A síndrome VEXAS (SV) é doença autoinflamatória rara, descrita recentemente, que acomete principalmente homens com mais de 50 anos e é causada por mutações somáticas do gene UBA1, localizado no cromossomo X.1,2 O quadro clínico inclui sintomas constitucionais (febre, sudorese noturna, fadiga, perda ponderal) e manifestações hematológicas, musculoesqueléticas, cardiopulmonares e cutâneas (fig. 1).2–6
O envolvimento da pele ocorre em 80% a 100% dos casos e caracteriza‐se por pápulas e placas eritematosas e/ou violáceas, às vezes edematosas, predominantemente em dorso, membros superiores, pescoço e face. Nos membros inferiores, observam‐se, sobretudo, pápulas e placas eritematosas a purpúricas.7 O quadro cutâneo é frequentemente diagnosticado, inicialmente, como síndrome de Sweet ou vasculite com base nos achados histopatológicos de dermatose neutrofílica e vasculite leucocitoclástica, respectivamente.1 Embora não haja critérios diagnósticos estabelecidos na SV, a avaliação da medula óssea é essencial para identificar vacúolos citoplasmáticos em precursores mieloides e eritroides. Entretanto, para o diagnóstico definitivo, a confirmação genética de mutações no gene UBA1 é necessária.8
O tratamento é ainda incerto, e os glicocorticoides são os medicamentos mais úteis.8 O prognóstico é reservado, com mortalidade de 30% a 40% em cinco anos.7 Porém, transplante de medula óssea e terapias de edição genética parecem promissoras, segundo estudos recentes.9 O objetivo deste relato de caso foi destacar as manifestações cutâneas na SV e reforçar a importância do teste genético no prognóstico do paciente e na compreensão da SV.
Paciente do sexo masculino, de 64 anos, procurou a emergência por perda de 16kg nos últimos seis meses, sangue nas fezes há cinco meses, anemia há quatro meses, história de fadiga há um mês e febre aferida acima de 38°C há três dias. Referia ainda o surgimento de lesões cutâneas assintomáticas há uma semana. O exame físico revelou placas urticariformes no tronco, dorso, membros superiores, palmas, plantas e face e de máculas e pápulas violáceas, que não desapareciam à digitopressão, nos membros inferiores (fig. 2A–B). Os exames laboratoriais revelaram elevação sérica da proteína‐C‐reativa, com valor de 152mg/L, anemia macrocítica com hemoglobina de 6,2g/dL e volume corpuscular médio de 116,5 fL, neutrofilia de 14.400μL, dos quais 23% de bastões (3.319μL) e plaquetopenia de 53.000μL.
Foram realizadas biopsias das lesões da pele no tronco, compatíveis com síndrome de Sweet, e no membro inferior esquerdo, compatíveis com vasculite leucocitoclástica (fig. 3). O exame de imunofluorescência direta das lesões no membro inferior não evidenciou depósitos imunes.
Achados histopatológicos. Biopsia de lesão no tronco evidencia infiltrado mono e polimorfonuclear, com neutrófilos particulados e hemácias extravasadas, sem sinais de vasculite (A, Hematoxilina & eosina, 200×; B, Hematoxilina & eosina, 400×). Biopsia de lesão em membro inferior demonstra hemácias extravasadas, infiltrado inflamatório misto perivascular com leucocitoclasia e presença de trombos de fibrina na parede dos capilares (C, Hematoxilina & eosina, 100×; D, Hematoxilina & eosina, 400×).
Para manejo inicial, foi prescrito prednisona na dose de 1mg/kg/dia, com melhora significante das lesões após 48 horas do início do corticoide. Além disso, foi introduzida antibioticoterapia para o quadro de febre associada a leucocitose com desvio à esquerda no leucograma e eritropoetina para anemia.
O mielograma identificou achados sugestivos de síndrome mielodisplásica, e a biopsia de medula óssea evidenciou hipercelularidade com alterações mielodisplásicas/mieloproliferativas associada a megacariocitose e mielofibrose grau 1. Em virtude desses achados, foi levantada a hipótese de SV. O sequenciamento genético de espécimes de medula óssea do paciente evidenciou a presença da mutação c.1741+15G>A no gene UBA1 (fig. 4).
As alterações cutâneas, presentes na maioria dos pacientes com SV, são geralmente a primeira manifestação da síndrome, reforçando o papel essencial do dermatologista no reconhecimento precoce da doença. Diante de um caso de síndrome de Sweet, associado ao achado de vasculite nos membros inferiores e a sintomas constitucionais, além de acometimento de outros sistemas, principalmente hematológico, em homens com mais de 50 anos, deve ser aventada SV como diagnóstico diferencial.
O reconhecimento oportuno e precoce de casos suspeitos acarreta assertividade na solicitação do teste genético. A identificação de novas variantes somáticas patogênicas no gene UBA1 possibilita direcionar a avaliação genética, tornando‐a mais rápida e eficaz. Possivelmente ainda há inúmeras variantes patogênicas ainda não descritas relacionadas à SV. O sequenciamento genético desse paciente identificou uma variante de significado incerto, visto que não se encontra entre as já descritas até o momento (fig. 4).10 Por isso, presume‐se que se trata de mais uma variante relacionada à SV ainda não reconhecida.
A conscientização sobre a SV pelo dermatologista é fundamental para facilitar o diagnóstico precoce. Novas variantes patogênicas no gene UBA1 identificadas na SV devem ser documentadas para melhor entendimento da doença e para avaliação genética mais eficiente, objetivando mitigar a alta morbimortalidade.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresIsabel Crivelatti: Concepção e o desenho do estudo; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante.
Shirley Massimo de Souza: Obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa.
Oscar Cardoso Dimatos: Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; participação efetiva na orientação da pesquisa.
Gabriella Di Giunta Funchal: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Andressa Miozzo Soares: Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Amanda Amaro Pereira: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão se aplica.
Conflito de interessesNenhum.
EditorAna Maria Roselino.
Como citar este artigo: Crivelatti I, Souza SM, Dimatos OC, Funchal GG, Soares AM, Pereira AA. VEXAS syndrome: cutaneous manifestations and UBA1 gene variants in the diagnosis of a rare autoinflammatory syndrome – A case report. An Bras Dermatol. 2025;100:501233.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, Florianópolis, SC, Brasil.





