM para micobactérias atípicas, e a detecção de micobactérias atípicas depende de testes de PCR realizados em culturas microbiológicas. Foi realizada tomografia computadorizada, que revelou edema facial direito, inflamação e presença de corpos estranhos de partes moles incrustados no tecido subcutâneo. Não foram identificadas anormalidades nos ossos, cavidade oral, mucosa faríngea ou músculos faciais. Adalimumabe subcutâneo 40mg a cada duas semanas foi prescrito após uma dose de ataque de 80mg. Após seis semanas, a paciente relatou melhora completa dos sintomas, com regressão completa dos nódulos subcutâneos e da inflamação. No seguimento de 12 meses, ela continuou recebendo adalimumabe a cada duas semanas, com controle completo da doença. No seguimento de 18 meses, foi realizada ultrassonografia para avaliar o material de PD. A ultrassonografia revelou nos lábios e no tecido subcutâneo das regiões malar e periorbital o sinal de “tempestade de neve”, compatível com preenchimento de silicone (fig. 3).
A segurança em longo prazo do adalimumabe foi bem estabelecida em outras condições. É necessário monitoramento anual com testes para tuberculose, hepatite B e C. Planeja‐se continuar o tratamento por pelo menos dois anos e, dependendo da resposta clínica, ajustar a dosagem a cada três semanas.
Foi realizada revisão da literatura sobre o uso de inibidores de TNF‐α e reações adversas a PD em 20 de dezembro de 2024, através do PubMed, com a seguinte estratégia de busca: (adalimumabe OU etanercepte OU “inibidores de TNF alfa” OU “inibidores de TNF”) E (silicone OU “ácido hialurônico” OU granuloma OU preenchimento dérmico OU cosmético).
Dos 336 registros recuperados, foram identificados seis casos que apresentaram reação adversa por PD e foram tratados com inibidor de TNF‐α (tabela 1). O texto completo de um dos casos não pôde ser recuperado dos registros eletrônicos, e cinco casos foram incluídos nesta análise. As idades dos pacientes variaram de 36 a 78 anos.6–9 Em relação à composição do PD, todos os casos relataram uso de preenchimentos de silicone.6–9 Três pacientes receberam injeções nas panturrilhas e nádegas, e dois pacientes receberam injeções na região facial.6–9 Três pacientes foram tratados com adalimumabe 40mg por via subcutânea a cada duas semanas, e dois pacientes com etanercepte 25mg por via subcutânea duas vezes por semana.6–9 Na maioria dos casos, o tempo de melhora após o início do inibidor de TNF‐α variou de um a dois meses, com regressão completa no seguimento subsequente.7–9
Artigos incluídos na revisão de literatura sobre inibidores anti‐TNF alfa e reações adversas a preenchimentos dérmicos
| Autor | Ano | Idade | Sexo | Terapia anti‐TNF utilizada | Posologia | Material usado | Área injetada | Tempo de resposta após o tratamento | Tempo para desenvolver lesões | Reação adversa | Falha do tratamento | Tempo de seguimento e resultados |
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| Pasternack et al.9 | 2005 | 47 | Feminino | Etanercepte | 25mg via subcutânea, duas vezes por semana | Silicone | Panturrilhas e nádegas | 1 mês | 10 anos | Eritema, edema, endurecimento e sensibilidade nas pernas e tornozelos anteriores, nas panturrilhas e nádegas | ‐Piperacilina e tazobactam‐Trimetoprima e sulfametoxazol.‐Amicacina e imipenem‐Linezolida‐Minociclina | 2 meses e regressão das lesões |
| Pasternack et al.9 | 2005 | 37 | Feminino | Etanercepte | 25mg via subcutânea, duas vezes por semana | Silicone | Nádegas | 1 mês | 5 meses | Eritema e edema da parte posterior da perna esquerda e nódulos subcutâneos dolorosos com endurecimento sobrejacente nas nádegas | ‐AINEs‐Hidrocodona‐Minociclina | 2 meses e remissão completa |
| Guhan et al.8 | 2021 | 36 | Feminino | Adalimumabe | 40mg a cada 2 semanas após dose de ataque de 80 mg | Silicone | Nádegas | 2 meses | 3 anos | Placas violáceas a rosadas, ligeiramente endurecidas, nas nádegas bilaterais | ‐Cefalexina‐Dipropionato de betametasona 0,05%‐Hidroxicloroquina‐Minociclina | 2 meses e remissão completa |
| Silverberg et al.6 | 2022 | 78 | Feminino | Adalimumabe | 40mg a cada duas semanas | Silicone | Região bucinadora e glabela | Não mencionado | 18 anos | Placas eritematosas e dolorosas na região bucinadora e na testa | ‐Prednisona‐Acetonido de triancinolona‐Doxiciclina‐Ciclosporina‐Micofenolato de mofetil | 14 meses e remissão completa |
| de la Torre Gomar et al.7 | 2023 | 63 | Feminino | Adalimumabe | 40mg a cada duas semanas após dose de ataque de 80 mg | Silicone | Lábios | 1 mês | 20 anos | Angioedema facial e nódulos eritematosos subcutâneos localizados na testa e na região bucinadora | ‐Prednisona‐Alopurinol‐Acetonido de triancinolona‐Loratadina‐Hidroxicloroquina‐Dapsona | 26 meses e remissão completa |
| Presente relato | 2024 | 58 | Feminino | Adalimumabe | 40mg a cada duas semanas após dose de ataque de 80 mg | Desconhecido | Região bucinadora e lábios | 2 semanas | 8 anos | Edema facial doloroso, eritema e presença de nódulos subcutâneos inflamatórios na região bucinadora e lábios | ‐Metotrexato‐Colchicina‐Hidroxicloroquina‐Doxiciclina‐Minociclina | 12 meses e remissão completa |
Pasternack et al.9 apresentaram dois pacientes com eritema, edema, dor e limitações funcionais após injeções de silicone nas panturrilhas e nádegas. Os tratamentos iniciais com antibióticos mostraram apenas melhora leve, mas a terapia com etanercepte produziu regressão significante dos sintomas em duas semanas. Guhan et al.8 relataram duas mulheres com granulomas de silicone nas nádegas. O primeiro caso respondeu a antibióticos, enquanto o outro não apresentou melhora com antibióticos, hidroxicloroquina ou esteroides tópicos. A segunda paciente apresentou remissão completa após 10 semanas de terapia com adalimumabe. Silverberg et al.6 apresentaram um caso de injeções de silicone na região bucinadora e glabela, que levaram a placas endurecidas bilaterais nas nádegas. A paciente respondeu inicialmente à prednisona, mas apresentou exacerbação durante a redução gradual. Os tratamentos com triancinolona, doxiciclina, ciclosporina e micofenolato mofetil foram ineficazes, mas a administração de adalimumabe foi eficaz na resolução e regressão das lesões após 14 meses. De la Torre Gomar et al.7 descreveram um paciente com angioedema facial e nódulos eritematosos subcutâneos que não apresentou melhora após tratamento com prednisona, alopurinol, triancinolona, loratadina e hidroxicloroquina. A terapia com adalimumabe levou à resposta em um mês.
Os mecanismos imunológicos subjacentes às reações granulomatosas a PD não são bem conhecidos. A resposta granulomatosa a biomateriais varia dependendo de sua permanência e propriedades específicas. Materiais permanentes e não biodegradáveis tipicamente induzem reação de corpo estranho mais persistente em virtude de sua resistência à degradação, levando à atividade sustentada de macrófagos. Em contraste, materiais biodegradáveis são gradualmente reabsorvidos e tendem a desencadear resposta inflamatória menos prolongada. Além disso, a frequência e a gravidade da formação de granulomas são influenciadas por fatores como morfologia da superfície e fragmentação do material, com biomateriais irregulares ou particulados provocando reações inflamatórias mais intensas.10
A incapacidade de fagocitar grandes partículas estranhas pode resultar em inflamação crônica e formação de granulomas. Esses granulomas são compostos por macrófagos e linfócitos que secretam citocinas pró‐inflamatórias, incluindo TNF‐α, interferon‐gama e interleucina‐12. Além disso, os preenchedores podem atuar como adjuvantes, amplificando a resposta imune inata e desencadeando a liberação de citocinas inflamatórias Th1. Preenchimentos permanentes, como silicone líquido e polimetilmetacrilato, são altamente suscetíveis a inflamação crônica, infecções, formação de abscessos e migração, mesmo anos após a injeção. Em contraste, preenchedores não permanentes, como o ácido hialurônico, são geralmente mais seguros, mas ainda podem causar reações granulomatosas. É crucial descartar infecções subjacentes por bactérias, micobactérias ou fungos em todos os casos de reação crônica a preenchedores dérmicos.11 Quando a substância é desconhecida, é essencial determinar se ela foi manipulada e identificar o profissional responsável pelo procedimento.
Os inibidores de TNF‐α atuam bloqueando o TNF circulante ligado às células. Por meio desse mecanismo, exercem ação inibitória sobre macrófagos e podem auxiliar no controle da formação de granulomas.11 Após a paciente não responder a múltiplos tratamentos (esteroide, metotrexato, hidroxicloroquina, colchicina e antibióticos), o uso de um inibidor de TNF‐α foi empregado como alternativa, tendo sido relatado como eficaz em alguns relatos de caso.6–9 Raramente, esses medicamentos podem apresentar formação paradoxal de granulomas, o que deve ser considerado pelos médicos. Reações granulomatosas decorrentes de preenchimentos não permanentes, como o ácido hialurônico, podem se resolver espontaneamente ou ser tratadas com outras opções, incluindo hialuronidase ou, em casos selecionados, cirurgia. O efeito dos inibidores de TNF‐α em preenchimentos não permanentes não é bem conhecido; são necessárias mais pesquisas para determinar a melhor estratégia de tratamento.
Como limitação, a revisão da literatura compreende cinco relatos de caso, os quais são insuficientes para tirar conclusões definitivas sobre a eficácia geral dos inibidores de TNF‐α no tratamento de reações granulomatosas a PD. Mais pesquisas são necessárias para determinar a segurança e a eficácia a longo prazo dos inibidores de TNF‐α nesses casos.
Relatamos o caso de uma paciente com seguimento de um ano e remissão de reação inflamatória granulomatosa decorrente de PD, tratada com sucesso com adalimumabe. O tratamento dessas lesões pode ser desafiador, e os médicos devem considerar os inibidores de TNF‐α como possível tratamento para casos recalcitrantes.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresPablo Gámez‐Siller: Obtenção de dados, revisão bibliográfica e elaboração e redação do manuscrito.
Héctor Moreno‐Dávila: Concepção do estudo e revisão crítica do manuscrito.
Max Oscherwitz: Análise estatística e interpretação dos dados.
Rodolfo Franco‐Márquez: Análise histopatológica e preparação das figuras.
Dionicio Ángel Galarza‐Delgado: Supervisão e aprovação final do manuscrito.
Jesús Alberto Cárdenas‐de la Garza: Concepção do estudo, autor para correspondência e revisão do manuscrito.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão se aplica.
Conflito de interessesNenhum.
AgradecimentosAgradecemos ao Dr. Ricardo David Martínez López por sua valiosa colaboração na realização e interpretação do ultrassom.
EditorAna Maria Roselino
Como citar este artigo: Gámez‐Siller P, Moreno‐Davila H, Oscherwitz M, Franco‐Márquez R, Galarza‐Delgado DA, Cardenas‐de la Garza JA. Granulomatous filler reaction treated with adalimumab: a case report and literature review. An Bras Dermatol. 2025;100:501214.
Trabalho realizado no Departamento de Reumatologia, University Hospital “Dr José Eleuterio González,” Autonomous University of Nuevo León, Monterrey, México.





