Morfeia localizada, ou esclerodermia localizada, é doença autoimune do tecido conjuntivo caracterizada por inflamação e esclerose da pele e, às vezes, de tecidos mais profundos. A fisiopatologia não é totalmente compreendida; é doença provavelmente multifatorial, envolvendo interações entre fatores genéticos, infecções, medicamentos e alterações da via imunológica que promovem fibrose.1
Paciente do sexo masculino, de 68 anos, com histórico de hemangioma epitelioide na ulna proximal direita, apresentou pápulas e placas eritematovioláceas, escoriadas e pruriginosas (fig. 1). A histopatologia revelou erosão epidérmica focal acompanhada de hiperplasia epidérmica acentuada, hipergranulose e espongiose, juntamente com infiltrado linfocitário perivascular e intersticial na derme superficial; achados consistentes com prurigo nodular (fig. 2). O tratamento com dupilumabe foi iniciado com dose inicial de 600mg, seguida de 300mg administrados a cada duas semanas. Após seis meses de tratamento, surgiram lesões cutâneas dolorosas no cotovelo e tronco direitos. O exame físico revelou placa endurecida, acastanhada e brilhante, estendendo‐se da parte média do braço até o terço distal do antebraço no membro superior direito, bem como várias placas ovais em ambos os flancos do tronco (fig. 3). O hemograma do paciente era normal, sem eosinofilia, e os estudos de autoimunidade e sorologia não mostraram anormalidades.
A histopatologia da lesão no tronco mostrou alterações dérmicas, incluindo edema, ectasia vascular e esclerose progressiva, estendendo‐se para o tecido subcutâneo (fig. 4). Além disso, foi observado infiltrado inflamatório predominantemente linfo‐histiocitário, juntamente com envolvimento perivascular e intersticial. A imuno‐histoquímica para CD34 revelou perda de células dendríticas dérmicas (fig. 4).
(A) Epiderme preservada e presença de infiltrado inflamatório perivascular na derme (Hematoxilina & eosina, 2×). (B–C) Glândulas écrinas sem estroma adiposo, juntamente com colágeno denso. O infiltrado perivascular consiste predominantemente em elementos linfo‐histiocitários com plasmócitos ocasionais. Este infiltrado também é observado no interstício nesta ampliação (Hematoxilina & eosina, 20×e 40×). (D) A coloração CD34 mostra perda de células dendríticas dérmicas normalmente presentes na pele saudável (Imuno‐histoquímica CD34).
O dupilumabe foi descontinuado e o tratamento com metotrexato semanal (15mg), prednisona oral (regime de redução gradual) e clobetasol tópico (uma vez ao dia) foi iniciado, resultando em melhora progressiva das lesões.
A morfeia é doença multifatorial do tecido conjuntivo. Acredita‐se que envolva dois estágios de fisiopatologia: um estágio inflamatório inicial mediado pelos eixos Th1 e Th17, seguido por um estágio fibrótico mediado pelo eixo Th2.1 A resposta ao Th2 tem sido implicada no desenvolvimento de doenças fibróticas, promovendo a proliferação de fibroblastos e a produção de colágeno, sugerindo que o bloqueio do eixo IL‐4/IL‐13 pode prevenir a fibrose. O dupilumabe, anticorpo monoclonal direcionado à subunidade α do receptor da interleucina‐4 (IL‐4Rα), bloqueia a sinalização de IL‐4 e IL‐13 e tem sido proposto como tratamento potencial para esclerodermia localizada.2 Embora apenas quatro casos de morfeia e esclerose localizada associados ao dupilumabe tenham sido relatados na literatura até o momento (tabela 1), numerosos casos de dermatite psoriasiforme mediada pelas vias Th1 e Th17 foram relatados após o início da terapia com dupilumabe.1,3–5 No presente caso, isso pode ser atribuído à inibição da IL‐4, que pode promover a superprodução da variante IL‐4δ2. Essa variante da IL‐4 aumenta os níveis de IFN‐γ e TNF‐α, ativando a via Th1 e a inflamação, facilitando, em última análise, a deposição de colágeno na matriz extracelular.3
Características demográficas e clínicas dos casos de morfeia após o início do dupilumabe
Paciente | Idade | Sexo | Condição subjacente | Período de latência | Apresentação clínica | Tratamento |
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1 | 10 anos | Feminino | Dermatite atópica | 34 semanas após o início | Placa no tornozelo e no pé | Descontinuação do dupilumabe. Início do metotrexato e prednisona oral. |
2 | 14 anos | Masculino | Dermatite atópica | 5 meses após o início | Placa linear no couro cabeludo | Descontinuação do dupilumabe. Início de corticosteroides tópicos; após falha, metotrexato e metilprednisolona intravenosa. |
3 | 20 anos | Feminino | Dermatite atópica | 8 meses após o início | Múltiplas placas nas extremidades superiores e inferiores | Descontinuação de dupilumabe. Início de micofenolato de mofetil. |
4 | 67 anos | Feminino | Asma e rinite crônica | 5 dias após o início | Lesões múltiplas no tronco | Continuou com dupilumabe. Resolução uma semana após a segunda injeção. |
As células dendríticas dérmicas CD34+geralmente estão distribuídas por toda a derme reticular, e acredita‐se que desempenhem papéis na cicatrização de feridas e na manutenção da arquitetura dérmica.6 A perda da expressão de CD34 ajudou a diferenciar a morfeia de outras dermatoses com infiltrados linfo‐histiocitários na derme e é um fenômeno observado em distúrbios que envolvem degeneração do colágeno, como a morfeia.7,8 A expressão de CD34 na derme é inversamente proporcional à extensão da morfeia; portanto, em um caso como o aqui apresentado, em que a expressão de CD34 foi perdida, há maior probabilidade de envolvimento de tecidos profundos. Essa sobreposição entre morfeia profunda e fasciíte eosinofílica foi observada.6 Dada a ausência de eosinófilos dérmicos e hemograma normal, o diagnóstico de morfeia foi estabelecido. Metotrexato e corticosteroides foram escolhidos para o tratamento em virtude de sua eficácia tanto no prurigo nodular quanto na morfeia.
Apresentamos um caso de morfeia generalizada após o início do dupilumabe para prurigo nodular. O bloqueio de IL‐4 e IL‐13 representa alvo potencial para o tratamento de distúrbios escleróticos; entretanto, esse bloqueio pode interromper os mecanismos de cicatrização, favorecendo a deposição de colágeno e aumentando o tecido cicatricial por meio da desregulação das vias de sinalização Th1/Th2.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJosé González Fernández: elaboração, redação e supervisão do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Mariano Ara Martín: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso; revisão do manuscrito.
Sergio García González: Elaboração e redação do manuscrito; participação na orientação do caso.
Sara Pilar Martínez Cisneros: Concepção e planejamento do estudo; revisão da literatura.
Mar García García: Revisão da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Sonia de la Fuente Meira: Elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito; decisão final sobre a condução diagnóstica e terapêutica do caso.
Conflito de interessesNenhum.
EditorHiram Larangeira de Almeida Jr.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão se aplica.
Como citar este artigo: González‐Fernández J, Ara‐Martín M, García‐González S, Martínez‐Cisneros SP, García‐García M, de la Fuente‐Meira S. Paradoxical morphea‐like reaction after initiation of dupilumab for nodular prurigo. An Bras Dermatol. 2025;100:501193.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Departamento de Anatomia Patológica, Hospital Clínico Universitario Lozano Blesa, Zaragoza, Espanha.