A necrólise epidérmica tóxica (NET) é condição mucocutânea aguda, potencialmente fatal, caracterizada por necrose e descolamento epidérmico em resposta a gatilhos principalmente farmacológicos.1–3
Embora mais de 90% dos pacientes com NET apresentem envolvimento da mucosa oral, ainda faltam protocolos de tratamento baseados em evidências para essas manifestações, dada a baixa incidência da doença.1
Relata‐se o caso de um paciente adulto com NET, submetido à terapia a laser de baixa intensidade (LLLT, do inglês low‐level laser therapy) para suas manifestações orais refratárias ao tratamento.
Paciente do sexo masculino, de 38 anos, com histórico de cirurgia bariátrica e depressão, em tratamento crônico com aripiprazol, escitalopram, esomeprazol e multivitamínicos e iniciando modafinil, trazodona e acetazolamida no último mês, foi encaminhado ao departamento com histórico de cinco dias de astenia, febre não aferida, conjuntivite, anorexia e disfagia. Lesões cutâneas generalizadas surgiram posteriormente.
Na admissão, o paciente estava febril (39°C), taquicárdico (110 bpm) e taquipneico, necessitando de intubação orotraqueal para ventilação mecânica.
O exame físico revelou erupção cutânea vesiculobolhosa generalizada envolvendo mais de 60% da superfície corporal, juntamente com desnudação cutânea no dorso e genitais e queilite hemorrágica. O sinal de Nikolsky foi positivo.
Foi realizada biopsia de pele, e a histopatologia revelou necrose epidérmica total, com infiltrado linfocitário perivascular superficial leve e imunofluorescência direta negativa.
Exames laboratoriais adicionais descartaram doenças infecciosas e autoimunes.
Foi diagnosticado NET (escala SCORTEN: 3 pontos), e o tratamento multidisciplinar foi instituído, incluindo a suspensão de medicamentos não essenciais e medidas de suporte cutâneo‐sistêmico. As ferramentas de avaliação de causalidade não permitiram determinar o medicamento culpado, dada a polifarmácia do paciente e o período de início do tratamento semelhante.
Pulsoterapia com metilprednisolona (500mg/dia por três dias, com redução gradual subsequente) e imunoglobulina intravenosa (2g/kg ao longo de três dias) foram iniciadas. Culturas seriadas de pele e sangue também foram realizadas, com início precoce de antibioticoterapia planejado em caso de superinfecção.
Em virtude da atividade clínica persistente, dose única de etanercepte 50mg por via subcutânea foi prescrita no quinto dia de internação.
O paciente apresentou, posteriormente, resposta cutânea clínica favorável, porém com queilite hemorrágica persistente e úlceras orais (fig. 1). Portanto, no 11° dia de internação, foram repetidos os testes de PCR para herpes simplex vírus I/II e Mycoplasma pneumoniae na mucosa oral, que foram negativos, e optou‐se por iniciar a LLLT.
Utilizando o aparelho Laser Duo (InGaAIP, MMOptics), foram realizadas sessões diárias de LLLT, com comprimentos de onda de 660nm e 808nm, e fluência de 6J/cm2 por ponto de aplicação, incluindo lábios, mucosa jugal, palato duro e língua (fig. 2).
Foram realizadas seis sessões, posteriormente descontinuadas em decorrência de resposta clínica favorável (fig. 3A‐C), avaliada como redução da dor e resolução da queilite hemorrágica.
O paciente recebeu alta hospitalar no 26° dia de internação, sem complicações decorrentes da LLLT até o seguimento atual de seis meses.
A LLLT é terapia de luz não invasiva que não envolve fenômenos térmicos ou ablativos e, como o próprio nome sugere, consiste na administração de energia de baixa densidade.4
Seu mecanismo de ação baseia‐se na fotobiomodulação, processo no qual a interação de fótons com citocromos e porfirinas mitocondriais produz a liberação temporária de óxido nítrico, estimulando a síntese de trifosfato de adenosina e promovendo a formação de espécies reativas de oxigênio, resultando na ativação celular.4,5 Sucessivamente, diversas vias intracelulares que modulam a síntese de proteínas e ácidos nucleicos são desencadeadas; os níveis de citocinas e mediadores inflamatórios são regulados; e a diferenciação e proliferação celular são promovidas.5,6
Vários estudos associaram a LLLT a propriedades analgésicas, anti‐inflamatórias e restauradoras,4,5 o que promoveu seu uso em diversas condições, incluindo aquelas com envolvimento da mucosa, como líquen plano oral, penfigoide da membrana mucosa, estomatite aftosa recorrente e mucosite secundária à quimioterapia, entre outras.5,7–9
Que seja de conhecimento dos autores, existem apenas três relatos anteriores de seu uso em casos de reações adversas graves a medicamentos, incluindo NET (todos em pacientes pediátricos), com desfechos clínicos favoráveis, como no caso do presente paciente.1–3
Como limitação do caso apresentado, não é possível descartar um potencial benefício tardio de terapias sistêmicas nas manifestações orais do paciente, que podem ter sido complementares ou sobrepostas à ação da LLLT. Além disso, ainda faltam diretrizes sobre os parâmetros ideais para o uso da LLLT.
Em conclusão, A LLLT pode representar terapia válida para manifestações orais refratárias em pacientes com reações adversas a medicamentos, como NET, em virtude de suas propriedades analgésicas, anti‐inflamatórias e restauradoras. Entretanto, ensaios clínicos randomizados são necessários para corroborar esses achados.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresVictor Meza: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação de dados; revisão crítica do manuscrito.
Isidora Mujica: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Marianne Kolbach: Elaboração e redação do manuscrito; análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Claudio Escanilla: Elaboração e redação do manuscrito; análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Fernando Valenzuela: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Disponibilidade de dados de pesquisaNão aplicável.
Conflito de interessesNenhum.
EditorLuciana P. Fernandes Abbade.
Como citar este artigo: Meza V, Mujica I, Kolbach M, Escanilla C, Valenzuela F. Low‐level laser therapy for the treatment of oral manifestations in a patient with toxic epidermal necrolysis: a case report. An Bras Dermatol. 2025;100:501234.
Trabalho realizado na Clínica Universidad de los Andes, Santiago, Chile.




