A leishmaniose é doença parasitária causada por protozoários do gênero Leishmania, transmitida pela picada de flebotomíneos infectados.1–3 A leishmaniose é endêmica em regiões tropicais, subtropicais e mediterrâneas, com sua distribuição abrangendo o Velho Mundo (África, Ásia, Oriente Médio, Bacia do Mediterrâneo) e o Novo Mundo (América Central e do Sul).3 A leishmaniose tem diferentes apresentações clínicas, incluindo leishmaniose visceral (LV), leishmaniose cutânea (LC) e leishmaniose mucocutânea (LM).1,3,4 Em Portugal, a LV é endêmica, tendo os cães como reservatório primário, e a LC é considerada doença rara.5,6
A LC geralmente se apresenta em áreas expostas (face, pescoço e extremidades) como papulonódulos solitários ou múltiplos, indolores, que podem progredir para necrose, ulceração e formação de cicatrizes.1,4
Leishmaniamexicana é encontrada principalmente na América Central, México e Texas.4 Essa espécie está associada a pequenas úlceras cutâneas crônicas, com taxa de cicatrização espontânea superior a 75% em três meses.1,4
Relata‐se o caso de um paciente do sexo masculino, de 32 anos, com nódulo eritematoso no mento, apresentando ulceração central recoberta por exsudato amarelado e crosta, com progressão documentada ao longo de três meses (fig. 1). Seis meses antes, ele havia viajado para o México (selva de Bacalar) e havia sido tratado previamente com antibióticos, sem melhora. As culturas iniciais da ferida isolaram Klebsiella aerogenes, o que levou ao tratamento com ciprofloxacino direcionado por três semanas, com melhora parcial. O exame histopatológico revelou macrófagos dérmicos contendo numerosas formas amastigotas intracelulares de Leishmania (figs. 2 e 3), corroborado por cultura cutânea positiva. Leishmania mexicana foi identificada por técnicas moleculares utilizando o Internal Transcribed Spacer 1 – Polymerase Chain Reaction – Restriction Fragment Length Polymorphism (ITS1‐PCR‐RFLP) e sequenciamento da proteína de choque térmico 70 (HSP70).7 O paciente foi tratado com itraconazol (200mg a cada 12 horas) por três meses, com resolução completa (fig. 4). Que seja de conhecimento dos autores, esta é a primeira identificação de LC causada por L. mexicana em Portugal, representando infecção importada. Casos importados de LC causada por espécies do complexo L. mexicana foram relatados na Europa, embora permaneçam raros.8
A LC deve ser suspeitada em pacientes com lesões cutâneas que não cicatrizam e histórico de exposição a áreas endêmicas.1,2,4 Os diagnósticos diferenciais incluem outras condições infecciosas (p. ex., ectima, infecções micobacterianas atípicas, infecções fúngicas profundas), pioderma gangrenoso e neoplasias.1,4 O diagnóstico preciso requer alto índice de suspeição e a integração de achados clínicos, histopatológicos e moleculares. O presente caso destaca a importância de os dermatologistas permanecerem vigilantes para casos importados de LC.9 O crescente número de doenças importadas na Europa, como a LC, reflete o impacto da globalização, impulsionado pelo aumento de viagens internacionais e migração. Embora a probabilidade de espécies exóticas de Leishmania se estabelecerem em áreas não endêmicas seja relativamente baixa, em virtude da ausência de seus hospedeiros reservatórios primários, o potencial de espécies locais de flebotomíneos atuarem como vetores competentes não pode ser desconsiderado. Isso levanta a possibilidade de que espécies não nativas de Leishmania possam se adaptar e se disseminar, levando a preocupações significantes com a saúde pública.10
Em casos de lesões complexas (p. ex., lesões faciais), o tratamento sistêmico é necessário. As terapias sistêmicas de primeira linha incluem antimoniato de meglumina ou anfotericina B lipossomal.1,9 Diretrizes recentes apoiam a miltefosina oral como alternativa conveniente e eficaz. Imidazóis também podem ser considerados por sua conveniência e segurança, embora tratamentos prolongados e altas doses possam levar a efeitos adversos (p. ex., hepatotoxicidade).9 Os resultados do tratamento são monitorados com base na resolução clínica, incluindo reepitelização, regressão da infiltração e do eritema e achatamento da lesão, com seguimento recomendado por até 12 meses após o tratamento.1
A superinfecção bacteriana, como observada neste caso, é complicação importante da LC. A presença de Klebsiella aerogenes provavelmente contribuiu para o tamanho da lesão, a exsudação e o diagnóstico tardio. Embora esse organismo raramente seja um colonizador, seu papel patogênico foi ainda mais corroborado pela melhora inicial da lesão com antibioticoterapia direcionada.
Este relato documenta o primeiro caso identificado de L. mexicana em Portugal, representando infecção importada do México. Enfatizamos a necessidade de conscientização sobre a LC como diagnóstico diferencial para úlceras cutâneas, particularmente em pacientes com histórico de viagens para regiões endêmicas. O diagnóstico rápido e o tratamento oportuno são essenciais para prevenir complicações. Este caso destaca ainda mais a importância de reconhecer o papel da superinfecção bacteriana e destaca o itraconazol como opção de tratamento eficaz. Vigilância e conscientização contínuas são essenciais para tratar a crescente incidência de doenças importadas na prática dermatológica.
Suporte financeiroNenhum
Contribuição dos autoresMélissa M. de Carvalho: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Sofia Cortes: Obtenção de dados; elaboração e redação do manuscrito e revisão intelectual crítica; obtenção e interpretação de dados laboratoriais.
José Manuel Cristóvão: Obtenção de dados; revisão intelectual crítica; obtenção e interpretação de dados laboratoriais.
José Carlos Cardoso: Revisão intelectual crítica; obtenção e interpretação de dados histológicos e registros iconográficos; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados.
Maria Goreti Catorze: Revisão intelectual crítica.
Alexandre Miroux‐Catarino: Revisão intelectual crítica; supervisão da pesquisa; obtenção e interpretação de registros iconográficos.
Disponibilidade de dados da pesquisaNão aplicável.
Conflito de interessesNenhum.
EditorAna Maria Roselino
Este trabalho foi parcialmente financiado por FCT, Portugal por meio de fundos para GHTM – (UID/04413/2020) e LA‐REAL (LA/P/0117/2020).
Como citar este artigo: Carvalho MM, Cortes S, Cristóvão JM, Cardoso JC, Catorze MG, Miroux‐Catarino A. Cutaneous Leishmaniasis due to Leishmania mexicana: first imported case reported in Portugal. An Bras Dermatol. 2025;100:501223.
Trabalho realizado no Serviço de Dermatovenereologia, Hospital de Egas Moniz, Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal.





